Natália de Melo Lacerda

Patrick Coelho Rocha

Em meio às crescentes devastações na Amazônia, um tema de teor processual, mas com bastante impacto para a política ambiental se apresenta. Trata-se da possibilidade de processamento de reconvenções propostas em ações anulatórias ambientais ajuizadas em face dos órgãos de proteção do ambiente<a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a>.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – que detém a competência para apreciar as ações anulatórias no território abarcado pela Amazônia Legal – muitos juízes de primeira instância indeferem o pleito reconvencional sob argumento de que as autarquias ambientais careceriam de legitimidade ativa ou de que a reconvenção não seria o meio idôneo para buscar a reparação do dano pretendida. Porém, de maneira acertada, tal situação parece se alterar na segunda instância.
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Antes, contudo, de apontar os precedentes do Tribunal, é necessário aprofundar um pouco mais a tese processual e os impactos fáticos relacionados ao tema.
Trazer maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional foi um dos motes para a edição do novo CPC. O grande volume de demandas judiciais que abarrotam todos os órgãos jurisdicionais do país justificou a criação de novos institutos processuais e a manutenção e o aperfeiçoamento de instrumentos que já estavam presentes na legislação adjetiva e que mereceram destaque por terem grande capacidade de promover uma tutela jurisdicional mais efetiva. É o caso da reconvenção.
Ao deflagrar nova demanda conexa com a ação principal ou com o fundamento de defesa logo no momento em que é citado para responder a demanda, economiza o réu tempo e dinheiro, não só seu, mas também do contribuinte, além de evitar a prolação de decisões conflitantes e eventuais nulidades que poderiam ser declaradas futuramente.
Este instituto se torna ainda mais relevante quando a relação processual tem por base direito difuso, isto é, quando está em jogo política pública, como a tutela ambiental. E é exatamente este o caso que ora trataremos.
<blockquote class="jota-article__eye">A promoção da tutela ambiental pela imposição de sanções/medidas de polícia tem motivado o ajuizamento de milhares de ações anulatórias.</blockquote>
É certo que a responsabilização discutida nestas demandas tem por fundamento primordial o artigo 225, §3º da CRFB e o inciso VIII do art. 2º da Lei 6.938, de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Logo, o pano de fundo sempre será a responsabilidade ambiental decorrente da poluição gerada por algum dos infratores. E esta poluição não justifica apenas a imputação de sanções administrativas, mas, e talvez ainda mais relevante, conduz ao dever de reparação do dano ambiental – responsabilidade civil.
Com efeito, o processo administrativo sancionador - sob a ótica da responsabilidade civil - visa imputar ao autuado o dever de recomposição do passivo gerado pela conduta ilícita, mediante a utilização de instrumentos de política ambiental. Não raras vezes, contudo, os órgãos ambientais necessitam buscar dar efetividade aos comandos constitucional e legal promovendo demandas judiciais, notadamente pelo ajuizamento de Ações Civis Públicas.
Dentro deste contexto se mostra tão relevante o ajuizamento e processamento de reconvenções no bojo de ações anulatórias ambientais.
Estas reconvenções que objetivam tutelar interesse difuso, consistente na proteção do meio ambiente, têm natureza de ação civil pública, nos termos do artigo 1º, inc. I, da Lei 7.347/85. Logo, os órgãos ambientais, como é o caso das autarquias estaduais e federais, buscam sua legitimidade no art. 5º, inc. IV, da Lei 7.347/85<a href="#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a>.
Esta atuação foi incentivada pelo legislador que prevê no art. 343, §5º, do CPC/2015 a possibilidade de ajuizamento de reconvenção pelo réu que atua na qualidade de substituto processual.
Tal disposição legislativa (art. 343, §5º, do CPC/2015), como é evidente, legitima a atuação processual por parte dos órgãos ambientais, de modo que, quando o legitimado extraordinário está no polo passivo, na defesa de interesses sociais, poderá reconvir em face do autor, para, no mesmo processo, obter o provimento jurisdicional cabível em Ação Civil Pública de natureza conexa<a href="#_edn3" name="_ednref3">[iii]</a>.
Outro argumento que legitima e incentiva a propositura de reconvenções no curso de ações anulatórias ambientais decorre do fato de que a Ação Civil Pública autônoma ensejaria muito provavelmente a reunião dos feitos para julgamento simultâneo, conforme prevê o bem-vindo artigo 55, §3º, do CPC, ou seja, reconhecida a possibilidade de decisões conflitantes ou contraditórias, caberia ao juízo reunir as demandas, não só quando conexas, como seria o caso ora comentado, mas mesmo quando ausente a identidade prevista no caput. Em outros termos, a propositura posterior de Ação Civil Pública já levaria muito provavelmente a reunião com a ação anulatória correlatada.
