Pedro Rebello Bortolini

Ocorreu em Brasília no último dia 8 o 1º Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevista na Resolução 466/2022 que visa desenvolver o conhecimento sobre o direito falimentar e difundi-lo em todo o Poder Judiciário.  
Tratou-se de evento importante, não apenas por ter reunido os principais estudiosos e profissionais da área, mas por ter resultado na aprovação de <a href="https://www.cnj.jus.br/recuperacao-e-falencias-1o-congresso-do-fonaref-aprova-14-enunciados/">14 enunciados</a> sobre a Lei 11.101/2005, que versaram, em particular, sobre a conciliação e a mediação no âmbito do processo de recuperação judicial.
Embora não sejam vinculantes, sabe-se que esses enunciados têm papel importante, servindo de guia para os juízes na aplicação da lei, especialmente para aqueles com menos familiaridade com a matéria (ou seja, a grande maioria, dado que a especialização das varas em âmbito nacional ainda está distante). 
Por isso, na mesma medida da sua importância, esses enunciados carregam a responsabilidade de orientar corretamente os operadores do direito, a fim de tornar o sistema jurídico mais seguro e eficiente e evitar que a lei seja aplicada de forma contrária aos princípios e valores que a informam. 
Em grande medida, esse objetivo foi atingido pelo Fonaref, pelo que o evento merece todos os encômios. De modo geral, os enunciados aprovados contribuem para a efetividade dos mecanismos de conciliação e mediação, viabilizando uma solução mais rápida e eficiente para a crise do devedor, sem os custos de um processo de recuperação judicial. Ainda assim, não se pode deixar de destacar o equívoco de um desses enunciados, que não apenas viola a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm">Lei 11.101/2005</a>, mas pode produzir efeitos indesejados. 
Trata-se do Enunciado 6, que reza que “a medida cautelar de suspensão prevista no artigo 20-B, §1º, da Lei 11.101/2005 vincula os credores convidados a participar do procedimento de mediação ou conciliação instaurado no CJUSC do tribunal competente ou na câmara privada, ainda que não tenham aceitado o convite, não vinculando os credores que não tenham sido convidados” (destacou-se). 
A título de contextualização, é preciso esclarecer que o artigo 20-B foi um dos novos dispositivos introduzidos na Lei de Recuperação e Falências pela reforma operada pela Lei 14.112/2020. Entre outras coisas, ele autoriza que, em caráter antecedente à recuperação judicial, sejam realizadas conciliações e mediações para a negociação das dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores (inciso IV).  
Nessa hipótese, o §1º desse mesmo artigo prevê que será facultado às empresas que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação instaurado perante o Cejusc do tribunal competente ou câmara especializada. 
A finalidade desses dispositivos consiste, justamente, em prevenir o processo de recuperação judicial, quando seja possível obter o acordo entre o devedor e os credores, estimulado ou viabilizado pelos mecanismos de conciliação ou mediação. Entretanto, para evitar que o devedor fique exposto às execuções enquanto negocia, defere-se cautelarmente o stay period, antecipando-se o efeito do deferimento do processamento da recuperação judicial. 
Note-se que o concurso universal, do qual é espécie a recuperação judicial, modifica a lógica aplicável às execuções, por substituir a regra da anterioridade (que concede preferência de pagamento à penhora mais antiga) pela par condicio creditorum, princípio geral do direito concursal que garante o tratamento igualitário dos credores, segundo a natureza e classificação dos seus créditos. Assim, para além de conceder fôlego ao devedor, a concessão do stay period presta-se a garantir que os credores sejam tratados de maneira isonômica. 
O equívoco do Enunciado nº 6 consiste justamente em desrespeitar a par condicio creditorum ao prescrever que a suspensão das execuções propostas contra o devedor vinculará apenas os credores convidados a participar do procedimento de mediação e conciliação. Isso prejudica os propósitos do stay period, ao deixar o patrimônio do devedor exposto aos demais credores enquanto conduz a negociação. 
