Paulo Victor de Carvalho Mendonça

Tatiane Nardotto Limp

Suzana Palma Campolina

No dia de 13 de abril, no julgamento de pedidos de extensão no Habeas Corpus coletivo 165.704, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou por unanimidade a designação de “audiência pública para acompanhamento e fiscalização do cumprimento desta ordem coletiva à luz do contexto do ECI do sistema penitenciário brasileiro”.
A indicada ordem coletiva, que ora será objeto de acompanhamento e fiscalização, foi inicialmente concedida em 2018 (no HC 143.641) e teve o seu alcance estendido em 2020 (no HC 165.704) para determinar, em suma, “a substituição da prisão cautelar dos pais e responsáveis por crianças menores e deficientes, desde que observadas algumas condicionantes”.  
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O contexto do estado de coisa inconstitucional (ECI), do sistema carcerário brasileiro, por sua vez, foi reconhecido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal após o julgamento da Medida Cautela na ADPF 347, no dia 09 de setembro de 2015, nos seguintes termos da ementa:
“Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”.
A audiência pública, portanto, foi designada para (i) acompanhar e fiscalizar o (des) cumprimento da ordem coletiva proferida em 2020 (ii) à luz do já reconhecido, em 2015, estado de coisas inconstitucional (ECI), do sistema prisional brasileiro.
As menções aos anos são propositais porque demostram um considerável espaço de tempo de quase seis anos entre o reconhecimento pelo Tribunal do ECI do sistema prisional (2015), ainda que em sede de cognição sumária (medida cautelar), e a designação da primeira audiência pública a respeito do tema (2021).
Em relação ao considerável espaço de tempo entre um ato e outro, surge o seguinte questionamento: além de reconhecer o ECI do sistema penitenciário brasileiro o Supremo Tribunal Federal precisava fazer algo mais além de deferir ou indeferir os pedidos vinculados na medida cautelar?
A resposta ao questionamento está na origem do estado de coisas inconstitucional (ECI).
O ECI tem origem na prática da jurisdição constitucional. A Corte Constitucional Colombiana, diante da análise de demandas de alta complexidade, reconheceu o estado de coisas inconstitucional de determinados situações vividas naquela sociedade em decorrência de graves e reiteradas falhas estruturais perpetradas pelo próprio Estado.
Nas palavras de Carlos Alexandre Azevedo Campos, autor do livro Estado de Coisas Inconstitucionais (2ª edição):
"Apontei que a omissão inconstitucional pode resultar da falta de coordenação estrutural entre lei e os modos de sua aplicação sob a forma de políticas públicas. Este último ponto particular de omissão estatal que implica violação massiva e continua de direitos fundamentais. Para proteger a dimensão objetiva desses direitos, a Corte Constitucional Colombiana acabou tomando medida extrema: reconhecer a vigência de um ECI. Trata-se de uma decisão que busca conduzir o Estado a observar a dignidade da pessoa humana e as garantias dos direitos fundamentais uma vez que esteja em curso graves violações a estes direitos por omissão dos poderes públicos". (fl. 102)
O caso mais ambicioso do ECI na Corte Colombiana envolveu o deslocamento forçado de pessoas em decorrência do contexto de violência na Colômbia, que foi objeto da Sentença T-024 de 2004.
Mas por que é considerado o caso mais ambicioso?
É o mais destacado porque foi classificado como a prática mais exitosa frente ao que a ideia do ECI se propõe: que é o destravamento institucional para o impulsionamento da política pública direcionada para suprir a falha estrutural generalizada.
Mais uma vez Carlos Alexandre Azevedo Campos:
"O grande diferencial deste caso, em comparação aos demais nos quais também se declarou ECI, foi o fato de a Corte ter retido jurisdição sobre o litígio para assegurar a implantação total de suas ordens. A Corte não se limitou a determinar que fossem promovidas políticas públicas dirigidas a remover a violação de direitos, mas também supervisionou o cumprimento da decisão, realizou audiências públicas para debater as soluções formuladas e proferiu novas decisões e ordens dirigidas a conferir amplo sucesso à Sentencia T-025, de 2004”. (fl. 149)
Nessa linha, o reconhecimento do ECI, por si só, não é suficiente e nem o esperado do Poder Judiciário frente a falha estrutural, generalizada e persistente do Estado no trato da política pública. Exige-mais.
É o quo expressamente restou reconhecido no acórdão da MC na ADF 347, da relatoria do ministro Marco Aurélio:
“apenas o Supremo revela‑se capaz, ante a situação descrita, de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. Isso é o que se aguarda deste Tribunal e não se pode exigir que se abstenha de intervir, em nome do princípio democrático, quando os canais políticos se apresentem obstruídos, sob pena de chegar‑se a um somatório de inércias injustificadas.”
Entretanto, como esse mais pode ocorrer se o poder do Poder do Judiciário limita-se tradicionalmente a julgar e não a implementar política pública?
Para “superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções” o Poder Judiciário não deve valer-se do verbo implementar, mas sim do verbo provocar.
E o verbo provocar transita bem quando o Tribunal convoca os demais Poderes e a sociedade civil interessada para debater o estado atual das coisas reconhecidas como inconstitucional.
E um meio próprio para isso é a designação de audiências públicas com objetivos estabelecidos, como mais uma vez destacado no acórdão da MC na ADPF 347:
"Esse é, enfim, o papel que deve desempenhar o tribunal em favor da superação do quadro de inconstitucionalidades do sistema prisional: retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das providências escolhidas, assegurando, assim, a efetividade prática das soluções propostas. Ordens flexíveis sob monitoramento previnem a supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração institucional cogitada pelo Min. Gilmar Mendes, formuladas que são no marco de um constitucionalismo cooperativo".
Mas esta “integração institucional” não aconteceu logo após o julgamento da medida cautelar na ADPF 347 no ano de 2015.  A primeira audiência, no “contexto do ECI do sistema penitenciário brasileiro”, foi designada apenas agora em 2021, seis anos após o Tribunal reconhecer a ECI do sistema prisional brasileiro.
Mas em que pese o lapso temporal, isso é um sinal de possível tentativa de destravamento da falha política pública sobre o sistema carcerário?
Eis os objetivos da audiência conforme despacho ministro Gilmar Mendes:
<ul>
<li>reposicionar o debate sobre a existência do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, diante do contexto atual de manutenção de altos níveis de encarceramento e de resistência ao cumprimento das decisões do STF;</li>
<li>analisar dados e informações específicos sobre essas questões e sobre o cumprimento da ordem coletiva proferida no HC 165.704; e</li>
<li>convocar os presidentes dos tribunais, as demais autoridades públicas e a sociedade civil para participarem do debate e apresentarem propostas ou evidências para o enfrentamento dessa situação em prazo razoável a ser estabelecido.</li>
</ul>
Considerando os objetivos que foram traçados para a audiência pública, em especial o de (i) “reposicionar o debate sobre a existência do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro” e o de (ii) “convocar os presidentes dos tribunais, as demais autoridades públicas e a sociedade civil para participarem do debate e apresentarem propostas”, é possível sim dizer que há uma possível tentativa de destravamento do debate a respeito do sistema carcerário brasileiro, ainda que tardio.
<hr />
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sistema prenitenciário

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Análise da (tardia) reação do Supremo Tribunal Federal

Reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário

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