Wallace Corbo

Paula Flanzer

Em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/quais-estrangeiros-fazem-a-cabeca-dos-nossos-administrativistas-13042021">artigo publicado em abril de 2021</a>, Eduardo Jordão e Renato Toledo examinaram a bibliografia das publicações da Revista de Direito Administrativo, discutindo a influência dos autores estrangeiros e dos "não juristas" na área, e apontando a ausência quase absoluta de referências a mulheres na última década de produção acadêmica.
O artigo altamente provocativo e inspirador suscitou uma semelhante inquietação acadêmica: qual seria o perfil dos autores e autoras que fazem, hoje, a cabeça dos estudantes de direito? Aliás, autores e autoras – homens e mulheres – estão presentes, em igualdade, nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das faculdades de direito brasileiras? Haveria, entre estes autores e autoras, pessoas negras e brancas e em que proporção?
Para responder a esta inquietação, analisamos os currículos básicos disponíveis nos portais online das Faculdades de Direito de diferentes instituições de ensino renomadas, e os resultados preliminares desta pesquisa inédita são trazidos ao conhecimento público já nesta oportunidade.
Três considerações metodológicas são importantes. Primeiro: para selecionar as instituições, consideramos aspectos como as taxas de aprovação na OAB, parâmetros de reconhecimento no mercado e a própria existência dos dados públicos que precisávamos coletar. Neste artigo preliminar incluímos: FGV Rio, FGV São Paulo, UERJ, UFBA, UFG, UFMG, UFPE, UFPR, UFRJ, UnB e USP.
Segundo: os nomes foram classificados por gênero considerando uma classificação binária, o que – infelizmente – não parece gerar a distorção de dados, visto que não identificamos, de maneira relevante, autores e autoras transexuais, transgêneros e travestis nas ementas básicas. No recorte racial, realizamos a heteroridentificação considerando fotos disponíveis em sites oficiais de universidades e redes sociais. Se como método a heteroidentificação pode, eventualmente, gerar dúvidas, na prática não identificamos nenhum caso que se inseriria em alguma margem de incerteza.
Terceiro: analisamos as ementas de algumas das disciplinas centrais ao curso de direito: Direito Civil, Direito Constitucional e Direito Penal. Para além de um aspecto pragmático – o recorte definido facilita o levantamento –, as três disciplinas costumam ser apresentadas a estudantes ainda nos primeiros semestres do curso de direito. Muitas vezes, estas são as únicas disciplinas dogmáticas com as quais estudantes têm contato neste período. É possível, então, que a (falta de) diversidade na bibliografia básica destas três disciplinas possa contribuir para formar, no imaginário de estudantes, um perfil de “jurista ideal” que eventualmente carregarão ao longo dos anos.
Sem querer aumentar o suspense, uma última nota importante: ainda que o nome se repetisse, cada autor ou autora identificado foi computado apenas uma vez. A consequência disso é aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras no universo de nomes identificados – já que (spoiler) são estas que aparecem substancialmente menos nas ementas.
Com base nas informações coletadas, identificamos 279 autores indicados nas bibliografias básicas destas disciplinas. A falta de fotografias disponíveis não nos permitiu identificar a identidade racial de 31 nomes. Dos 248 restantes, 207 eram homens brancos (83,5%), 29 eram mulheres brancas (11,7%), nove eram homens negros (3,6%) e apenas três eram mulheres negras (1,2%). Uma curiosidade: entre as três mulheres negras citadas, duas surgiram apenas na ementa de disciplina ministrada por um professor negro. Não é coincidência.
Os dados – que não devem trazer uma grande surpresa à leitora atenta – confirmam a conclusão intuitiva de que falta pluralidade na formação jurídica contemporânea.
A falta de pluralismo e diversidade na academia é tanta que podemos afirmar, sem exagero, que estudantes são expostos a mais autores chamados Carlos do que a autoras negras.
Nem todas as disciplinas carecem de diversidade no mesmo grau. Os dados preliminares apontam que, no Direito Civil e no Direito Constitucional, cerca de 82% dos autores citados eram homens brancos, sendo dois autores negros indicados na primeira disciplina (um homem, uma mulher); e sete autores pretos ou pardos indicados na segunda (cinco homens e duas mulheres). Já no Direito Penal, o cenário é ainda mais grave: dos 52 doutrinadores recomendados pelos docentes, apenas uma é mulher, e apenas três são negros.
Apesar de preliminares, os resultados são eloquentes de um problema cada vez mais inescapável para a academia: a falta de pluralismo nas vozes que fazem a cabeça dos estudantes.
Este problema da voz única, por um lado, limita os horizontes epistemológicos das escolas de direito. Seguimos discutindo os mesmos temas, a partir de problemas e soluções definidos por um seleto e homogêneo grupo de pessoas. Por outro lado, a falta de diversidade aliena os estudantes das escolas de direito – especialmente quem só recentemente teve como possível acessar o ensino superior.
Afinal, como convencê-los de que poderão encontrar respostas para suas questões urgentes – como as relações entre o direito e o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/racismo">racismo</a>, o sexismo, as profundas desigualdades sociais – sem que possam ter contato com as vozes que estão na linha de frente do combate a estes problemas persistentes? Estas são perguntas que precisarão ser enfrentadas mais cedo ou mais tarde por docentes e faculdades de direito.
À leitora e ao leitor, ao menos, vale como consolação saber que acaba de ler um artigo escrito por um professor negro e por uma graduanda em direito. Não é coincidência. Mas também não é suficiente.
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Este artigo expressa a opinião dos autores, não representando necessariamente a 
opinião institucional da FGV

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