Roberto D. Taufick

Não existe novidade na percepção de que a condenação de empreiteiras pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lava-jato">Operação Lava Jato</a> (OLJ) foi muito mal administrada pelo Estado contratante. Talvez porque a OLJ avançou na punição de políticos e criou uma enorme insegurança para o servidor público que temia uma condenação segundo a Lei de Improbidade, talvez porque o seguro step-in (do qual se falará adiante) não fosse uma realidade contratual administrativa naqueles anos, fato é que a OLJ carrega a sombra de uma infinidade de obras inacabadas e embargadas.
Muito se tem dito desde então acerca da necessidade de desvincular a punição do empresário da punição da empresa, ou de viabilizar que a empresa responsabilizada possa realizar o pagamento das multas previstas em lei por via alternativa, preferencialmente por meio da realização de obras públicas. Apesar do louvável esforço para dar uma solução prática para o problema de real abandono de obras públicas e, não raramente, da falta de ofertantes experientes em uma economia tão fechada, pouco se fala dos ajustes tão necessários para que essas ideias possam ser levadas a cabo. O objetivo deste artigo é pinçar três possíveis problemas à proposta encampada pelos novos mandatários da Justiça e da Controladoria Geral da União e apresentar possíveis formas de superar esses empecilhos.
A primeira ressalva que se deve ter em mente é que a percepção de que o controlador deva ser punido e a empresa, poupada, só faz sentido para empresas familiares, de capital fechado, ou abertas com controlador quase totalitário. Sempre que o desenho societário confira aos acionistas minoritários a capacidade de, na prática, fiscalizar, cobrar e trocar o administrador, a limitação da punição ao controlador cria incentivos para um absenteísmo pernicioso. Naturalmente, caso esse poder esteja circunscrito a um corpo bem delimitado de representantes dos minoritários, será mais eficiente e justo limitar a punição a quem, de fato, tinha a obrigação e as condições práticas de fiscalizar, mantendo o restante da empresa intacta.
Essa ressalva encontra agravante quando as empresas condenadas só tenham alcançado posição de liderança no mercado em função da atividade ilícita pela qual foi punida. Ao limitar a punição ao controlador, evidencia-se um caso claro de risco moral no qual vale a pena para um minoritário (com um mínimo poder de influência relevante) abster-se de impedir comportamento irregular do controlador em função da certeza de que eventual punição não o afetará.
Essa ressalva só deixa de ser válida em situação na qual as referidas empresas tenham, inclusive por razões reputacionais, sido punidas como decorrência do ilícito. No caso da OLJ, as empresas chegaram a ser declaradas inidôneas, sendo, assim, proibidas de contratar com a Administração pública. Para essas empresas, é possível entender que a primeira ressalva esteja superada.
Diferente é a situação da nossa segunda ressalva, que decorre de condições segundo as quais a conversão de multas em obras criaria um prêmio para a empresa punida. Para esses casos, o pagamento da dívida na forma alternativa deve limitar-se à execução da obra e não deve, em caso algum, casar-se com a celebração de contratos autônomos remunerados, como a manutenção de estradas mediante a cobrança de pedágio.
Em outras palavras, o acerto deve servir para viabilizar uma alternativa eficiente de substituição do pagamento em dinheiro pela prestação de serviço em espécie. Para a prestação de serviço de manutenção mediante a cobrança de pedágio – portanto, com o recebimento de uma margem de lucro -, urge que seja realizado novo processo competitivo.
É recomendável, ainda, que à empresa que execute a obra seja defeso participar no certame para a concessão da manutenção e administração da estrada. Por duas razões: primeiro, caso a realização da obra lhe confira vantagem competitiva relevante em relação aos potenciais competidores. Segundo, porque seriam elevadas as chances de novo risco moral: uma vez vencedora, a empreiteira poderia negociar reajustes no valor do pedágio com o objetivo de repassar para os consumidores o custo da obra que custeou como punição da OLJ.
Cumpridas essas condições, o arranjo pode gerar um efeito virtuoso. Um dos benefícios esperados desse arranjo é um pedágio que, desde o princípio, seja cobrado a valores módicos, haja vista o descasamento entre a realização da obra (arcada pela empreiteira punida) e a sua permanente manutenção (arcada, mediante remuneração, pela concessionária vencedora do certame). Outro benefício decorre de os usuários que usufruírem dos descontos do pedágio poderem, assim, sentir diretamente no bolso o efeito da punição da OLJ.
Finalmente, a terceira ressalva atenta-se ao fato de que é possível, para casos congêneres, dar continuidade às obras inacabadas recorrendo ao seguro step-in. Esse seguro é uma garantia de que a seguradora contratará terceiros para dar continuidade à execução da obra, na impossibilidade de a execução ser realizada pela vencedora da licitação. Quanto menor o percentual de conclusão da obra, maior o prêmio. Dessa forma, a solução de troca da multa por obra só faz sentido para contratos celebrados sem essa garantia. Esse, aliás, é o caso dos contratos objeto da OLJ.
Outro ponto relevante é que não há nenhuma obrigatoriedade de vincular o pagamento alternativo da multa da OLJ ao término das obras inacabadas – inclusive por critérios de conveniência e oportunidade, já que parte das obras já se encontra em tal estado de deterioração que não seria mais possível aproveitar aquilo que já foi feito. Nesses casos, tampouco se aplica a terceira ressalva.
Em uma breve análise, pudemos, assim, verificar que a proposta de alteração, ou de interpretação da Lei Anticorrupção para comportar o pagamento das dívidas por punições decorrentes da OLJ na forma de obras públicas encontra, no contexto atual, poucas, mas importantes cautelas a serem observadas. Basicamente, o processo de substituição da pena não deve, em momento algum, transformar-se em instrumento para a remuneração casada da empresa condenada por um serviço autônomo, como a conservação de estradas mediante pedágio. Para o serviço autônomo, recomenda-se concessão mediante processo competitivo que exclua a participação da construtora responsável pela obra pública cuja manutenção será licitada.
**Agradeço os comentários e as sugestões de Marcelo de Matos Ramos. Quaisquer erros, ou imprecisões são do próprio autor.

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JOTA

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