Para além de tais pontos, permitir o processamento da reconvenção enseja a máxima efetividade da política ambiental, porquanto se impõe o reforço do comando normativo em tons práticos e concretos. Em casos tais, os órgãos ambientais não somente postulam a reparação in natura do dano ambiental, como também se valem de pedidos liminares que buscam impedir a continuidade da prática de infrações ambientais, bem como assegurar a pretensão civil indenizatória<a href="#_edn4" name="_ednref4">[iv]</a>.
Trata-se, portanto, de uma medida com bastante impacto na região e que pode auxiliar o enforcement da tão debilitada política ambiental. Nesse contexto, o TRF da 1ª Região tem reconhecido expressamente a legitimidade e efetividade do processamento das reconvenções conforme recentes precedentes emanados pela 5ª e 6ª Turma <a href="#_edn5" name="_ednref5">[v]</a>. Assim, o entendimento detém a capacidade de impactar positivamente os graus de proteção da Floresta Amazônica, além de conferir maior efetividade à prestação jurisdicional e eco.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i]</a> Em 2013, a Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA e a autarquia ambiental firmaram a orientação conjunta nº 1, no sentido de orientar as unidades de contencioso a oferecerem reconvenções, com o fito de buscar a reparação do dano ambiental perpetrado, quando houver questionamento judicial dos Autos de Infração.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[ii]</a>  Vale salientar a necessidade de estarem presentes ainda a conexão entre a causa original e a pretensão contraposta pelo reconvinte, além da competência do juízo para o processamento de ambas as demandas e a identidade de procedimentos.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[iii]</a> “[...] No caso, diversamente do que restou decidido pelo juízo a quo, é cabível a reconvenção, pois:
1 - o réu-reconvinte (IBAMA) tem legitimidade para, em nome próprio, formular o pedido objeto da reconvenção, ainda que por meio de ação civil pública;
2 – o autor-reconvindo tem legitimidade para, em nome próprio, ser demandado quanto ao objeto da reconvenção, assim como formula a pretensão objeto da ação principal;
3 – o fato da reconvenção versar sobre interesse difuso (tutela do meio ambiente) não afasta o cabimento de tal medida processual, inclusive porque a ação principal questiona atuação administrativa do réu-reconvinte na tutela desse mesmo interesse difuso;
4 – diante das explicitações constantes dos itens anteriores, está razoavelmente satisfeita a diretriz do art. 343, § 5º, do Código de Processo Civil;
5 – há clara conexão pela causa de pedir (existência ou não de infração e danos ambientais) entre a ação principal e os fundamentos da defesa da ré-reconvinte (art. 343, CPC). Nesse ponto, é provável o provimento do agravo e há perigo na demora, materializado pelo prejuízo que advirá do prosseguimento do feito, inclusive com futura prolação de sentença, sem processamento simultâneo da reconvenção.
Logo, deve ser antecipada a tutela recursal, a fim de que o juízo a quo processe a reconvenção, inclusive apreciando os respectivos pedidos de tutela provisória. [...]” (Agravo de Instrumento n. 1006289-34.2018.4.01.0000/MT (Processo Referência n. 0003690-68.2016.4.01.3603) - TRF1 - QUINTA TURMA - decisão em 06/08/2018) -
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[iv]</a>  É comum que os infratores se valham dos incentivos fiscais e de créditos concedidos pelo poder público para financiar a atividade econômica causadora de degradação ambiental, sem a licença ambiental necessária ou sem que a propriedade rural esteja ambientalmente regularizada. Por esse prisma, permitir a continuidade do financiamento direito ou indireto pelo Estado de infratores contumazes representa um perigo ao meio ambiente e, no mínimo, uma grandiosa contradição. Daí porque tem deferido os juízos o pedido de decretação da suspensão de incentivos ou benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, o acesso a linhas de crédito concedidas com recursos públicos ao Reconvindo, a indisponibilidade de bens móveis e imóveis, em montante suficiente para garantir a recuperação do dano ambiental causado. O montante correspondente ao dano ambiental é cálculo com base na NOTA TÉCNICA N.º 02001.000483/2016-33/DBFLO/IBAMA.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[v]</a> Por todos: TRF da 1ª Região: AG n. 0044519-36.2016.4.01.0000 – Relator Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian – e-DJF1 de 01.02.2019; TRF da 1ª Região: AG n. 1009321-47.2018.4.01.0000– Relator Desembargador DANIEL PAES RIBEIRO.

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JOTA

Importante passo do TRF da 1ª Região na ampliação da proteção jurídica da Amazônia

Reconvenção como instrumento da tutela ambiental

Importante passo do TRF da 1ª Região na ampliação da proteção jurídica da Amazônia