É evidente que, em determinados casos, será desnecessário convidar todos os credores para participar da conciliação ou mediação, pois o acerto com os players mais importantes poderá ser suficiente para viabilizar o reequilíbrio econômico-financeiro do devedor. E o Enunciado 1 do mesmo fórum dá a entender que a definição dos credores a serem convidados caberia ao próprio devedor, já que condiciona a concessão do stay period a tal indicação (“A definição exata dos credores convidados a participar do procedimento de mediação ou de conciliação instaurado no Cejusc do tribunal competente ou na câmara privada deve ser exigida como requisito para a concessão da medida cautelar prevista no artigo 20-B, § 1º, da Lei 11.101/2005”). 
Entretanto, qualquer movimento que denuncie o provável ajuizamento do pedido de recuperação, como o requerimento da tutela cautelar, irá produzir uma corrida frenética dos credores em direção ao patrimônio do devedor, que tentarão desesperadamente se antecipar ao concurso, especialmente se não tiverem recebido o “mui amigo” convite. 
Se o stay period não alcançar a todos, como propõe o Enunciado 6, o emprego dos mecanismos de conciliação e mediação restará esvaziado. De duas uma: ou o devedor será compelido a convidar todos os credores (o que poderá ser ineficiente em vários casos, por dificultar a negociação), ou simplesmente não irá aventar esse tipo de composição prévia, levando ao fracasso do interessante mecanismo criado pela lei. 
E na hipótese de a mediação ou conciliação efetivamente ocorrerem nos moldes do Enunciado 6, os credores “convidados” pelo devedor, ainda que não aceitem o convite, serão severamente prejudicados, pois verão o patrimônio do devedor ser dragado pelas execuções dos credores que escaparam do convite. 
É inconcebível que o devedor, ao definir quem será convidado para a conciliação ou mediação, tenha a prerrogativa de escolher os credores cujas execuções serão suspensas, coisa que lembra as condições puramente potestativas, vedadas pelo nosso ordenamento por se sujeitarem ao arbítrio exclusivo de uma das partes (Código Civil, artigo 122). Ademais, tal segregação parece contrariar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que mesmo os credores que não tiverem os seus créditos habilitados (seja por não terem sido relacionados pelo devedor, seja por não terem promovido a competente habilitação) ainda assim se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial (EDcl no Resp n. 1.851.692-RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.05.2022). 
A solução proposta pelo Enunciado 6 dá margem a todo tipo de fraude, como por via de arranjos com determinados credores para deixá-los de fora do convite. Isso poderá ser feito para subtrair os recursos que restarem à empresa, enquanto os credores convidados assistem impotentes ao prosseguimento das execuções dos outros. Ou poderá ser utilizado como ameaça do devedor a determinados credores, forçando-os a concessão de alguma vantagem em troca de não serem incluídos nesse indesejado convite. 
Sem contar que o deferimento da suspensão cautelar das execuções em relação a apenas uma parte dos credores gera um problema de ordem prática, já que o §3º do artigo 20-B da Lei 11.101/2005 determina que, se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, o período de suspensão previsto no §1º desse mesmo artigo será deduzido do período de suspensão previsto no artigo 6º. Logo, se se aplicar a regra do §3º literalmente, o termo final do final do stay period não seria o mesmo para todos os credores, variando conforme eles tivessem sido ou não convidados para a conciliação ou mediação (coisa que evidentemente não se pode conceber). 
Por tudo isso, sem embargo da importantíssima contribuição do Fonaref para a promoção do direito concursal, convém que o Enunciado 6 seja repensado à vista das questões acima levantadas, para que não comprometa a higidez do sistema concursal (o qual, em última análise, garante e estimula a circulação do crédito).

recuperação judicial

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JOTA

Solução proposta pelo texto no Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências dá margem a fraudes

A necessária revisão do Enunciado 6 do Fonaref

Solução proposta pelo texto no Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências dá margem a fraudes