Juliana Maggi Lima

Neste ano, achamos por bem desejar apenas bom 2021, sem o tradicional "boas festas", nas mensagens de fim de ano que escrevemos a todos do escritório, alguns colaboradores e parte dos parceiros que são nossos braços em outras áreas.
Cada mensagem foi escrita com todo carinho e cuidado para respeitarmos a dor daqueles que perderam pessoas e a dor de todos nós que vimos o conceito de humanidade ser posto à prova. E falhar.
Mas chega uma hora que até mesmo 2020 tem recesso. No meu caso, o tão esperado recesso forense. Sei que é muito difícil para parte dos colegas advogados admitir como é necessário e sonhado esse período sem o estresse agudamente constante do resto do ano.
Eu, geralmente, gosto de ler coisas bem leves ou (auto)biografias. Até porque quem passou um ano "resolvendo pepino" das pessoas precisa rir. Livros como A Saideira, da Barbara Gancia, a autobiografia da Rita Lee ou, uma vida ainda mais fora do padrão, como a do Willlam Finnegan, relatada por ele mesmo em Dias Bárbaros, que lhe rendeu um <a href="https://www.pulitzer.org/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Pulitzer</a>.
Decidi que os dias "de festas" que vou passar em isolamento total e as tão sonhadas férias serão dedicadas a releituras. Para ressignificar 2020. Ensaio sobre a Cegueira; Porcarias; Cem Anos de Solidão; A Metamorfose; O Estrangeiro; No Seu Pescoço (e talvez mais algum da Chimamanda); Persépolis e A Era dos Extremos.
Mas, para comemorar o recesso, fiz um bailão com a TV no primeiro fim de semana de liberdade e assisti ao filme mais lindo do mundo (geralmente falo isso quando chorei muito – o que é raro). Foi impossível ver Uncle Frank e não pensar em mim e em tantas pessoas com certa tristeza.
E, na sequência, devorei Hunters. Uma série com o Al Pacino, de muita ação, pancadaria, conteúdo e reflexão.
O que mais me impressionou na série é que fica evidente que nazista não é apenas uma pessoa que discorda de você. É alguém que despreza o conceito de que todas as pessoas do mundo nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente uns para com os outros.
Além das atuações incríveis, das cenas de ação dignas de Tarantino e da trama envolvente, a série tem grandes diálogos que me fizeram refletir sobre valores. De forma parecida, mas mais sutil, com o livro Justiça, de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/michael-sandel">Michael Sandel</a>. Difícil dizer qual é a melhor passagem, e há muito material.
As conversas entre a detetive Millie e o Jonah, como: “But there is a right way and a wrong way to get justice” (“Mas existe um caminho certo e um caminho errado para conseguir justiça”), e os papos entre o clássico Al Pacino (que me cativou desde Perfume de Mulher, na década de 1990), com seu personagem Meyers e o próprio Jonah, em que o primeiro tenta convencer o segundo de que seus métodos são válidos e, mais, necessários: “In this country Lady Justice may be blind to all, but to many of us, she is also deaf” (“Neste país, a Justiça pode ser cega para todos, mas para muitos de nós ela é surda também”).
E entendi, com a série, que não se tira férias enquanto está sendo travada uma luta pela vida.
Ainda tem trilha do álbum Tim Maia Racional, de 1976. No Caminho do Bem. Às vezes eu penso o que Elis, Tim Maia, Cazuza e Renato Russo estariam dizendo deste mundo.
Depois de ver Hunters, eu entendo melhor porque sinto tanto medo quando uso na rua o boné que meu amigo Diego, de BH, me deu. Ele é vermelho com o seguinte escrito: Make Fascists Afraid Again (Faça os fascistas terem medo de novo).
Ah, Feliz Ano Velho a todas e todos. Tomei a liberdade de emprestar o título do livro da história do Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado federal Rubens Paiva, morto pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ditadura">Ditadura Militar</a>, em 1971. Porque ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

recesso 2020

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JOTA

Temos de ressignificar este ano para que possamos evoluir no próximo

O recesso de 2020 e a toada de 2021

Neste recesso forense, trocarei as "boas festas" por momentos de reflexão para tentar construir um 2021 melhor. Por Juliana Maggi Lima