Vanessa Rahal Canado

Este artigo é quarto da série “Direito e Contabilidade”, que iniciamos há quatro semanas no JOTA para tratar dos aspectos jurídicos e tributários da nova norma contábil para reconhecimento de receitas, o Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis n. 47 (CPC 47).
Tanto o Pronunciamento n. 30 como o 47 prescrevem que somente trocas entre bens de natureza e valor similares não geram receita. Permuta de bens não similares representam operações simultâneas de compra e venda e ensejam o reconhecimento de receita. Para objetivar a relação de similaridade, tanto o CPC 30 como o CPC 47 indicam as commodities como exemplos de bens com natureza e valores semelhantes. A permuta entre bens e serviços de publicidade era um exemplo mencionado no item 12 do Anexo do CPC 30, mas foi excluído pelo Item 5d do CPC 47. Essa intepretação da norma contábil – equiparação de operações de permuta a operações de compra e venda – que busca a essência econômica e não a forma da operação, tem um relevantíssimo efeito, especialmente no mercado imobiliário. A sua aplicação prática, que será vista nas demonstrações financeiras, tende a instabilizar o debate sobre a incidência de IRPJ e CSLL (lucro presumido), PIS e COFINS sobre as operações de permuta.
Apenas para lembrar: o CPC 30 já estava vigente quando da publicação da Lei nº 12.973, de 2014, e, portanto, deveria produzir os mesmos efeitos para fins contábeis e tributários, a teor do art. 58 desta lei. Esta conclusão  a priori imposta pelo marco regulatório da Lei nº 12.973 sempre deverá ser revista e confirmada sob a perspectiva da legislação vigente. Isso quer dizer que caso essa equiparação dos efeitos contábeis e tributários vá de encontro a outras normas (tributárias ou não), ela não poderá prevalecer.
De acordo com o art. 533 do Código Civil, aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda. As únicas diferenças em relação ao regime jurídico da permuta e da compra e venda, impostas pelo Código Civil, referem-se (i) às despesas com o contrato e (ii) a troca entre ascendentes e descendentes. Salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes deve arcar com metade das despesas com o instrumento da troca. Quando às trocas entre ascendentes e descendentes, será anulável quando os bens tiverem valores desiguais e não tiver sido previamente consentida pelos outros descendentes e pelo cônjuge do alienante.
Há um longo debate na história do direito civil para diferenciar ou equiparar a permuta às operações de compra e venda[1]. Embora sua regulação seja ínfima e remeta ao regime jurídico da compra e venda, na legislação codificada brasileira o contrato de troca ou permuta sempre recebeu um capítulo autônomo, ou seja, trata-se de contrato nominado[2]. Ficam então as perguntas: as disposições do Código Civil tornam as operações de permuta como simples operações simultâneas de compra e venda? A aplicação do regime jurídico das operações de compra e venda às operações de permuta faz com que essas últimas sejam indiferentes àquelas? 
A Secretaria da Receita Federal publicou, em 2014, o Parecer Normativo nº 9, respondendo afirmativamente a essas duas questões. Para ela, as operações de permuta de imóveis por empresas que exploram atividade imobiliária e apuram lucro presumido implicariam o reconhecimento de receita bruta, independentemente do recebimento de torna e do regime de reconhecimento de receitas (caixa ou competência), haja vista a equiparação desse tipo de operação a uma compra e venda.
Quanto à irrelevância do regime de reconhecimento de receitas (caixa ou competência), remetemos o leitor ao artigo Aspectos Tributários e Contábeis do Reconhecimento de Receitas nas Operações de Permuta, escrito em conjunto com os professores Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos, em que fazemos uma longa análise do tema e do Parecer Normativo[3]. Já quanto à equiparação, teceremos aqui alguns comentários.
O art. 221 do Código Comercial (Lei nº 556, de 1980), revogado pelo atual Código Civil, prescrevia que as trocas mercantis representavam duas operações concomitantes de venda, servindo as coisas trocadas como forma de preço. Pontes de Miranda criticou essa definição: “é falso que haja, no contrato de troca, dois contratos, ‘duas verdadeiras vendas’: só há a prestação de A e a contraprestação de B, sem que uma delas seja dinheiro. Sociologicamente, a compra-e-venda provém da troca, e não vice-versa: é a troca de propriedade ou de posse de algum bem pela propriedade ou pela posse de outro, que acontece na compra-e-venda”. Segundo ele, essa alusão do Código Comercial parte do equivocado pressuposto que “sempre, nas trocas mercantis, que se deu preço a cada bem e assim mais se trocaram valores que coisas”[4]. Agostinho Alvim também defende que todas as coisas que podem ser vendidas também podem ser trocadas, mas “a troca consiste em dar uma coisa a trôco de outra: rem pro re, em lugar de rem pro pretio, que seria a venda”[5] .
Além da moeda como elemento prevalente ou não, há diferenças relevantes entre os dois negócios jurídicos: forma de adimplemento e consequências do inadimplemento. Na compra e venda existem obrigações distintas – pagamento do preço e entrega da coisa, enquanto na permuta ambos têm obrigação de entregar o bem. Se houver descumprimento ou nulidade do contrato de permuta, ele se resolve pela devolução mútua dos bens.
Embora se possa distinguir os contratos de compra e venda dos contratos de permuta, situações concretas podem nos levar a questionar a forma em vista da substância. Em outros termos, pode-se questionar se um contrato de permuta o é na forma e na substância ou se, em sua essência, trata-se de contrato de compra e venda (assim como faz a contabilidade, mais objetivamente no CPC 30 e no CPC 47). 
Há elementos objetivos (forma de cumprimento da obrigação, efeitos da nulidade do contrato, além do valor da torna quando o caso), além do critério volitivo, que diferenciam um negócio do outro. A priori, portanto, está resguardada pelo direito à autonomia dos contratos de permuta, independentemente de os bens terem natureza e valor diferentes. Contudo, é fato que pode haver desconsideração da permuta e equiparação à compra e venda a partir da verificação de elementos que denotem natureza diversa, o que gerará um contencioso bem ao estilo dos planejamentos tributários. Vamos esperar para ver.
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[1] Conforme DIAZ, Pelayo de la Rosa. La Permuta (desde Roma al Derecho español actual). Madrid: Editorial Montecorvo S.A., 1976, p. 17-18. 
[2] Para AGOSTINHO ALVIM, os contratos passam a ser nominados quando o Código Civil dispõe sobre eles em capítulo específico, com denominação própria. Isso faz com que a eles se apliquem tanto as regras atinentes aos contratos em geral como as regras específicas trazidas no capítulo próprio. Da Compra e Venda e da Troca. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 11-13. 
[3] A ser publicado na Revista de Interesse Público n. 102. 
[4] Tratado de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, tomo 39, p. 462. 
[5] Op. cit., p. 271-272.

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JOTA

O quarto artigo da série Direito e Contabilidade sobre impactos tributários

Reconhecimento de receitas nas operações de permuta

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