José Augusto Fontoura Costa

Bruno Barreto de Azevedo Teixeira

No último dia 13 de junho, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/suprema-corte-dos-eua">Suprema Corte dos EUA</a>, em decisão unânime, limitou a possibilidade de produção de prova para uso em procedimentos perante tribunais estrangeiros e internacionais aos pedidos feitos por autoridades oficialmente constituídas. A decisão reúne dois casos envolvendo pedidos de produção de provas em apoio a tribunais arbitrais internacionais. A Suprema Corte decidiu que “apenas um órgão judicante público ou intergovernamental é um tribunal estrangeiro ou internacional nos termos do Código dos Estados Unidos (CEU), Capítulo 28, § 1782”. Logo, na opinião da Corte, vez que os tribunais arbitrais internacionais não se enquadram nessa hipótese, seria inadequada a produção de prova em corte distrital americana com fulcro na norma processual indicada.
Para uma melhor compreensão é importante relatar, brevemente, os dois casos. No primeiro, uma companhia de Hong Kong (Luxhare Ltd.) discute uma fraude em operação de compra e venda com uma companhia de Michigan (ZF Automotive US), subsidiária americana de uma empresa alemã. A arbitragem se dá conforme as Regras de Arbitragem da Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit (DIS) — a principal câmara arbitral da Alemanha. A Luxhare, então, ajuizou pedido de produção de provas junto a uma das cortes federais de Michigan, nos EUA, buscando informações sobre a ZF e dois de seus diretores. A Corte concedeu tal pedido, e a impugnação apresentada pela ZF foi rejeitada tanto pela Corte quanto pela Corte de Apelações do Sexto Circuito.
Já o segundo caso envolve uma arbitragem de investimento entre um fundo russo de proteção de investidores e a Lituânia, onde o investidor alega expropriação em razão da declaração de falência e a nacionalização do banco lituano Snoras. A arbitragem é conduzida ad hoc, sob as Regras de Arbitragem da UNCITRAL. Iniciado o procedimento, o fundo pediu junto a Corte Federal do Distrito Sul de Nova York a produção de informações sobre um administrador temporário do Snoras e uma firma de consultoria de Nova York, onde ele é CEO. A Corte Distrital e o Segundo Circuito concederam o pedido de coleta de provas.
Na sua decisão, a Suprema Corte reverte a posição de ambas as cortes, estabelecendo interpretação restrita da expressão “tribunal internacional ou estrangeiro”. Na visão da corte, o histórico das alterações do texto legal demonstraria a intenção do legislador de restringir o uso do mecanismo apenas em apoio a tribunais estatais. Como se sabe, em inglês o termo “court” (corte) é mais restrito que “tribunal”, inclusive no sentido de que todas as cortes são tribunais, mas não vice-versa. A regra em tela mencionava, até 1964, “corte” e teve a redação modificada para incluir órgãos estrangeiros administrativos e similares aos judiciais. Assim, a Corte entendeu que a §1782 do CEU “é melhor compreendido como se referindo a um órgão adjudicatório que exerce autoridade governamental”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Como suporte a tal compreensão, indica-se que “para um tribunal pertencer a uma nação estrangeira, tal tribunal deve possuir uma autoridade conferida a ela por essa nação”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. A referência no texto legal à “prática e procedimento do país estrangeiro” é tomada como suporte adicional, pois seria estranho presumir sua referência a “uma entidade adjudicatória privada, que é tipicamente a criação de um acordo entre partes privadas que prescrevem suas próprias regras”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Há, ainda, a menção à finalidade de o Congresso fomentar a assistência mútua com países estrangeiros (chamada nos EUA de “comity”), e que “seria difícil compreender como comprometer as cortes distritais a auxiliar entidades privadas poderia servir a tal fim”, de modo a questionar “[p]or que o Congresso emprestaria os recursos de cortes distritais para auxiliar entidades puramente privadas adjudicando, no estrangeiro, questões puramente privadas?”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Observa-se, por fim, a preocupação em não criar uma assimetria favorável à arbitragem internacional em face da estritamente americana, pois a Lei Federal Arbitral (FAA) afirma que apenas o tribunal arbitral poderia pedir a produção de provas, ao passo que as cortes distritais poderiam conceder tais pedidos a qualquer “pessoa interessada” e envolvida em uma arbitragem internacional, em razão do § 1782 do CEU.
Há, além disso, uma interessante discussão a respeito da arbitragem de investimento. O segundo caso, envolvendo um fundo russo e a Lituânia, foi tratado com particular atenção em virtude de a origem do consentimento do Estado para a arbitragem derivar de um tratado internacional. No entanto, a natureza ad hoc do tribunal e a ausência de qualquer intenção detectável no sentido de elevar tal instância à condição de autoridade governamental fizeram com que a Corte não reconhecesse, naquele caso, o exercício da jurisdição por tribunal estrangeiro. Assim, mesmo sem atribuir um caráter privado àquela arbitragem, consolidou-se o entendimento de não se tratar de um “tribunal internacional” com o tipo de autoridade pretendido pela lei americana.
Não paira qualquer dúvida a respeito da insuficiência de qualquer posição que se adote no presente artigo para influenciar a Suprema Corte americana. Seus autores são bem conscientes disso. Ainda assim é importante explorar e compreender a argumentação e seus efeitos em face do Direito americano para evitar qualquer derivação apressada para a interpretação das normas brasileiras em matéria idêntica ou assemelhada — em especial, aquela prevista no artigos 381 e seguintes do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">Código de Processo Civil</a>, que autoriza a produção antecipada de provas no Brasil.
Decerto a interpretação conduzida pelo contexto histórico do estabelecimento do texto do § 1782 do CEU é, de fato, persuasiva. Nesse sentido, deve-se observar a presença de um entendimento que não é derivado, simplesmente, do sentido das palavras, mas de um contexto interpretativo singular e, como tal, idiossincrático.
