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Direito Previdenciário

Reafirmação da DER em juízo: avanço ou retrocesso?

A depender do caso, é bem mais eficiente decidir acerca de fatos supervenientes em processo administrativo ou judicial posterior

André Dias Fernandes
09/11/2020|17:51
Atualizado em 10/11/2020 às 16:01
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Crédito: Flickr/STJ

Tema ainda novo no direito processual previdenciário, a reafirmação da DER (data de entrada do requerimento) na via judicial continua gerando polêmica e dúvidas, mesmo após o julgamento de recurso repetitivo pelo STJ e de vários embargos de declaração ao acórdão em que foi fixada a Tese (Tema 995/STJ).

A própria expressão “reafirmação da DER” não reflete com precisão a natureza do instituto. Originalmente, a expressão empregada na Instrução Normativa INSS nº 20 de 10.10.2007 era “reafirmação do requerimento”, substituída em atos normativos subsequentes por “reafirmação da DER” (v.g., Instrução Normativa nº 45/2010, art. 623, e Instrução Normativa nº 77/2015, art. 690).

Em verdade, a reafirmação da DER não consiste na confirmação ou ratificação da DER, mas, ao revés, no deslocamento ficto da DER para momento posterior, em que o segurado preenche todos os requisitos necessários para fazer jus ao benefício, dispensando-o de formular novo requerimento administrativo.

Assim, se o segurado não cumpria ainda no momento da DER todos os requisitos para obter o benefício previdenciário, mas continuou trabalhando, vertendo contribuições, etc., e antes da decisão administrativa se verificar que ele satisfez todos os requisitos durante a tramitação do processo administrativo, o benefício deverá ser concedido a partir da data de cumprimento desses requisitos, data esta que passará a ser considerada como se fosse a DER, sem necessidade de protocolo de novo requerimento administrativo. Portanto, essa DER fictícia corresponderá à data de início do benefício (DIB).

A reafirmação da DER no âmbito administrativo é medida salutar de celeridade, economia processual e de justiça, pois o segurado não corre o risco de perder dias ou meses de benefício ao formular novo requerimento administrativo em data posterior àquela em que preencheu os requisitos do benefício.

Até porque já disciplinada há anos (ainda que apenas em atos infralegais), a reafirmação da DER na via administrativa já não desperta controvérsias relevantes, diferentemente do que sucede com a reafirmação judicial da DER, que se tem revelado mais problemática.

Ao julgar o Tema 995, o STJ fundamentou a reafirmação judicial da DER nos arts. 493 e 933 do CPC/2015, que tratam de fatos supervenientes ao ajuizamento da ação. Eis o teor da tese firmada:

“É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.”

No voto do relator, min. Mauro Campbell, também se invoca a “teoria do acertamento” da relação jurídica previdenciária, defendida por José Antonio Savaris.

No entanto, esta teoria não foi acolhida na sua integralidade, pois o STJ rejeitou expressamente a possibilidade de reafirmação judicial da DER quando o preenchimento dos requisitos para percepção do benefício ocorre antes da propositura da ação judicial, uma vez que os arts. 493 e 933 do CPC/2015 cuidam tão somente da hipótese em que o fato é superveniente à propositura da ação.

Já a “teoria do acertamento” propugnada por Savaris abrange também os fatos anteriores à propositura da ação, não se limitando ao disposto no art. 493 do CPC/2015.[1] Ao julgar embargos de declaração do IBDP, esclareceu o STJ que não há falar em pagamento de parcelas anteriores ao ajuizamento da ação justamente porque a reafirmação judicial da DER só é viável quando os requisitos são satisfeitos no curso da ação: “Se preenchidos os requisitos antes do ajuizamento da ação, não ocorrerá a reafirmação da DER, fenômeno que instrumentaliza o processo previdenciário de modo a garantir sua duração razoável, tratando-se de prestação jurisdicional de natureza fundamental.”[2]

De outra parte, da tese firmada pelo STJ no Tema 995 não constou um ponto bastante relevante, referido no voto do relator, que merecia ter sido incluído na tese para espancar dúvidas e reduzir, no nascedouro, muitos recursos. Consoante o min. relator, a reafirmação da DER em juízo pressupõe a inexistência de controvérsia sobre o fato superveniente:

“Importante dizer que o fato superveniente não deve demandar instrução probatória complexa, deve ser comprovado de plano sob o crivo do contraditório, não deve apresentar contraponto ao seu reconhecimento. Assim, os fatos ocorridos no curso do processo podem criar ou ampliar o direito requerido, sempre atrelados à causa de pedir. O fato alegado e comprovado pelo autor da ação eaceito pelo INSS, sob o crivo do contraditório, pode ser conhecido nos dois graus de jurisdição.” (REsp 1727063/SP, rel. min. MAURO CAMPBELL, 1ª SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 02/12/2019) (Grifou-se.)

