Joaquim Simões Barbosa

Daniela Bessone

O fornecimento de energia elétrica faz uso de uma pesada e cara infraestrutura: usinas geradoras situadas, muitas vezes, nos locais mais remotos do território nacional produzem a energia, que é “transportada” até os grandes centros urbanos por gigantescas linhas de transmissão, as quais se conectam às redes de distribuição das companhias estaduais de distribuição e chegam, finalmente, a cada uma das milhões de unidades consumidoras.
Todo esse processo é conduzido por diferentes empresas que operam as usinas, linhas de transmissão e redes de distribuição, tudo sob a coordenação do Operador Nacional do Sistema (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ONS">ONS</a>) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CCEE">CCEE</a>) e supervisão da agência reguladora do setor, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>. É um processo de grande complexidade, fortemente regulado.
Como se pode imaginar, não é nada fácil promover um ambiente de verdadeira competição em um setor com tais características. Não obstante, a legislação brasileira procura criar condições para que ocorra ao menos alguma competição no setor, ainda que de forma muito limitada.
Para essa finalidade, o legislador permitiu a criação de um Ambiente de Contratação Livre, baseado em consumidores livres, empresas de alta demanda de energia que recebem do legislador autorização para suprir suas necessidades de energia livremente, mediante autoprodução ou aquisição junto a comercializadoras ou geradoras, a preços e nas condições contratuais livremente contratados.
Paralelamente ao Ambiente de Contratação Livre, continua a existir o Ambiente de Contratação Regulada, onde concessionárias de serviço público de distribuição de energia fornecem, em regime de monopólio legal, a demanda de energia dos consumidores cativos de sua área de concessão, cobrando os preços estipulados pelo órgão regulador, com base nos respectivos contratos de concessão, adquirindo a energia que fornecem junto às empresas geradoras em leilões de diferentes modalidades, organizados pelo mesmo órgão regulador.
Mas mesmo no âmbito do Ambiente de Contratação Regulada existem mecanismos destinados a dar aos consumidores cativos alguma flexibilidade perante o monopólio das distribuidoras de sua região. Um desses mecanismos é o da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/geracao-distribuida">geração distribuída</a>.
A legislação permite que os consumidores (i) sejam proprietários ou arrendatários de centrais geradoras de energia elétrica renovável (mais comumente solar) com potência de até 5 MW instaladas em suas próprias unidades de consumo ou em locais remotos, desde que conectadas à rede de distribuição da mesma concessionária, e (ii) utilizem a energia gerada por tais centrais para atendimento de suas próprias demandas de energia ou como crédito a ser utilizado para compensar a energia que lhes é fornecida pela Distribuidora.
A central geradora do consumidor injeta energia na rede e o consumidor, ao consumir, retira energia da rede, participando de um Sistema de Compensação de Energia Elétrica, usufruindo de algumas condições favorecidas, que normalmente resultam em um custo de aquisição de energia mais baixo.
A central geradora pode ser detida individualmente, por um empreendimento com múltiplas unidades consumidoras (como um shopping center ou um edifício de apartamentos) ou em grupos reunidos em consórcios ou cooperativas. Existem no mercado empresas que desenvolvem projetos de centrais geradoras de energia renovável e organizam grupos de consumidores, reunidos principalmente em consórcios, para adquirirem ou arrendarem tais centrais. Nesses caso, as empresas que organizam o projeto tomam conta de todos os procedimentos para regularização da central perante a Aneel e conexão com a rede da Distribuidora, cuidando também da operação e manutenção do equipamento.
A <a href="https://in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.300-de-6-de-janeiro-de-2022-372467821">Lei 14.300/2022</a> institui o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS).
Apesar de algumas das inovações trazidas pela lei tornarem a utilização da geração distribuída mais onerosa para os consumidores-geradores, o novo marco legal foi bem recebido pelo mercado, pois traz segurança jurídica e prevê regras de transição consideradas adequadas.
Por um lado, a lei estabelece que, no sistema de compensação da energia injetada pelo consumidor-gerador na rede com a energia por ele consumida, deverão ser observados certos critérios com vistas à proteção das distribuidoras, que passam a ter o direito de receber ao menos o valor mínimo faturável, bem como todos os componentes tarifários não associados ao custo da energia, incluindo a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (ou TUSD Fio B), destinada a cobrir os custos do uso da sua infraestrutura. A lei também estabelece um sistema de compensação que leva em consideração o posto tarifário vigente nos momentos em que a energia é injetada ou retirada da rede.
Além disso, na implantação dos novos projetos, o consumidor-gerador deverá prestar garantias que assegurem o cumprimento de suas obrigações relacionadas com o processo de conexão da nova unidade geradora à rede da distribuidora. Aliás, a repartição dos custos necessários à realização dessa conexão entre o consumidor-gerador e a distribuidora passa a contar com regras mais bem definidas.
Todas as novas normas que encarecem a atividade de geração distribuída estão sujeitas às seguintes regras de transição:
(i) Sistemas de geração própria em funcionamento e novas solicitações de acesso até 500kW, feitas em até 12 meses da publicação da lei, ainda se beneficiarão das regras atuais até o fim de 2045.
(ii) Solicitações de acesso feitas entre o 13º e o 18º mês da publicação da lei ainda se beneficiarão das regras atuais por 8 anos.
(iii) Solicitações de acesso feitas após o 18º mês da publicação da lei ainda se beneficiarão das regras atuais por 6 anos, e os novos custos, ainda assim, somente se tornarão aplicáveis de forma gradativa e ao longo de vários anos.
Por outro lado, o marco legal prevê que o consumidor-gerador terá direito a ser remunerado pelos benefícios ao sistema elétrico propiciados por suas centrais de minigeração e microgeração distribuídas, conforme vier a ser determinado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Também traz regras importantes que visam assegurar o livre acesso do consumidor às redes das Distribuidoras para fins de conexão de geração distribuída.
Vários aspectos importantes ainda deverão ser objeto de diretrizes e regulamentação por parte do CNPE e da Aneel.

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JOTA

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