Todavia, há que se notar (e criticar) o entendimento da Corte no sentido de que a arbitragem internacional, pelo menos em sua modalidade comercial, seria uma atividade estritamente privada, sem que houvesse alguma forma de atribuição de autoridade ou jurisdição. A visão mais moderna dá à arbitragem internacional caráter misto<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>: os árbitros exercem a jurisdição (em alternativa à jurisdição estatal clássica, atribuída, geralmente, ao Poder Judiciário local) a partir do acordo entre as partes, que afasta, por um lado, a jurisdição estatal e, por outro, atribui aos árbitros a jurisdição para dirimir aquela controvérsia.
O Brasil, em razão de suas fontes legais, jurisprudenciais e doutrinárias, reconhece haver uma atribuição legal de jurisdição ao tribunal arbitral; tanto que a lei reconhece a sentença arbitral como título executivo judicial e o árbitro como “juiz de fato e de direito”. Nesse sentido, as práticas interpretativas brasileiras dificilmente levariam a um estreitamento tão evidente, quase tacanho, da finalidade da norma. A autoridade do tribunal arbitral, embora limitada material e subjetivamente pela autonomia privada das partes, decorre da lei e do reconhecimento da arbitragem como meio adequado de solução de litígios pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Já o argumento que vê a comity como empecilho para o uso do mecanismo de produção de prova à arbitragem internacional é frágil. Fosse tal aspecto tão central para o legislador, talvez coubesse maior clareza por meio da exigência de reciprocidade. Há diversos exemplos na legislação estadunidense que dão conta do uso da comity como requisito legal — o maior deles, talvez, no que tange ao reconhecimento de sentenças, previsto no Artigo IV, §1 da Constituição dos Estados Unidos<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Ademais, a busca de valores como a obtenção de justiça e a redução dos custos e prazos deveria também ser levada em conta, pelo menos em termos de uma observação sistemática da ordem jurídica. Todavia, a Suprema Corte não examinou, nessa decisão, estes elementos — hoje vistos como fatores críticos do exercício da jurisdição ao redor do planeta.
O argumento da injustificada assimetria entre o tratamento das arbitragens estrangeiras e internacionais, de um lado, e das estritamente americanas, de outro, é também digno de provocar a sensibilidade dos intérpretes e dar suporte a uma interpretação voltada a garantir a máxima isonomia. No Brasil, o risco de situação similar é limitado pela própria natureza monista da nossa Lei de Arbitragem, que regulamenta tanto as arbitragens internacionais quanto as arbitragens domésticas. Ainda que inexista impedimento legal do estabelecimento de tratamento assimétrico entre os dois institutos; deve-se evitar que a interpretação prejudique, de qualquer forma, o acesso à jurisdição e o exercício, pelo particular, do seu direito de petição.
No que se refere à arbitragem de investimentos há, também, ao menos uma observação importante a ser feita. O Brasil não é parte contratante de acordos de promoção de proteção recíproca de investimentos que contenham regimes de arbitragem entre investidores e Estado, e nem é parte da Convenção de Washington de 1965, a qual criou o Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) — uma instituição de arbitragem vinculada ao Banco Mundial. Como este é uma organização internacional intergovernamental, é razoável de se crer que a interpretação da Suprema Corte autorize o uso do mecanismo de produção de prova previsto na §1782 para as arbitragens administradas pelo ICSID.
De qualquer modo, no sistema da Convenção de Washington, a jurisdição decorre do próprio instrumento internacional e se diferencia do consentimento, que deve ser dado por escrito e pode, como em muitos casos ocorre, ser dado em branco pelo Estado em um acordo internacional. Mesmo nesse sentido, portanto, a resposta deve ser diferente em arbitragens ICSID, embora não naquelas estabelecidas em seu mecanismo complementar — que tem natureza distinta.
Obviamente se está em face de um caso emblemático. A decisão da Suprema Corte é importantíssima para delimitar o uso do mecanismo de produção de prova nos Estados Unidos, considerando que os tribunais arbitrais com sede no estrangeiro deverão se servir da eventual mediação de órgãos governamentais para obter a providência prevista no § 1782 do CEU. Também é importante para alimentar a reflexão entre os limites do público e do privado na arbitragem, sobretudo quando seu campo de aplicação se expande e sua legitimidade é rediscutida amiúde.
Não se trata, porém, de uma decisão passível de ser estendida, senão com muitos cuidados, ao Direito pátrio e à arbitragem brasileira. Primeiro, pois nosso mecanismo de produção antecipada de prova não se limita ao apoio a arbitragens domésticas ou internacionais. Além disso, nossa <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm">Lei de Arbitragem</a> é, em sua essência, monista, e não diferencia (exceto em poucos casos) a arbitragem doméstica da internacional, de forma a assegurar (pelo menos em teoria) o tratamento isonômico entre os dois institutos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> 596 U.S. (2022), 21-401 e 21-502, p. 7. Disponível em <a href="https://www.supremecourt.gov/opinions/21pdf/21-401_2cp3.pdf">https://www.supremecourt.gov/opinions/21pdf/21-401_2cp3.pdf</a>, consultada em 14 de junho de 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Idem, p. 7 e 8.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Idem, p. 8.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Idem, p. 10.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Nova York: Kluwer Law International, 2009, p. 185.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Full faith and credit shall be given in each state to the public acts, records, and judicial proceedings of every other state. And the Congress may by general laws prescribe the manner in which such acts, records, and proceedings shall be proved, and the effect thereof.

suprema corte dos eua

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JOTA

Por que as razões da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos não podem ser estendidas?

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