Julio César Moreira Barboza

A decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), concedendo liminar de soltura do ex-presidente Lula trouxe à tona, mais uma vez, o tema da politização do Judiciário. Desde a suspensão da nomeação também de Lula como Ministro da Casa Civil em março de 2016 por Gilmar Mendes, o debate aparece, volta ou outra, na agenda institucional do país. Agora, a discussão agrega um novo elemento, suspeito de contribuir com o dito mal da politização: o quinto constitucional.
Quinto constitucional é o nome dado à previsão constante do artigo 94 da Constituição Federal, que determina que um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados e do Distrito Federal devem ser compostos de membros do Ministério Público e de advogados (dotados do famigerado “notório saber jurídico”).
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O motivo de sua repentina aparição no debate público é o fato de Favreto ter sido escolhido para o TRF4 em 2011 a partir de indicação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aliado ao fato de Favreto ter ocupado o cargo de procurador-geral de Porto Alegre e outros cargos comissionados em governos petistas, o argumento passou a ser que o quinto constitucional seria uma via alternativa para pessoas suscetíveis a influências políticas terem acesso aos tribunais. A solução seria então, obviamente, abolir o mecanismo.
Vem sendo protagonizado, então, uma espécie de cabo de guerra entre setores da magistratura e grupos organizados de advogados, com os primeiros pressionando pelo fim do quinto enquanto os últimos defendem sua manutenção e a criação de exigência mínima de dez anos de exercício da advocacia para se tornar juiz. Porém, ambos parecem ignorar um ponto anterior: juízes, antes de serem advogados alçados à magistratura pelo quinto constitucional ou de vestirem a toga após a aprovação em concurso público, são seres humanos, influenciados por suas convicções pessoais. Não há curso preparatório, horas de estudo ou tempo de prática advocatícia que apague isso. Isso não significa que o Judiciário é a arena do vale-tudo, onde o que vale é, exclusivamente, a vontade de quem decide. A baliza da legalidade segue sendo essencial, e desvios devem ser apontados e corrigidos pelos órgãos competentes. Mas a influência de opiniões pessoais – inclusive políticas – em decisões judiciais deve ser vista com cautela.
A questão, verdade seja dita, ainda é muito pouco estudada no Brasil, mas vale a pena trazer exemplos de outros países como forma de ilustração. Nos Estados Unidos, onde a pauta do dia é a indicação do juiz Brett Kavanaugh por Donald Trump para a Suprema Corte, o chamado “modelo atitudinal”<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> – que defende serem as convicções pessoais dos juízes fator determinante em suas decisões – já há muito desbancou a imagem do juiz legalista, que apenas aplica a lei ou o precedente. Há modelos teóricos que, inclusive, preveem com mais de 80% de certeza votos de ministros da Suprema Corte americana em casos de civil rights, com base no perfil ideológico do ministro<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>. Talvez seja esse o motivo de tanta preocupação de nossos vizinhos ao norte acerca dos posicionamentos acadêmicos de Kavanaugh a favor da imunidade presidencial a processos civis e criminais enquanto durar seu mandato.
Sendo assim, e voltando ao quinto constitucional, é preciso olhar com algum ceticismo para a crença que sua abolição, ou, de outro lado, a inclusão de exigência de dez anos de prática advocatícia, seria medida adequada para resolver o problema da politização do judiciário. Primeiro porque algum grau de politização – ao menos no sentido da influência de convicções pessoais sobre como os juízes veem o mundo – tem raízes mais profundas. O problema é mais de grau do que de objeto. E, sendo assim, vale lembrar que ainda que o uso de uma bala de canhão se mostre eficaz para matar uma formiga, considerar o estrago que o disparo causará nos arredores ajuda a perceber a ineficiência da medida. Talvez valesse mais reforçar a necessidade de (algum) respeito às decisões já tomadas, em homenagem à segurança jurídica sobre a qual tanto falamos e pouco experienciamos, ou, ao menos, a imposição de um ônus argumentativo, uma prestação de contas à sociedade, do porquê decidir um caso de um jeito e outro de forma diferente.
Não se pretende com isso dizer que reformas institucionais são secundárias. Desenho institucional conta sim, e muito. Por exemplo, se convicções pessoais de fato informam a tomada de decisão por parte de juízes, talvez seja o caso de se repensar uma estrutura de concurso público que privilegia um perfil relativamente homogêneo de aprovados. Mas em todo esse debate, falta ver que o direito não só não é formado por respostas simples, como muitas vezes não se trata de respostas “certas”. Arranjos institucionais, há inúmeros possíveis, e a definição dessa estrutura traz implicações profundas no sistema de divisão de poder e organização da sociedade. Se há um sistema de organização capaz de resolver todas as questões do nosso Judiciário, é difícil responder. Mas se por acaso existir, não será possível descobrir buscando soluções simplistas, sem considerar as raízes do problema que se pretende resolver, nem as implicações das estruturas existentes.
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<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Como referência, ver SEAGAL, Jeffrey; SPAETH, James. The Supreme Court and the Attitudinal Model Revisited (2002)
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<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> O estudo original é de Jeffrey Seagal e Albert D. Cover em Ideologial Values and the Votes of U.S. Supreme Court Justices, publicado na American Political Science Review em 1989. 
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Deusa da Justiça

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JOTA

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Quinto constitucional e politização do Judiciário

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