Pelo que se depreende desse excerto, a comprovação do fato superveniente deve ser documental (“comprovado de plano”), não se admitindo produção de prova pericial ou testemunhal que tenha por única finalidade a comprovação de suposto fato superveniente.[3]

Assim, admite-se a juntada de cópia da CTPS, de extratos do CNIS, de PPPs, de LTCATs, etc., para comprovação de fato superveniente, sendo defesa, porém, a anulação de sentença e/ou acórdão para produção de prova pericial ou testemunhal.

Acerca do momento processual oportuno, o STJ restringiu a reafirmação da DER às instâncias ordinárias (“no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015”).

Esclareceu ainda, em embargos de declaração, que é possível a conversão do julgamento de apelação em diligência para produção de prova sobre o fato superveniente.[4] À luz do exposto acima, afigura-se-nos que esta prova deve ser meramente documental.

Em 2017, no julgamento do IAC nº 4, o TRF-4ª Região estabelecera como limite temporal para reafirmação da DER a data do julgamento da apelação ou remessa necessária no segundo grau de jurisdição.

A limitação da reafirmação da DER às instâncias ordinárias está em sintonia com o entendimento do STF e do STJ de inaplicabilidade do art. 462 do CPC/73 e dos arts. 493 e 933 do CPC/2015 ao julgamento de RE e de REsp,[5] visto que tais dispositivos legais não podem sobrepor-se à exigência constitucional de prequestionamento.

Ademais, se o fato ensejador da reafirmação da DER não foi ventilado no acórdão por ser sobreveniente a este, também não seria cabível pedido de uniformização para a TNU, já que, nos termos da Questão de Ordem nº 35 da TNU, “o conhecimento do pedido de uniformização pressupõe a efetiva apreciação do direito material controvertido por parte da Turma de que emanou o acórdão impugnado”.

Portanto, fatos supervenientes ao acórdão proferido em 2ª instância não podem ser invocados como fundamento para anulá-lo, nem para reabrir instrução na instância inferior, assim como os fatos supervenientes anteriores ao acórdão, mas não comprovados nos autos até o julgamento.

Com efeito, para atender o princípio constitucional da razoável duração, o processo deve ser um caminhar para a frente, e não um caminhar para trás, mediante reabertura de fases processuais já vencidas legitimamente, à luz do direito vigorante à época.

O suposto ganho de tempo com a desnecessidade de ajuizamento de nova ação é ilusório se houver necessidade de refazimento de atos processuais lidimamente realizados à sombra do direito vigente no momento de sua prática.

É bem mais eficiente decidir acerca desses fatos supervenientes em processo administrativo ou judicial posterior. Como os recursos humanos e temporais são finitos, o tempo e o trabalho despendidos em processos sujeitos a inúmeros retrocessos sacrificariam o tempo e as energias dedicados a outros processos, ainda que mais bem instruídos e mais urgentes, de modo que os custos de oportunidade (opportunity costs) seriam altos demais.

 


O episódio 42 do podcast Sem Precedentes analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:


[1] “No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 462 do CPC [correspondente ao art. 493 do CPC/2015], pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. Por outro lado, é menor o alcance dessa norma processual civil, pois faz referência a fatos supervenientes à propositura da ação – e não a fatos supervenientes ao encerramento da tutela administrativa (momento anterior).” (SAVARIS, José Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 46, fev. 2012. Disponível em: <https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao046/jose_savaris.html>. Acesso em: 01 de outubro de  2020.

[2] “[...] 2. A assertiva de que não são devidas parcelas anteriores ao ajuizamento da ação reforça o entendimento firmado de que o termo inicial para pagamento do benefício corresponde ao momento processual em que reconhecidos os requisitos do benefício; não há quinquênio anterior a ser pago. Se preenchidos os requisitos antes do ajuizamento da ação, não ocorrerá a reafirmação da DER, fenômeno que instrumentaliza o processo previdenciário de modo a garantir sua duração razoável, tratando-se de prestação jurisdicional de natureza fundamental. [...]” (EDcl nos EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, 1ª SEÇÃO, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020)

[3] Todavia, o autor, na maioria das vezes, argui ilegalidade do indeferimento administrativo e, à luz da teoria da asserção, o juiz de 1º grau não tem como indeferir a inicial e extinguir o feito sem resolução de mérito sem proceder à instrução. Após a realização de perícia e/ou audiência é que o juiz tem elementos para verificar que o indeferimento foi correto, mas que o autor satisfez as condições no curso do processo judicial. Em tais casos, seria irrazoável e desproporcional desprezar a prova pericial e/ou testemunhal já produzida destinada a comprovar a (infundada) versão alegada na petição inicial, mas que terminou comprovando a ocorrência de fato superveniente ensejador da reafirmação da DER. Em casos quejandos, a comprovação do fato superveniente dar-se-á mediante prova testemunhal ou pericial, mas no momento processual adequado, sem desfazimento de atos processuais válidos e sem reabertura de instrução.

[4] EDcl no REsp 1727064/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, 1ª SEÇÃO, julgado em 19/05/2020, DJe 21/05/2020.

[5] RE 628138 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, 1ª Turma, julgado em 16/12/2016, DJe-027 10-02-2017.logo-jota