Bruno Marcelos

No último dia 8 de julho, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em reunião da diretoria colegiada, informou que o reajuste para os contratos de planos de saúde nas modalidades individual e grupo familiar terão índice de reajuste negativo.
Imediatamente, começaram os questionamentos sobre a regularidade e efeitos do anúncio histórico, fato este que atraiu a necessária reflexão sobre as consequências deste fato.
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Avaliando a questão sob o ponto de vista social, não nos parece haver dúvidas de que os beneficiários estão satisfeitos com a medida, que em verdade, representará na sua maioria, a eliminação da recomposição do reajuste que foi suspenso em 2020, e que vem sendo pago ao longo de 2021.
Do ponto de vista do mutualismo, da gestão de risco e atuarial, estamos diante de um ano de exceção. E, isto porque, no primeiro momento da pandemia, a ANS editou norma determinando a suspensão dos prazos de autorização dos procedimentos eletivos, a fim de disponibilizar leitos de internação aos pacientes acometidos pela COVID-19, o que adiou diversos procedimentos eletivos previstos.
Ato contínuo, foi flexibilizada a suspensão destes prazos, o que possibilitou em parte a retomada dos procedimentos eletivos. De toda forma, neste período, as operadoras de plano de saúde tiveram reduzido o quantitativo de procedimentos, reduzindo o sinistro, e por consequência, o dispêndio financeiro com atendimento médico.
No fim de 2020 com a retomada dos procedimentos eletivos, imediatamente, houve a recomposição do sinistro, com expressiva elevação dos atendimentos, que se desdobraram em 2021, uma vez que continuam que este tipo de internação continua acontecendo.
Os indicadores da ANS registram que o índice de sinistralidade do primeiro trimestre de 2021 já superou a marca de 2020, período ainda pré-pandemia.
<blockquote class="jota-article__eye">Diante deste cenário, estamos vivendo a real possibilidade de verdadeiro “efeito rebote”, ou seja, o cálculo de reajuste para 2022 será elevado a tal maneira que reverterá a redução provocada.</blockquote>
E isto porque, apesar da ANS se pautar pela metodologia de cálculo prevista na RN ANS 441/18, estamos diante de período de exceção, com variação imprevisível do custo assistencial, o que potencializa o risco contratual.
Tratando da questão por este viés, passamos a enfrentar as questões de ordem jurídica. Estamos diante de um contrato privado, regulado tanto no direito privado, quanto no direito administrativo.
Avaliando a questão pelo direito privado, na ponderação entre princípios informadores do direito consumidor, identificamos risco aos beneficiários com o reajuste na forma como foi proposto. E isto porque, a conjugação dos princípios da transparência, função social do contrato e adequação, propugnam que o contrato de plano de saúde goze de previsibilidade, com minoração dos riscos inerentes ao mesmo.
Considerar o cálculo utilizado, deixando de lado o potencial risco ao mercado consumidor, viola a base objetiva do contrato, deixando o consumidor/beneficiário em absoluta desvantagem quando do cálculo do reajuste em 2022, considerando que obrigatoriamente se utilizará a mesma metodologia já fixada pela ANS.
No que toca a própria metodologia e, por conseguinte, ao direito administrativo, apesar de não estar em discussão nestas linhas o método, evidentemente, a ANS deixou de considerar a excepcionalidade do ano passado, a ser utilizada como variante na aplicação do cálculo.
A toda evidência, que a ANS se pautou pelo princípio da legalidade, considerando que não caberia a ela produzir resultado diversos, em vista da norma regulatória criada por ela própria.
No entanto, ao atuar considerando apenas a legalidade, deixa de considerar outros princípios (de direito do consumidor por exemplo) e ainda age em desacordo com o princípio da juridicidade.
Caberia ao órgão regulador considerar que o contrato privado de plano de saúde, tem entre suas características ser de natureza aleatória, portanto, que se especializa na ocorrência do sinistro.
Apesar da ANS e das definições tentarem afastar a saúde suplementar do conceito securitário (próprio desta modalidade de contrato), certo é que este elemento do contrato é indissociável, uma vez que pertence a própria natureza da cobertura contratual.
Neste aspecto, necessário que outros elementos estejam previstos, a fim de assegurar a previsibilidade, bem como a segurança jurídica e contratual necessárias ao equilíbrio do contrato.
Portanto, no embate entre princípios informadores do direito administrativo (legalidade x juridicidade) nos parece claro que a adoção da legalidade estrita pela ANS, desconsiderando a excepcionalidade do ano de 2020 e os indicadores já existentes, importam em verdadeira violação aos estatutos contratuais, aos princípios informadores do direito consumidor e administrativo.
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