Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Nancy Gombossy de Melo Franco

Destacamos, a bem da segurança jurídica, que a prestação jurisdicional efetiva e o balizamento para o tema da possibilidade – ou não – do produtor rural pessoa física ingressar com pedido de Recuperação Judicial (“RJ”), ao contrário de recentes discursos entabulados de través, é matéria não pacificada e que ainda promoverá muitos debates entre dez Ministros do Superior Tribunal Justiça, integrantes da Seção de Direito Privado.
E assim o fazemos preocupados sobremaneira com os impactos para o setor do agronegócio verificado no crescente número de pedidos de ingresso de RJ formulados por produtores rurais pessoas físicas parte deles não com intenção de superação de crise econômica ou, principalmente, objetivando a preservação da sua atividade, mas de fato mal intencionados, praticando calotes indiscriminados e descumprindo obrigações de entrega de produtos agropecuários já vendidos prometidos à entrega, com danosos reflexos para o fomento privado rural.
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Independentemente de haver uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, em julgamento apertadíssimo e não unânime e, potencialmente, ainda sujeito a diversas importantes modulações provocadas em vários embargos de declaração opostos pelos credores e a novo julgamento da Seção de Direito Privado, diga-se de passagem, sustentamos a necessidade da matéria ser revisitada e, mais ainda, ser devidamente regulamentada pelo Poder Legislativo, trazendo regras e requisitos claros a todos os agentes do setor.
Cabe a cada um dos membros do Poder Judiciário, neste momento, agir com cautela e garantir a segurança jurídica necessária ao agronegócio brasileiro.
E assim afirmamos fundados não só no argumento de que alguns produtores rurais indevida, e equivocadamente, utilizam-se da RJ para casos que seriam exclusivamente de renegociação de dívidas, alguns pela alta alavancagem decorrente da imobilização de ativos e perda de caixa. Vamos além!
Na esfera do Poder Legislativo e sobre o ‘selo COVID-19’ tramita o Projeto de Lei n. 1397 de 2020, aprovado na Câmara dos Deputados e remetido ao Senado Federal, que assim se resume:
institui medidas de caráter emergencial mediante alterações, de caráter transitório, de dispositivos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; que somente terão vigência até 31 de dezembro de 2020, ou enquanto estiver vigente o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (Reconhecimento do estado de calamidade pública em razão da pandemia causada pelo covid-19); além de dar outras providências.  
Ocorre que por ocasião da relatoria do projeto na Câmara dos Deputados e para a figura de “agente econômico”, incluiu-se expressamente a figura do produtor rural como beneficiário do alcance da mencionada proposição; isto, sob o equivocado fundamento de que esses estariam “amparados em recente decisão nesse sentido, proferida, em 5/11/2019, pela 4ª Turma de Direito Privado do STJ”, dando um caráter definitivo a decisão que não transitou em julgado, não foi unânime, sujeita ainda a importantes modulações e possível revisão e reforma pela Seção de Direito Privado.
Prosseguimos. Mas, não é tão somente o Poder Legislativo que está apegado a essa equivocada fundamentação de definitividade para a possibilidade do produtor rural pessoa física requerer RJ sem atender o cumprimento dos requisitos legais: alguns Ministros do próprio Superior Tribunal de Justiça estão!
Em recentes decisões monocráticas para os Recursos Especiais n.s 1578598 e 1809809 - o que já é de causar espécie para matéria sem afetação para o instituto dos recursos repetitivos (art. 1036 NCPC) e ainda não transitada em julgada, não modulada e decidida de forma não unânime – o Ministro relator afirmou que:
Sobre o tema, tem-se que a iterativa jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
A título de esclarecimento, a uma, o dito caso paradigma não julgou a questão do requisito legal dos dois anos de registro do produtor rural na respectiva Junta Comercial para viabilizar o pedido de RJ, mas apenas o seus efeitos, se declaratório ou constitutivo, sobre os negócio jurídicos que deveriam se submeter a RJ. Logo não deveria sequer servir como paradigma.
Ademais, observamos que no âmbito do STJ há pelo menos dois recursos aguardando exame e posicionamento quanto a afetação da matéria na condição de representativo da controvérsia prevista no art. 256-G do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e mais uma avalanche de recursos pendentes de julgamento em ambas as Turmas de Direito Privado.
Então, é de se questionar: qual a finalidade de se tentar firmar essa narrativa errática para o tema?
Insistir nesse discurso equivocado de definitividade para tema não transitado em julgado e julgado apenas à maioria de votos por apenas uma das Turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, além de ferir princípios mais básicos do próprio Estado de Direito, intenciona a promoção da quebra da cadeia – e de confiança – gerada por alguns produtores rurais.
Alguns desses produtores rurais, amparados no pedido de RJ, sinalizam ainda o indevido intuito de não entregar a produção já paga e prometida à entrega, vinculada ao importantíssimo título de crédito, a Cédula de Produto Rural (CPR), cuja credibilidade foi construída ao longo de quase 30 (trinta) anos, impactando severamente o agronegócio; quebrando um elo entre importantes agentes da cadeia, especialmente do fomento privado, com reflexos negativos na higidez das obrigações de entrega de produtos agropecuários, tão relevantes para a economia de nossa nação.
E não se está aqui a tratar do descumprimento originário de uma quebra de safra, mas, sim, da conduta de alguns produtores que pretendem, ancorados na RJ, descumprir obrigações, escolhendo alguns credores unilateralmente, jogando ilegalmente com o valioso instituto, e vender novamente a mesma produção para terceiros, em detrimento daqueles com quem firmou contrato anterior, para receber, indevidamente, 02 (duas) vezes o preço, em exemplo clássico de enriquecimento indevido. Obviamente, o sistema jurídico da recuperação judicial, independentemente da possibilidade de sua utilização pelo produtor rural, não autoriza esse tipo de conduta.
Os bons produtores rurais pagarão pelos maus, com consequente e óbvia retração do fomento. Nunca é demais lembrar que, na gestão de crédito, há uma análise conhecida como a dos 5Cs que, além dos elementos de Condição, Capacidade, Caixa e Colaterais está também o Caráter, que decorre de idoneidade construída ao longo de vários anos, que alguns poucos produtores rurais estão optando por fulminar.
Agora, e em conclusão, se o racional é promover a interpretação do direito do produtor rural pessoa física ingressar com a RJ e se valer de suas benesses para seu legítimo soerguimento, especialmente diante do cenário e impactos da crise sanitária experimentada, que os Poderes Legislativo e Judiciário enrijeçam o exame desse instituto recuperacional, inclusive com uma análise minuciosa sobre o estado de insolvência alegado e cumprimento de requisitos legais que levem a segurança jurídica de todos os agentes, isto, para antes do acolhimento do pleito formulado; sendo imperioso também decretar a impossibilidade das obrigações de entrega de produtos agropecuários já vendidos integrarem a RJ, especialmente aquelas previstas em CPR.

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JOTA

Não definitividade da matéria nas Cortes Superiores e o discurso oblíquo sobre o tema

Recuperação judicial do produtor rural pessoa física

Não definitividade da matéria nas Cortes Superiores e o discurso oblíquo sobre o tema