Rafael Zabaglia*

Impactos econômicos da Lei Complementar nº 147/14
Muitos saúdam a Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, e suas novas regras para beneficiar e incentivar o empreendedorismo de menor porte. Trago uma visão menos otimista: ao agravar a situação doutros credores em falências e recuperações judiciais, a LC nº 147/14 pode vir a reduzir ou encarecer a oferta de crédito aos pequenos empreendedores, especialmente na atual conjuntura econômica.
Além dos aspectos tributários da LC nº 147/14, já amplamente noticiados – especialmente a ampliação do regime do Simples Nacional –, a nova norma introduziu várias alterações à Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – LF).
Destaco aqui duas dessas alterações. Elas têm consequências econômicas que vão além dos pequenos empreendedores, afetando adversamente os interesses doutros credores nos processos de recuperação e falência. E, ao afetar os interesses desses outros credores, indiretamente podem vir a prejudicar aqueles mesmos pequenos empreendedores que a LC nº 147/14 busca resguardar.
A primeira mudança diz respeito à recuperação judicial. Foi criada uma quarta classe de credores, ao lado dos credores trabalhistas, dos credores com garantia real e dos credores quirografários (sem garantia) – a classe dos “titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte” (art. 41, IV, LF).
Dentro dessa nova classe, a contagem dos votos necessários à aprovação do plano de recuperação se dará por cabeça (como na classe dos credores trabalhistas) e não por valor dos créditos (como nas duas outras classes). É o que consta da nova redação do art. 45, § 2º, da lei.
É uma mudança importante, porque tende a alterar a dinâmica de interesses do grupo de credores.
Relembrando, a recuperação judicial tem um forte componente negocial. O plano de recuperação precisa ser votado e aprovado numa assembleia geral de credores, dentro das diferentes classes. Caso contrário, é decretada a falência do devedor (art. 56, § 4º, LF). Por isso, ao elaborar o plano o devedor deve buscar contemplar os interesses de cada classe, negociando a adesão dos principais credores, para reduzir o risco de rejeição do plano e consequente quebra.
Microempresas e empresas de pequeno porte costumam ter créditos de baixo valor, não dotados de garantia. Por conseguinte, costumavam estar na classe dos credores quirografários e ter peso reduzido na votação do plano de recuperação dentro dessa classe, onde figuram grandes empresas com crédito muitas vezes superior – bancos, grandes indústrias, etc.
Formando uma classe própria, esses pequenos empreendedores agora terão maior capacidade de resguardar seus interesses no plano de recuperação. Dependendo de quantos componham o universo dos créditos sujeitos à recuperação, eles podem dificultar ou até mesmo inviabilizar a aprovação de um plano que lhes seja desfavorável, ainda que interessante para muitos dos demais credores.
A segunda mudança a ser comentada diz respeito à falência. A LC nº 147/14 passa a conceder privilégio especial aos créditos de titularidade “dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006” (art. 83, IV, “d”, LF).
Na prática, isso significa que pequenos empreendedores passam a ter prioridade de pagamento sobre vários outros credores de classes inferiores. Sobretudo, serão pagos antes dos credores quirografários – os mesmos bancos e grandes indústrias referidos, que geralmente respondem por parte significativa dos créditos sujeitos à falência.
As várias mudanças que a LC nº 147/14 introduziu na Lei de Falências suscitam reflexões de natureza jurídica e valorativa – a começar do fato de que lei complementar modificou leis ordinárias, técnica essa de constitucionalidade duvidosa – mas me limito a indicar um possível efeito econômico adverso decorrente dessas duas prioridades concedidas às microempresas e empresas de pequeno porte.
Recuperações e falências são processos que se caracterizam por envolver múltiplos credores de um devedor comum; cada credor terá interesses por vezes conflitantes com os dos demais, competindo à LF harmonizá-los e, se necessário, hierarquizá-los. A LC nº 147/14 tem o mérito de ter tomado um partido claro: priorizou os credores que se qualificam como microempresas e empresas de pequeno porte. Com isso, inevitavelmente deteriorou a situação das empresas de maior porte – instituições financeiras incluídas.
Num cenário de redução do crédito e de incertezas econômicas como se dá atualmente, existe risco de que o efeito seja inverso ao pretendido pelo legislador, e de que indiretamente as próprias microempresas e empresas de pequeno porte sejam negativamente afetadas.
Quando decidem se fornecerão bens, serviços e crédito, as grandes empresas analisam qual a perspectiva de pagamento futuro; a partir daí poderão aceitar o fornecimento, negar o fornecimento ou condicionar o fornecimento à apresentação de garantias.
Tendo poder menor na assembleia de credores da recuperação, e tendo chance (ainda) menor de receber ao menos parte de seus créditos quirografários em caso de falência, essas grandes empresas terão um risco de crédito maior – e precificarão isso de alguma forma e em alguma medida. Podem vir a estabelecer condições mais rígidas de crédito ou fornecimento, ou então exigir garantia real em casos antes dispensados disso – inclusive para os mesmos pequenos empreendedores que a LC nº 147/14 busca contemplar.
Se isso ocorrer, o resultado será não a multiplicação de pequenos empreendimentos, como pretende o legislador, mas a criação de obstáculos adicionais aos que já existem.
*Rafael Zabaglia é advogado de Levy &amp; Salomão Advogados.

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