Carolina Müller

Giuseppe Pecorari Melotti

No último dia 21 de março, o governo federal anunciou a redução do imposto de importação para bens de capital e bens de informática e telecomunicações (BK e BIT, respectivamente), bem como para alguns produtos da cesta básica e etanol. Circulam, ainda, notícias de uma potencial nova redução geral do imposto de importação.
A medida envolvendo BITs e BKs tem um caráter estrutural e se soma a outras iniciativas já adotadas pelo governo visando à liberalização comercial, enquanto a redução para produtos da cesta básica e etanol visa a combater questões conjunturais, relacionadas ao impacto do aumento da inflação e do preço dos combustíveis para a população.
Essas ações, assim como outras adotadas ao longo dos últimos anos visando à redução do imposto de importação de maneira geral ou pontual, foram feitas com base em diferentes mecanismos previstos no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mercosul">Mercosul</a> para a alteração do imposto de importação, ainda pouco explorados pelo setor produtivo em geral.
O Brasil, como membro do Mercosul, tem suas alíquotas do imposto de importação baseadas na Tarifa Externa Comum (TEC). Assim, a princípio, uma alteração das alíquotas desse imposto demandaria a negociação com os demais países do bloco e sua incorporação à TEC.
Levando isso em consideração, há um procedimento específico para a alteração permanente da TEC, que se inicia em um dos países do bloco e é levado a discussões no Mercosul para análise dos demais membros, a fim de aumentar ou reduzir a alíquota aplicável a determinado produto. Empresas brasileiras interessadas devem apresentar um pleito perante a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) com a proposta e os fundamentos para o pedido. Caso a posição da CAMEX seja favorável à alteração, o pleito é encaminhado ao Comitê Técnico do Mercosul e, em caso de aprovação, vai para deliberação final pelo Grupo do Mercado Comum. Por fim, a medida é internalizada na legislação brasileira.
Inevitavelmente, trata-se de um mecanismo bastante moroso e que depende de um alinhamento da estratégia comercial entre todos os membros do bloco, dificultando sua aplicação em casos emergenciais ou que visem a atender demandas específicas de setores produtivos brasileiros.
Não obstante essa possibilidade, o quadro normativo do Mercosul também prevê alguns mecanismos para que o Brasil e os demais membros implementem alterações unilaterais do imposto de importação, na forma de uma exceção à tarifa comum. Em todos os casos, a nova alíquota desse tributo será aplicável com base no produto, podendo ser utilizada por qualquer importador.
O primeiro mecanismo a ser destacado é aquele relativo a BITs e BKs.
O Mercosul autoriza a manutenção, pelos Estados-membro, de alíquotas distintas da TEC para esses setores. É com base nesse mecanismo que o governo federal promoveu a redução de 10% das alíquotas do Imposto de Importação para esses produtos, somando-se à redução de mesmo montante efetuada em março de 2021.
Tal exceção também é a base para o regime de ex-tarifário para BIT e BK, que permite a redução a zero do referido imposto para produtos em relação aos quais não há produção similar nacional, sendo esse, provavelmente, o mecanismo mais conhecido e utilizado pelo setor produtivo brasileiro. Trata-se também do regime mais simples de ser obtido, uma vez que depende unicamente da comprovação de inexistência de produção nacional do bem classificado como BIT e BK.
Para os produtos classificados especificamente como BIT, há, ainda, a possibilidade de inclusão na Lista de Exceções de Bens de Informática e Telecomunicações (LEBIT), visando a redução ou aumento da alíquota para esses produtos.
Por exemplo, a pedido do Ministério de Minas e Energia, foi aprovada, em novembro de 2021, a redução do Imposto de Importação para determinados produtos destinados à geração de energia elétrica, em razão da escassez hídrica no país. As células solares e células solares orgânicas foram incluídas na LEBIT, com uma redução de 50% da alíquota aplicável às importações de células solares (que possuem produção nacional), enquanto as células solares orgânicas foram beneficiadas com alíquota zero.
A Lista de Exceções à TEC (LETEC) é um outro mecanismo que permite a redução ou o aumento da alíquota do Imposto de Importação para um universo de até 100 códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), abrangendo produtos de quaisquer setores.
Foi esse o mecanismo utilizado pelo governo brasileiro para a redução das alíquotas aplicáveis aos produtos da cesta básica e ao etanol, anunciada em março deste ano. O mecanismo também já foi utilizado para a redução da tarifa imposta às importações de jet-skis, balões e dirigíveis (anunciada no início de março), milho e soja (promovida em outubro de 2020) e arroz (publicada em setembro de 2020), dentre outros. Também foram incluídos na LETEC outros produtos destinados à geração de energia elétrica, conforme solicitação do Ministério de Minas e Energia, que não se enquadravam como BIT, seguindo o mesmo critério de redução mencionado anteriormente.
