Matheus Della Monica

Rodrigo Marchetti Ribeiro

A <a href="https://www.jota.info/justica/via-quatro-e-condenada-em-r-500-mil-e-proibida-a-coletar-dado-de-passageiros-11052023">8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo</a> (TJSP) manteve, neste mês, a determinação para que a concessionária da Linha 4 do Metrô de São Paulo, a ViaQuatro, se abstenha de coletar dados de passageiros, trazendo à luz, mais uma vez, o importante debate a respeito da proteção de dados pessoais. Diante do debate sobre a possibilidade jurídica de a concessionária utilizar câmeras de reconhecimento facial para fins publicitários, o Tribunal entendeu que a captação de imagens dos usuários do transporte público, ainda que sem a possibilidade de sua identificação, sem o seu prévio consentimento, constitui conduta reprovável do ponto de vista jurídico, caracterizando dano moral coletivo.  
Como já havíamos adiantado há cerca de três anos[1], a orientação jurisprudencial em diversos países (como Suécia e Reino Unido) vem se firmando no sentido de que, nos casos de uso de tecnologias de reconhecimento facial, é necessária a proporcionalidade do meio utilizado com o fim a que se destina, especialmente em situações em que o uso destas tecnologias se dá em face de uma coletividade, que, muitas vezes, sequer tem a oportunidade de consentir com o tratamento de seus dados pessoais. É dizer: ainda que o reconhecimento facial seja potencial violador de direito fundamentais, não é inviável que ele seja implementado de modo a não violar as legislações pertinentes. Além disso, é necessário relembrar que, mesmo quando há o consentimento, nas hipóteses de assimetria entre as partes, como nos casos das relações de trabalho ou de consumo, é necessária a proteção da parte mais fraca, pois, mesmo quando esta oferece o seu consentimento, ele não necessariamente é pleno. Dito de outro modo, o consentimento pode ser meramente formal, mas não substancial. É o que leva, por exemplo, à aplicação do princípio de in dubio pro operario na Justiça do Trabalho.  
No caso relativo à Via Quatro, em que há, evidentemente, uma parte mais vulnerável — ou seja, o usuário de serviço público e titular de dados pessoais — é relevante questionar quantas pessoas efetivamente se absteriam de oferecer seu consentimento se de fato estivessem plenamente cientes dos riscos decorrentes do tratamento de seus dados pessoais biométricos. É justamente por isso que a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece que, se não houver o consentimento do titular, o tratamento de dados pessoais só pode ser feito para fins absolutamente legítimos e indispensáveis dentro do escopo de prestação dos serviços públicos.  
Além disso, deve-se ter em conta que o objeto do contrato de concessão do caso em exame não exige a captação de dados pessoais sensíveis dos usuários. É certo que a concessionária pode auferir receitas com a venda do espaço de publicidade disponível nas estações, mas não é legítimo que estes ganhos ocorram em detrimento dos direitos dos usuários, ainda mais em se tratando de uma concessionária que já é remunerada pelo poder público (e, em última análise, pela coletividade) em razão dos serviços prestados e não depende desse tipo de publicidade para tornar a operação economicamente viável.  
Há alguns anos, já era perceptível que os problemas jurídicos decorrentes do uso do reconhecimento facial em espaços públicos – ou ao menos de livre circulação de pessoas – tendiam a multiplicar-se. É inegável que tal tecnologia pode trazer avanços em diversos campos, porém, é preciso que o ânimo dos gestores públicos e dos administrados diante do avanço tecnológico não ceda lugar a abusos e ilegalidades. Nesse sentido, é imprescindível que as diversas instâncias de controle da Administração Pública estejam atentas ao debate sobre a legalidade do emprego do reconhecimento facial em espaços públicos, do contrário caberá ao Judiciário impedir afrontas a direitos e garantias dos cidadãos.
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1 RIBEIRO, R. M.; MONICA, M. D. Reconhecimento facial e prova ilícita: a possibilidade de se considerar o reconhecimento facial como meio de prova ilícito. Revista de Direito e as Novas Tecnologias, v. 13, p. RR-11.1-RR-11.8, 2022.

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JOTA

Administração Pública deve estar atenta ao debate sobre o emprego do reconhecimento facial em espaços públicos

Decisão do TJSP no caso da Via Quatro: tecnologia e direito dos cidadãos

Já era perceptível que os problemas jurídicos decorrentes do uso do reconhecimento facial em espaços públicos tendiam a multiplicar-se