Amarílis Costa

Sou Amarílis Costa, advogada, professora de Direito e Gestão Pública, presidenta da Comissão de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa da OAB-SP.
Egressa de Graduação em Universidade Particular na qualidade de bolsista, mestra pela FFLCH-USP.
Minhas pesquisas são voltadas para a área de concentração dos Direitos Humanos, especificamente raça e gênero.
Na noite da última terça-feira, 24 de novembro, fui convidada como professora externa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para, junto com o professor Vinicius Conceição Silva, participar de uma atividade acadêmica coordenada pelos professores Carlos Alberto de Salles e Susana Henriques da Costa.
A sala virtual onde ocorria a aula foi invadida em um ataque cibernético coordenado. Logo no início da minha fala, durante o webinar “Acesso à Justiça e Racismo Estrutural”, aberto ao público, alguns ingressantes começaram a inserir sons e imagens agressivas, cenas pornográficas, referências hitleristas e nazistas fazendo impossível a continuidade do evento. A atividade foi interrompida e retomada minutos depois em outra sala virtual.
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O tempo decorrido do ataque cibernético até a escrita deste ensaio serviu para elaborar os pensamentos acerca do ocorrido. A Universidade de São Paulo forma as elites, dita comportamentos, estrutura as pautas das discussões políticas nos espaços de poder.
O encontro refletiu sobre a dinâmica da formação social do Brasil e o anseio de manutenção de privilégios das classes mais abastadas. Foi histórico porque centralizou os debates no âmago do problema que está posto.
O debate da questão racial não recuará. Este tipo de ataque ocorre justamente pela importância da reflexão, nos últimos tempos, ser amplamente reconhecida. Principalmente por instituições e seus gestores.
O rápido posicionamento da Universidade, o acionamento das autoridades competentes para investigação e processamento dos fatos e o apoio de estudantes e professores para as vítimas demonstram que novos tempos chegaram à Universidade de São Paulo.
<blockquote class="jota-article__eye">Na existência das pessoas pretas, o sinal de normalidade é descobrir mais um recurso de resistência, dentre tantos que possuímos, impregnados nas mais profundas camadas de nossa formação psicológica.</blockquote>
É claro que muitos de nós sucumbimos, não conseguimos mais agir ou reagir, diante das violências experimentadas. Vivemos uma situação muito grave e violenta. A constante tentativa de silenciar, calar e humilhar cada uma de nós.
Sofrer um ataque à dignidade durante a participação em um evento virtual, ambientado pela Universidade de São Paulo em que se propunham discussões e reflexões sobre o Acesso à Justiça e o Racismo Estrutural, demonstra a urgência e a necessidade de que a instituição assuma seu papel de liderança e convoque a sociedade, bem como, outras instituições para fortalecer a base de resistência.
A dimensão simbólica desse ataque não pode ser desprezada, nem esquecida. Deve ser argumento gerador de uma onda de ações, capazes de intimidar ação criminosa que foge da ideia de construir uma sociedade que garanta o acesso à Justiça para qualquer cidadão.
Em particular, essa demonstração e irascibilidade tem um foco definido. É sem sombra de dúvidas uma das ações geradas pela ideologia política, econômica e social do racismo. Nesse caso, entretanto, apesar da covardia, da ação anônima, desferida contra vítima de forma inesperada, percebe-se o contorno humano, a persona ignóbil gerando interferências, provocando o desconforto, como forma de garantir a continuidade do status quo.
Este ato de violência simboliza um ataque às subjetividades e um acinte às pessoas negras que ousam estar neste espaço.
<blockquote class="jota-article__eye">O ataque sinaliza que o ódio nunca esteve tão vivo e que há um plano de violência em curso. A mensagem deixada pelos violadores é de incômodo pelo simples fato de existirmos.</blockquote>
A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo é um espaço de poder, formou boa parte das ministras e ministros do STF, STJ e das grandes bancas de advocacia do país. Ser professora convidada deste espaço é significativo. Já participei de outras atividades na SanFran, todas a convite de pessoas negras e com maioria de espectadores negres. Quando chamada por pessoas brancas, para refletir no âmbito do direito processual e para uma plateia de maioria branca, o ataque cibernético ocorre.
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<li><a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/serie-voz" target="_blank" rel="noopener noreferrer">+JOTA: Tudo sobre a Série Voz</a></li>