Atualmente, há 95 posições ocupadas na lista. A alteração pode ser mantida por um prazo determinado, como ocorre com os produtos da cesta básica e etanol, ou indeterminado. Ademais, após atingido o limite de 100 NCMs, será necessário excluir um produto antes de permitir a inclusão de outro na lista.
A inclusão tanto na LETEC quanto na LEBIT demanda uma análise de conveniência, por parte do governo federal, sobre os benefícios da medida. Nesses casos, diferentemente do regime de ex-tarifário, a existência de produção nacional é um dado relevante – que certamente desfavorece um pedido de redução de alíquota – mas não instransponível. De fato, o que será analisado são os impactos positivos da alteração de alíquota proposta não apenas para a empresa requerente mas também para o setor, cadeia produtiva e/ou consumidores.
No caso da LETEC, a abrangência desses benefícios é de relevância ainda maior, diante do número limitado de vagas na lista, de modo que não basta a existência de impactos positivos, sendo preciso demonstrar que esses impactos são mais abrangentes e/ou relevantes do que aqueles obtidos por outros pedidos de inclusão.
Veja-se que as justificativas econômicas para inclusão de um produto na LETEC podem ser das mais variadas. Há hoje na lista diversos medicamentos – cujas reduções visam beneficiar os pacientes – e alguns produtos para permitir acessibilidade a pessoas com deficiência – cujos pleitos foram apresentados por organizações da sociedade civil. Mas há também redução de alíquota: para determinado tipo de alumínio utilizado como insumo por diversas indústrias, limitado a uma quota em razão da existência de produção nacional; para pneus de carga, visando atender ao setor de transporte rodoviário durante a pandemia; bem como determinados veículos elétricos semidesmontados. Há, ainda, uma alíquota majorada para bicicletas, que vem sendo reduzida progressivamente.
O último mecanismo que merece ser destacado é a Redução Temporária por Desabastecimento, permite que seja pleiteada a redução a 2% ou 0% do Imposto de Importação em razão do desabastecimento do mercado regional em relação a um produto específico, para uma quota determinada, sendo que a medida terá prazo de até 365 dias, renovável por igual período.
Diferentemente do regime de ex-tarifário, esse mecanismo pode ser aplicado a produtos não grafados como BIT e BK. De outro lado, o benefício tem uma aplicação mais restrita que a LETEC, uma vez que visa apenas reduções de alíquota (enquanto a LETEC também permite aumentos), sempre em um cenário de ausência (ou insuficiência) de produção regional para atender ao mercado brasileiro.
Aqui também há um limite de concessão do benefício para até 100 NCMs, demandando, também, a análise de conveniência da medida e de seus impactos positivos, em face a outros pedidos de redução por razão de desabastecimento. Atualmente, há 68 posições da NCM com a redução.
É comum a concessão da redução do Imposto de importação para insumos que atendam a todo um setor e reduzam os custos de produção, garantindo maior competitividade, ou tragam inovações tecnológicas que beneficiem o consumidor. Há tanto pleitos feitos por associações de classe quanto por empresas privadas, sendo que, de maneira geral, é necessário que a redução do tributo tenha efeitos positivos não apenas para a empresa pleiteante, mas também para terceiros, como a cadeia produtiva a jusante e os consumidores finais.
Por fim, cabe abordar a redução de 10% da TEC para cerca de 87% dos códigos NCM, adotada pelo governo federal em novembro de 2021, e que permanecerá em vigor até dezembro de 2022, além de uma potencial nova redução a ser promovida esse ano. Essa redução, de caráter unilateral, foi fundamentada em uma exceção geral trazida pelo <a href="https://www.aladi.org/sitioaladi/language/pt/tratado-de-montevideu-1980/">Tratado de Montevidéu da Associação Latino-Americana de Integração</a> (ALADI), na qual o Mercosul está inserido, o que também permitiu a redução de tarifas para diversos produtos necessários ao combate à COVID-19.
Verifica-se, assim, os mecanismos de alteração da TEC não são relevantes apenas para a política de governo, atuando como uma medida complementar para a política econômica e industrial, mas também merecem ser melhor explorados pelo setor privado que, em determinados cenários, poderá pleitear a redução ou o aumento da alíquota do imposto de importação – de maneira provisória ou permanente – a fim de trazer impactos positivos para a economia do país.

Dinheiro Imposto de Renda Novo RIR

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Alterações da TEC do Mercosul merecem ser melhor exploradas pelo setor privado

Reduções do Imposto de Importação e mecanismos disponíveis para as empresas

Mudanças no Imposto de Importação: Alterações da TEC do Mercosul merecem ser melhor exploradas pelo setor privado