Mônica Thaís Souza Ribeiro

O direito veda, criminaliza, regulamenta condutas das pessoas e das instituições desde a esfera cível à criminal, passando por outras matérias que garantem a proteção humana, do meio ambiente e também que garantam o desenvolvimento.
Acontece que as dimensões sociais do desenvolvimento são complexas e múltiplas, se pensarmos no binômio crescimento econômico versus proteção socioambiental. Direitos humanos, participação social, expansão das liberdades reais compreendidas como saúde, educação, saneamento, empregos e outras escolhas são fundamentais para a tomada de decisões que envolvam políticas de competitividade.
Para gerar crescimento é necessário remover obstáculos como pobreza, autoritarismo, ausência de oportunidades de trabalho, negligência de serviços públicos, compreendendo como êxito a capacidade de escolha que as pessoas podem desfrutar em serviços de educação e saúde, direitos civis e liberdade política, não bastando somente os dados de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), rendas pessoais, industrialização ou avanços tecnológicos.
E, embora seja possível encontrar teorias que negligenciam a pobreza ou fatores como a desigualdade, a realidade escancara que o desenvolvimento não é neutro em relação à distribuição da riqueza. Em 2001, o relatório World Development Report (Lutar contra a pobreza) foi publicado pelo Banco Mundial com propostas para promover oportunidades, estimular a economia e aumentar a segurança, reconhecendo que a pobreza é mais que renda ou desenvolvimento inadequado, mas a vulnerabilidade e falta de voz, poder e representação.
<h3>Desastres: a lei é para quem? </h3>
A literatura sobre desastre reduzia o conceito aos riscos naturais, acrescentando posteriormente ao conceito, fatores como as relações sociais desiguais em que as pessoas se encontravam anteriormente ao fato, ou seja, a capacidade de prever, agir, proteger e se reerguer associado à fatores ambientais, decisões governamentais, ou, todas elas em conjunto. Para alcançar o impacto na vida das pessoas, o conceito de desastre deverá, portanto, ser sobreposto a partir das desigualdades preexistentes, conforme explica a Doutora Supriya Akerkar, Diretora do Centro de Desenvolvimento e Prática de Emergência da Universidade Oxford Brookes.
A equidade em que ambas as partes dispõem de artefatos técnicos, jurídicos, o capital social, econômico, cultural, todos eles - e ainda outros- estarão em disputa. No desastre-crime acontecido em 25 de janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho-MG, fatores diversos e irreversíveis tornaram o caso um dos mais graves que já aconteceram na história do Brasil. Nenhuma ação poderá reverter as perdas das vidas atingidas pela lama de rejeitos da barragem, sendo a justiça uma das ferramentas para atuar diante das mudanças estruturais e irreversíveis para às pessoas que ficaram.
A partir da redução no nível de incerteza das interações humanas, a justiça pode agir no plano político, institucional e econômico para garantir indenizações, mitigações e rigor em garantias de proteção e a prevenção de desastres. Se as pessoas devem estar em primeiro lugar, o meio ambiente precisa estar em todas as fases das elaborações de políticas públicas, sendo a sustentabilidade a premissa para decisões econômicas com ações limitadas ao desenvolvimento sustentável.
Foram dois desastres consecutivos acontecidos no estado de Minas Gerais, com o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, e não há segurança jurídica nem proteção do Estado e de suas instituições, nem a garantia de mitigação de todos os impactos: se por um lado, houve uma condenação judicial com garantia de indenização, de outro estão famílias ceifadas do convívio com seus entes, muitos deles arrimos de família.
<h3>Tradição em desastres: O capital em primeiro lugar</h3>
O histórico de desastres de barragens não é novidade no Brasil, seja por ausência de rigor e controle, falta de planejamento diante dos impactos na vida das pessoas que são obrigadas a sair de suas terras, ou ainda, na simplificação de que “para haver progresso, alguém vai ter que pagar”, a história se repente com a migração forçada, empobrecimento, mortes e esquecimento.
É assim que o desastre, o estado democrático de direito e o desenvolvimento se cruzam como fatores indissociáveis na história da cidade de Morada Nova de Minas: se na década de 1960, as pessoas foram atingidas e obrigadas a migrar em razão da construção de uma das primeiras barragens hidroelétricas do país, em nome do desenvolvimento do capital, em 2019 essas pessoas foram afetadas pela especulação da contaminação das águas pelos rejeitos de Brumadinho.
A contradição existe inclusive na previsão normativa e na fiscalização: o texto da lei 12.334/2010 dispõe como definição da segurança de barragem “a condição que vise a manter a sua integridade estrutural e operacional e a preservação da vida, da saúde e da propriedade e do meio ambiente”. A expectativa de direito e de que se faça justiça é portanto, legítima diante da previsão legal, mas as palavras bastassem, também não haveria acidente.
Ainda não aprendemos com Morada, nem Mariana, nem Brumadinho, e infelizmente, não foram e não serão os únicos casos de desastres relacionados a barragens no Brasil. Parte da solução está no cumprimento da lei, na garantia de efetividade das políticas públicas, da previsão de recursos para as populações que vivem no entorno das obras de barragens, e na regularização das barragens que operam ainda hoje sem licenciamento ambiental.
___________________________________________________________________
Fontes
AKERKAR, Supriya. Disaster Risk Reduction and Furthering Women’s Rights. Universidade Oxford Brookes. Disponível em &lt;<a href="https://oxfordre.com/naturalhazardscience/view/10.1093/acrefore/9780199389407.001.0001/acrefore-9780199389407-e-406">https://oxfordre.com/naturalhazardscience/view/10.1093/acrefore/9780199389407.001.0001/acrefore-9780199389407-e-406</a>&gt; .
COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. Ed: Saraiva. São Paulo, 2013.
RIBEIRO, Mônica Thaís de Souza. COLLARES, I. Z., CALAZANS, D. R.N. de S., The construction of the Três Marias dam and the absence of public policies for the arrival of the waters in the municipality of Morada Nova de Minas in Brazil In: The Transformation of Environmental Law and Governance. Edited by Francesco Sindico, Stephanie Switzer and Tianbao Qin. Monograph Book. Collection: Law 2021. Disponível em: <a href="https://www.elgaronline.com/display/edcoll/9781800889361/9781800889361.00023.xml">https://www.elgaronline.com/display/edcoll/9781800889361/9781800889361.00023.xml</a>
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade: tradução Laura Teixeira Motta: Revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

brumadinho

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Estado Democrático de Direito, desastres e desenvolvimento

Quatro anos de Brumadinho: justiça para quem?

Estado Democrático de Direito, desastres e desenvolvimento