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Talvez a dinâmica da violência ocorra muito mais em razão de quais são os ouvidos que escutam, do que em relação às bocas que falam. Falamos diariamente em alguns espaços que as violências se expressam na modalidade direta.
Falar aberta e seriamente sobre as questões raciais no espaço da Universidade de São Paulo é estar mais próximo de um novo projeto de sociedade é refletir o pacto social que está posto.
Há uma forte atuação de pessoas negras no espaço da Faculdade de Direito do Largo São Francisco para estabelecimento de debates acerca das questões raciais. O coletivo Quilomboxê, a atual gestão do Centro Acadêmico XI de Agosto e a carreira irretocável da professora doutora Eunice Prudente são centrais para que atividades como a ocorrida se tornassem uma realidade naquele espaço.
Ser mulher negra complexifica a dimensão da violência. A violência era de cunho nazista e misógino. Versava sobre ataque racial, estupro e violência contra mulheres.
Neste JOTA, Winnie Bueno, no texto <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/uma-perspectiva-feminista-negra-para-os-direitos-humanos-05082020">“Uma perspectiva feminista negra para os direitos humanos Perspectiva de enegrecimento do Direito pela atuação de mulheres negras desloca gramáticas estabelecidas” </a>publicado em 05 de agosto de 2020 apresenta as reflexões de Stuart Hall e Jurema Werneck, absolutamente adequadas, vejamos:
"Considerando que o racismo e o sexismo são fatores sociais que impedem ou dificultam o acesso aos direitos humanos, é fundamental compreender os mecanismos de hierarquização racial e de gênero que estão empreendidos na construção do campo teórico dos Direitos Humanos, principalmente a partir do que Stuart Hall denomina como “economia sexual específica” (HALL, 2003, p.347), a qual na visão de Jurema Werneck manifesta-se no “menor acesso das mulheres negras ao ambiente público na condição protagonistas de narrativas capazes de expressar singularidades e semelhanças em relação aos demais grupos constitutivos das sociedades ocidentais, a partir de seus pontos de vista.” (WERNECK, 2007, p.18). (Grifos nossos)
Reuniremos todas as forças físicas e psicológicas de rexistència. Somos sementes. O Direito é um espaço inóspito para mulheres negras, as dificuldades são reais e palpáveis. Tudo que que se refere à formação do Estado e a articulação das leis e do ordenamento jurídico afeta diretamente o bem viver de mulheres negras. Estar nos espaços da Universidade e do Judiciário representa a ruptura de um paradigma de silenciamento e expurgo de corpos.
É preciso valorizar juristas negras, o Direito que nasce da produção intelectual de  mulheres negras, assim como sua existência, é naturalmente decolonial, antirracista e rompe com o heteropatriarcado.
Demanda o reconhecimento do projeto de Estado que moldou estruturas Antinegro, pressupõe uma dinâmica de reparação histórica e uma repactuação do que se entende por projeto de sociedade.
Compreender o Racismo Estrutural através da reflexão de uma mulher negra representa aprofundar olhares em relação ao cerne da problemática social do país e de boa parte do mundo ocidental.
Pouco a pouco nos movemos e assim mudamos o mundo, pouco a pouco ingressamos nos espaços que historicamente nos foram negados, e permaneceremos.
Por óbvio, o tratamento desrespeitoso atingiu a mim e ao professor Vinícius Conceição Silva, que trazia argumentos valiosos para as reflexões sobre o tema. Mais que nunca, seguimos irmanados.
Desejo que docentes negras não sejam apenas convidadas de atividades pontuais, que sejamos parte atuante e fundamental da construção da produção científica e acadêmica da Universidade. Tanto nos espaços Docentes, quanto no corpo discente, e que a permanência neste ambiente seja segura e que haja tolerância zero a todo e qualquer tipo de violação e opressão de corpos, identidades e existências.
Meu recado: a pauta e as discussões acerca do racismo no Brasil não vão recuar. Não existe silêncio, açoite, hackeamento, ou opressão que suprima um trabalho e um esforço secular. Seremos, estaremos e permaneceremos disputando narrativa, produzindo e atuando tecnicamente.
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JOTA inaugurou "Voz", uma série de artigos com juristas renomados dedicada a discutir questões relacionadas à raça e o direito. O pontapé inicial foi dado com o webinar "Voz: debate sobre direito e raça". Ouça:
https://youtu.be/KcZxQanonT0

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JOTA

Um ensaio sobre violência simbólica e ruptura das dinâmicas dos espaços de poder

Racismo e as estruturas

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