tese do século

Reequilíbrio de contratos de concessão pela repetição de tributos a maior

Algumas variáveis existentes em relação a estes créditos

03/10/2022|05:10
contratos de concessão
Crédito: Pixabay

Está sendo verificada a propositura de ações rescisórias objetivando o cancelamento de parte dos créditos obtidos pelo reconhecimento da chamada “tese do século” – que versa sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. A União alega a aplicação da modulação de efeitos decidida pelo STF também para quem ajuizou a ação discutindo o tema depois de março de 2017 e obteve decisão favorável que transitou em julgado antes da conclusão do julgamento pelo STF, de modo que não teria direito à devolução integral, mas apenas dos valores recolhidos a partir de 2017.

Não se pretende aqui discutir o mérito dessa questão mas sim destacar algumas variáveis jurídicas existentes em relação a estes créditos e a sua repercussão no reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão.

No caso de tributos recolhidos a maior, em geral a repetição de indébito decorre de decisão judicial. Mas isso não significa que o reequilíbrio possa ser automático e considerando a integralidade dos créditos.

Como regra geral, excetuados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de tributos ou encargos legais após a entrega da proposta na licitação pode dar ensejo à recomposição da equação econômico-financeira.

Além da necessidade de haver efetiva repercussão da alteração dos tributos ou encargos legais na execução do objeto contratado, deve ser analisada a matriz de risco de cada contrato específico, para se identificar a qual parte foi alocado o risco pela variação desse encargo.

Especificamente para as prestadoras do serviço público de distribuição de energia elétrica, foi promulgada a Lei 14.385/2022. Essa lei alterou a Lei 9.427/1996 para determinar que deve ser promovida de ofício a destinação integral, em proveito dos usuários das distribuidoras de energia elétrica, dos valores objeto de repetição de indébito por ocasião de alterações normativas ou de decisões administrativas ou judiciais que impliquem redução de tributos. Com base nessa previsão normativa, a Aneel promoveu Revisões Tarifárias Extraordinárias, para a devolução aos consumidores dos créditos de PIS e Cofins decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo dessas contribuições.

Porém, o tema apresenta algumas nuances que devem ser consideradas no reequilíbrio de contratos de concessão.

Em primeiro lugar, a recomposição, se cabível de acordo com a matriz de risco contratual, apenas pode considerar os valores efetivamente restituídos às concessionárias. O valor a ser repetido encontra-se sujeito, por exemplo, a restrições de ordem temporal, decorrentes de regras de prescrição e da modulação feita pelo STF, ou a eventuais questões concretas de cada empresa.

Depois, apenas poderão ser reequilibrados os valores que já foram disponibilizados às empresas. Na maior parte dos casos, o aproveitamento dos créditos ocorre por meio de compensação tributária com débitos. Nesse caso, para fins de eventual reequilíbrio, os créditos devem ter sido efetivamente habilitados, de modo a permitir a sua compensação com outros tributos devidos ao mesmo ente.

Em outras situações, as concessionárias optam pelo depósito dos valores em juízo durante a sua discussão, podendo levantá-los ao final da lide se houver julgamento favorável. Também não se pode descartar a hipótese de a restituição dos valores ocorrer por meio de precatório.

De todo modo, em qualquer caso, eventual reequilíbrio apenas poderá ocorrer após a efetiva apropriação dos valores pela concessionária.

Cabe ainda considerar que a judicialização pelas concessionárias implica custos com a condução e gestão do litígio, mesmo no caso de vitória.

Não se pode atribuir às concessionárias o dever de judicialização buscando o reconhecimento de eventual crédito tributário. Ainda que a judicialização possa ser o comportamento eficiente que se espera da concessionária, não se trata de conduta neutra. Muito menos pode ser estimulada a judicialização em razão de toda e qualquer tese tributária que surgir.

A concessionária que opta por judicializar determinado tema está correndo o risco de não ter a sua tese reconhecida e arcar com os custos de sucumbência. Mesmo se vencedora, a concessionária suporta despesas com a contratação de advogados e a gestão do litígio ao longo de vários anos.

Assim, devem ser cogitados mecanismos de incentivo para a atitude diligente da concessionária ou, quando menos, o ressarcimento integral das despesas incorridas com o litígio judicial, para que a concessionária não tenha que ficar no prejuízo. Porém, a restituição integral de créditos determinada pela Lei 14.385/2022 desconsidera essas variáveis.

Por outro lado, apenas se efetivamente disponível a todos os contribuintes a revisão de ofício do lançamento e a repetição de indébito no próprio âmbito administrativo, ou seja, independentemente do ajuizamento de qualquer demanda judicial, é que se poderia atribuir à concessionária a incumbência de adotar as providências necessárias para a efetiva obtenção desses créditos.

Outro ponto a ser avaliado é que, para pleitos de reequilíbrio em geral, incide a regra prescricional de cinco anos[1]. Em se tratando de prestações periódicas, como geralmente ocorre com questões tributárias, a prescrição atingiria as parcelas com mais de cinco anos. Esse prazo deve ser aplicado nos casos em que os tributos incidentes não são cobrados diretamente do consumidor mas integram o custo das concessionárias, repercutindo indiretamente nas tarifas. Nestes casos, a questão deve ser resolvida por meio de recomposição da equação econômico-financeira do contrato de concessão, sujeita ao prazo de prescrição acima mencionado.

Por fim, se houver qualquer alteração no panorama que implique a invalidação total ou parcial dos créditos restituídos – tal como se passaria com o eventual provimento de ação rescisória –, deverá ser revista a decisão que reequilibrou a equação econômico-financeira considerando tais créditos.

Os aspectos ponderados acima são apenas alguns exemplos de situações que podem ser verificadas no reequilíbrio de contratos de concessão, de modo a impedir a automática destinação integral de créditos tributários em processos de revisão.


[1] Prevista no Decreto nº 20.910/1932.logo-jota

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