Ana Carolina de Barros Carvalho

Bernardo Fabião

Igor Muniz

A Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispõe sobre ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários no mercado de capitais brasileiro, disciplina as normas de conduta aplicáveis à companhia emissora, ao ofertante (quando não a emissora) e às instituições intermediárias das ofertas (coordenadores).
Seu Art. 48 estabelece o período de silêncio, no qual tais participantes de uma oferta pública, já decidida ou ainda em estudo, bem como seus assessores atuando na operação, devem se abster de se manifestar na mídia sobre a oferta ou mesmo sobre o ofertante.
A norma traz exceções a essa regra geral (Art. 48 e Par. 1º), permitindo à emissora dos valores mobiliários objeto da oferta, mesmo durante o período de silêncio associado à operação, divulgar normalmente suas informações periódicas e eventuais exigidas pela CVM e aquelas habitualmente divulgadas pela companhia no curso regular de suas atividades.
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Quase todas as regras de conduta do Art. 48 também se aplicam no contexto de ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos, regidas pela Instrução CVM nº 476 (que são dispensadas de registro de distribuição na CVM), modalidade destinada exclusivamente a investidores profissionais. Apesar de atingirem um público limitado (investidores com maior expertise e sofisticação informacional), a Instrução 476 (Art. 12) optou por estender às ofertas com esforços restritos algumas regras de conduta das ofertas com esforços amplos de distribuição,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> incluindo o período de silêncio.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Assim, em ofertas públicas de valores mobiliários, quer sejam amplas e irrestritas, com prévio registro na CVM, ou distribuídas com esforços restritos de colocação e dispensa de registro na CVM, o período de silêncio deverá ser observado e, em síntese:
I. Inicia-se na data de ocorrência do último dentre os seguintes eventos: (a) o 60º dia antecedente ao (x) protocolo do pedido de registro da oferta na CVM<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> ou (y) arquivamento, pelo coordenador líder junto à CVM, da informação do início da procura a investidores;<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> (b) a decisão pela oferta (aprovação societária competente); ou (c) o momento em que a oferta é projetada;
II. Encerra-se na (a) divulgação do anúncio de encerramento;<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> ou (b) informação, do coordenador líder à CVM, quanto ao encerramento da oferta;<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
III. Devem evitar, a emissora, seus administradores e representantes, e demais participantes da operação, em todo o período de silêncio, se manifestar publicamente sobre: (a) a oferta ou qualquer aspecto a ela relacionado; ou (b) qualquer informação sobre a companhia, com as exceções permitidas.
Como a Área Técnica da CVM possui um poder relativamente amplo de interpretar suas normas, é recomendável uma postura conservadora no assunto. Destaca-se, ainda, que esse é o único período de silêncio estabelecido pelas normas brasileiras, e que é voluntária a prática de diversas companhias abertas de instituir um período de silêncio anterior à divulgação de resultados trimestrais ou demonstração financeira anual (medida sem tem previsão legal).<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Relativamente ao período de silêncio normativo, há espaço para aperfeiçoamentos na legislação, eis que a atual agenda regulatória da CVM busca reduzir “custos de observância” dos regulados e reflete momento internacional de modernização da regulamentação dos principais mercados, sendo exemplos o movimento de atualização regulatória da U.S. Securities and Exchanges Commission (SEC),<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> para encorajar companhias a acessarem o mercado, e os trabalhos de estruturação do Capital Markets Union na União Europeia (UE), desde 2015, para integração dos mercados de capitais da UE.
Nos EUA, as leis federais sobre valores mobiliários<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> limitam, durante o período de silêncio (quiet period ou waiting period), as informações que a companhia e partes relacionadas podem divulgar ao público, e o descumprimento dessas restrições configuraria a infração de gun-jumping.
A SEC vem revendo essas regras desde 2005,<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> sendo alteradas previsões de gun-jumping e flexibilizadas restrições do quiet period.<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> Em 2012, o JOBS Act<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> liberalizou ainda mais a regulamentação para companhias em crescimento emergente (emerging growth companies – EGCs), permitindo que, no contexto de ofertas sujeitas a registro, realizem comunicações orais ou escritas com investidores institucionais ou accredited investors, antes ou imediatamente após o protocolo do registro junto à SEC, para sondar o terreno (test the waters).<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a> Já em setembro de 2019, a nova Rule 163B estendeu o mecanismo de test the waters<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a> para as demais companhias, que poderão, sem violação ao período de silêncio, avaliar o potencial interesse do mercado em uma possível oferta, antes mesmo do protocolo do respectivo pedido de registro.<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>
Em linha com tal perspectiva, destacam-se três sugestões de modernização da norma brasileira:
1) Utilização de ofício de alerta<a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a> como primeira medida na hipótese de alegado descumprimento do período de silêncio, salvo hipóteses excepcionais que demandem medidas mais severas,<a href="#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a> seguindo o Art. 9º, Par. 4º, da Lei 6.385/76, que prestigia outros instrumentos de supervisão mais efetivos e em linha com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A suspensão da oferta por infração à regra é medida gravosa que poderá, em última análise, até mesmo inviabilizar a operação, pois dilações no cronograma podem impedir sua conclusão na “janela de mercado” existente.
