Luciano de Souza Godoy

Inicio hoje a colaboração com o JOTA e a resumo em uma palavra – entusiasmo! Uma alegria juvenil de poder colaborar o portal, com um projeto sofisticado, já em voo pleno. Vamos adiante.
Acordos de leniência e delações premiadas, como se combinam? Diversas autoridades públicas se chocaram na última semana, trilhando seus caminhos institucionais, mas esbarando nas atribuições dos outros. O objetivo sempre o mesmo – a busca de um espaço institucional a ocupar na perseguição dos fatos a partir da colaboração dos acusados, pessoas físicas e empresas.  Foi isso que vimos ocorrer nos últimos dias nos corredores da operação Lava Jato, em Brasília e Curitiba, tornando confusa a compreensão do papel de cada um, suas atribuições e competências, isto é, até onde vai o “guarda-chuva “institucional do Ministério Público, da AGU, da CGU, do TCU e do CADE. Aliás, pretendo ficar fora da polêmica sobre o uso correto da expressão Lava Jato, copiando os termos pelo Ministério Público <a href="http://www.lavajato.mpf.mp.br">na sua página</a> sobre o tema.
As delações premiadas ocorreram e ocorrem no âmbito criminal, instrumento previsto na lei de combate às organizações criminosas. Os acusados criminalmente (pessoas físicas) podem colaborar com a Polícia e o Ministério Público na investigação dos crimes, fornecendo informações e fatos detalhados, que levarão a novas provas e, consequentemente, a punições diversas outras pessoas envolvidas. Beneficiam-se pela colaboração premiada na redução da pena ou mesmo no cumprimento em condições mais favoráveis, como a prisão domiciliar.
A partir destas investigações e provas, o Ministério Público já promoveu (e promoverá outras) ações civis de improbidade administrativa contra as pessoas e as empresas, em Vara Cível, buscando a reparação dos danos que os cofres públicos sofreram os atos de corrupção; e as condenações acessórias – punição aos servidores com expulsão do serviço púbico e proibição das empresas em contratar com o Poder Público. Importante lembrar que nestas ações de improbidade, não pode haver acordo.
Nestes dois temas, o Ministério Público é o protagonista e já “colocou a escola de samba na avenida”. Ações penais com diversos envolvidos já denunciados, em prisão provisória, e ações de improbidade administrativa ajuizada. De verdade, um sopro de esperança na construção de um Brasil novo.
E as empresas? Qual “guarda-chuva” elas pegam?
Há um temor dos Governos e das empresas em relação à decretação da inidoneidade das empreiteiras com base na lei de licitações, com o avanço dos procedimentos criminais e de improbidade. Isso seria péssimo ao país, à sociedade, à iniciativa privada, aos Governos e, por óbvio, às próprias empresas. Diversas obras públicas pelo país seriam interrompidas, concessões públicas não poderiam ser renovadas, empréstimos não seriam concedidos, pela rotulação de inidônea às empreiteiras envolvidas. A sociedade verá obras de rodovias, aeroportos, hidrelétricas, usinas eólicas, portos, saneamento básico, unidades do Parque Olímpico no RJ, etc... interrompidas.
A Advocacia Geral da União – AGU e a Controladoria Geral da União - CGU iniciaram tratativas com as empresas para celebração de acordos de leniência com as empresas, amparado na recente e ainda não regulamentada Lei Anticorrupção ou chamada Lei da Empresa Limpa. É majoritária a posição que as multas previstas nesta lei não podem ser aplicadas a episódios anteriores a sua vigência (Janeiro de 2014), como vemos com a maior parte dos episódios da Laja Jato. Contudo, olhando a mesma moeda pelo outro lado, o instituto do acordo de leniência previsto nesta mesma lei pode ser e deve ser aplicado como um instituto autônomo. A empresa identificada como beneficiária de um ato de corrupção colabora com o Poder Público, ressarce os danos, paga uma multa, identifica fatos que possam levar a outras apurações e, como benefício, pode ter o não reconhecimento da sua inidoneidade.
O TCU é um órgão auxiliar do Parlamento com a missão de conferir a lisura no uso do dinheiro público. É um tribunal administrativo de contas. Necessariamente será ouvido antes ou depois de já formalizado o acordo de leniência, até mesmo para avalizar se a balança ficou equilibrada – reparação dos danos versus benefícios com suspensão da inidoneidade. No TCU, funciona um órgão do Ministério Público, com a função de fiscal da lei, opinando previamente à deliberação dos Ministros.
E, por fim, o CADE que possui a atribuição forma de apurar as infrações à ordem econômica, dentre elas, com destaque, o cartel. O CADE é um órgão de Estado, ligado ao Ministério da Justiça, com perfil de tribunal administrativo e a atribuição legal (e somente ele!) apurar e constatar o ilícito de cartel. Duas curiosidades aqui – também há um membro do Ministério Público que funciona no CADE, como fiscal da lei, opinando previamente ao julgamento pelos Conselheiros. E, em segundo, há previsão na Lei Anti-Trust de um possível acordo de leniência que beneficiaria a primeira empresa a “dedurar” o cartel com isenção de punições e multas. O cartel constitui uma forma macabras de prejudicar o consumidor com a manutenção de preços artificialmente inflados e, por isso, em todo o mundo, há um combate estreito da sua atuação, com a colaboração internacional dos diversos órgãos Anti-Trust.
Sinceramente não entendi o motivo pelo qual o Ministério Público Federal atravessou um pedido cautelar ao TCU nesta última semana, pedindo que seja bloqueada a possibilidade de celebração dos acordos de leniência que as empreiteiras tendem a fazer com AGU/CGU. Só haverá benefícios – pagamento de multas, ressarcimento de danos, explicitação de fatos e preservação das empresas nas obras em andamento. Imagino que o TCU vá recusar este pedido, mantendo a possibilidade dos acordos de leniência irem adiante. Nenhum prejuízo haverá à investigação criminal e à punição das pessoas envolvidas nos processos que tramitam em Curitiba com a celebração dos acordos de leniência entre empresas e AGU/TCU; as ações criminais continuarão a tramitar de forma independente; aliás, podem virem a públicos novos fatos.
Cada órgão possui a sua esfera de atuação definida na Constituição ou na lei; o TCU irá sim verificar se economicidade das contas do ponto de vista do cidadão e da sociedade; a AGU e a CGU buscam zelar pelo interesse público. E mais. No fim do dia, o Ministério Público poderá investigar, civil e criminalmente, qualquer ato de autoridade ou de Governo, por atos de improbidade, pedindo a anulação destes, já que o seu “guarda chuva” institucional é mais amplo.
* Advogado em São Paulo, sócio do PVG Advogados, Professor da Direito FGV SP, ex-Juiz Federal. É mestre e doutor em Direito pela USP e foi Visiting Scholar na Columbia Law School. <a href="mailto:Luciano.godoy@fgv.br">Email</a>.

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JOTA

Acordos de leniência e delações premiadas, como se combinam? 

Que guarda-chuva eu pego?

Acordos de leniência e delações premiadas, como se combinam?