2) Redução do período de silêncio, iniciando-se em marco temporal puramente objetivo, número de dias (propõe-se 30) antes do pedido de registro ou data da deliberação societária pela oferta, e encerramento no momento do início da negociação (com o preço dos valores mobiliários já definido).<a href="#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>
Tal sugestão alinha o marco inicial à prática internacional (30 dias, como no mercado norte-americano),<a href="#_ftn19" name="_ftnref19">[19]</a> afasta incertezas interpretativas quanto ao momento em que a oferta se considera projetada, e encontra respaldo em posição da própria CVM, manifestada no voto do Diretor Pablo Renteria, relator no PAS CVM 19957.002327/2016.
3) Exclusão expressa do período de silêncio em ofertas pela Instrução 476.<a href="#_ftn20" name="_ftnref20">[20]</a>
Sendo direcionadas a investidores profissionais e qualificados,<a href="#_ftn21" name="_ftnref21">[21]</a> o principal público tutelado pelo período de silêncio (investidores de varejo) nem mesmo poderia participar das ofertas públicas previstas na Instrução 476, tendo-se criado um ônus desproporcional aos agentes de mercado, sem um benefício que compense os custos de observância da regra.
Inspiradas no movimento global de modernização das estruturas regulatórias dos principais mercados, as sugestões acima objetivam dar mais um passo na busca pelo aperfeiçoamento do mercado de capitais brasileiro, alinhando-o a boas práticas internacionais que vêm sendo observadas, e fomentando maior acesso das companhias brasileiras ao mercado de capitais.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Regidas pela Instrução 400.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A CVM apresenta esclarecimentos sobre o período de silêncio no Ofício-Circular nº 02/2019/CVM/SRE, que apresenta “orientações gerais sobre procedimentos a serem observados pelos emissores e intermediários em ofertas públicas de valores mobiliários” – vide item: “20. Período de silêncio – Art. 48, inciso IV da Instrução CVM nº 400/2003.”
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Para ofertas pela Instrução 400.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Para ofertas pela Instrução 476.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Ofertas pela Instrução 400.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Ofertas pela Instrução 476.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Como ilustra trecho de reportagem publicada no site Brazil Journal: “Muita gente não sabe, mas o ‘período de silêncio’ que precede a divulgação dos resultados trimestrais foi simplesmente inventado pelo mundo corporativo, já que inexiste regulação obrigando o silêncio pré-balanço.” Disponível em: <a href="https://braziljournal.com/empresas-criam-novo-produto-o-silencio-pre-balanco-">https://braziljournal.com/empresas-criam-novo-produto-o-silencio-pre-balanco-</a> (consultado em 28/11/2019).
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Órgão regulador norte-americano, equivalente à CVM.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Notadamente o Securities Act de 1933, conforme editado.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Quando foram aprovadas modificações ao Securities Act, para modernização e liberalização dos processos de registros, comunicações e ofertas.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Dentre outras alterações realizadas.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Jumpstart our Business Startups Act of 2012.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Contanto que nenhum valor mobiliário seja alienado, a menos que acompanhado do prospecto apropriado. O JOBS Act também liberalizou o uso de relatórios de analistas financeiros sobre as EGCs (disponível em: <a href="https://www.sec.gov/fast-answers/answersquiethtm.html">https://www.sec.gov/fast-answers/answersquiethtm.html</a> - consulta em 28/11/2019).
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Atualmente disponível apenas para EGCs.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> Para mais informações, vide “SEC Adopts New Rule to Allow All Issuers to ‘Test-the-Waters’”, disponível em https://www.sec.gov/news/press-release/2019-188.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Em síntese, o ofício de alerta pode ser definido como um instrumento e uma medida de supervisão, que tem o cunho educativo de notificar a irregularidade e, caso seja necessário, determinar um prazo para correção da prática antes de aplicar uma penalidade ou de adoção de medidas mais drásticas.
<a href="#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Sugere-se novo parágrafo ao Art. 48 da Instrução 400: “A CVM utilizará o ofício de alerta no primeiro descumprimento do inciso IV, salvo em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas, que demandem medidas mais gravosas.”
<a href="#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> Sugere-se, na Instrução 400: “Art. 48. (...) IV - abster-se de se manifestar na mídia sobre a oferta ou o ofertante até o início da negociação dos valores mobiliários objeto da oferta a divulgação do Anúncio de Encerramento de Distribuição nos 30 60 (trinta sessenta) dias que antecedem o protocolo do pedido de registro da oferta ou desde a data em que a oferta foi decidida ou projetada, o que ocorrer por último;”
<a href="#_ftnref19" name="_ftn19">[19]</a> Que os grandes emissores nacionais também costumam acessar.
<a href="#_ftnref20" name="_ftn20">[20]</a> Sugere-se, na Instrução 476: “Art. 12. Aplicam-se às ofertas públicas distribuídas com esforços restritos, as normas de conduta previstas no art. 48 da Instrução CVM nº 400, de 2003, com exceção do inciso III e do inciso IV.”
<a href="#_ftnref21" name="_ftn21">[21]</a> Que possuem, ao menos por presunção, amplo conhecimento e expertise no mercado de capitais.

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JOTA

Análise sob o artigo 48 da instrução 400 da CVM , que estabelece o período de silêncio 

Quiet period: notas sobre o período de silêncio no Brasil e nos EUA

Análise sob o artigo 48 da instrução 400 da CVM , que estabelece o período de silêncio