Daniel Gama e Colombo

A competitividade das firmas brasileiras na atual economia do conhecimento depende de mão de obra qualificada para desenvolver e adaptar novas tecnologias. Mas dados divulgados recentemente revelaram fragilidades importantes do sistema de ciência e tecnologia e da pós-graduação no país.
Em 2022, houve não apenas uma queda expressiva no número de novos alunos de doutorado (<a href="https://dadosabertos.capes.gov.br/dataset/2021-a-2024-discentes-da-pos-graduacao-stricto-sensu-do-brasil">cerca de 15% ou 4.500 ingressantes a menos em relação ao ano anterior</a>), <a href="https://www.nexojornal.com.br/externo/2024/08/02/producao-cientifica-brasileira-cai-pelo-segundo-ano-consecutivo">mas a produção científica nacional decresceu</a>, em ambos os casos contrariando uma tendência de expansão observada nos últimos anos.
<a href="https://www.ipea.gov.br/portal/publicacao-item?id=deab2e3d-db82-470e-88c6-9591fdcf4c4e">Em pesquisa publicada</a> a partir de dados do mercado de trabalho privado no país, discuto algumas questões que podem estar relacionadas a esses resultados negativos, apresentando evidências do baixo retorno da titulação de doutorado e do pouco aproveitamento das habilidades dos doutores nas empresas e outras organizações.
A pós-graduação brasileira passou por um período de rápida expansão desde a segunda década dos anos 1990. De 1998 a 2019, o número de programas de doutorado em funcionamento no país <a href="https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/">aumentou de aproximadamente 1.200 para mais de 5.000</a>, enquanto o número de alunos titulados mais do que quintuplicou, chegando a <a href="https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/">24,4 mil novos doutores no último ano</a>.
Em boa medida, essa ampliação pode ser atribuída à política de expansão universitária brasileira, que elevou o número de instituições de ensino superior na primeira década do século. Mas a ampliação da busca por titulação avançada não é exclusividade brasileira e <a href="https://data-explorer.oecd.org/vis?tenant=archive&amp;df%5bds%5d=DisseminateArchiveDMZ&amp;df%5bid%5d=DF_EDU_GRAD_INST&amp;df%5bag%5d=OECD&amp;dq=...&amp;to%5bTIME_PERIOD%5d=false&amp;vw=tb&amp;lom=LASTNPERIODS&amp;lo=5">foi observada em diferentes países</a>, sendo usualmente explicada pela ideia de uma "inflação de credencial", que é o aumento do nível educacional impulsionado pelo acirramento da concorrência entre profissionais de nível superior.
O mercado de trabalho de doutores no Brasil é pouco conhecido, embora existam dados que permitam traçar um quadro geral do emprego dessa mão de obra. <a href="https://mestresdoutores2024.cgee.org.br/inicio">Um estudo recente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)</a> mostrou que, em 2021, a maior parte dos doutores empregados no país estava no setor público (cerca de 65% do total) e atuava como professor ou profissional de ensino (68% do total). Chama atenção o baixo número de indivíduos com essa formação no setor industrial (apenas 1,6% dos doutores) e na área da saúde (3,9% dos doutores).
A fim de aprofundar esse debate, investiguei o conjunto de egressos das universidades e instituições de ensino nacionais, avaliando o retorno da titulação no salário-hora desses indivíduos no setor privado. Também analisei as ocupações exercidas, para verificar se elas eram compatíveis com o alto nível educacional desses trabalhadores. Para isso, foram utilizados dados de emprego no período de 2013 a 2021, e uma estratégia de pesquisa que controla por diferentes fatores que podem influenciar a remuneração, como setor econômico da organização empregadora, localização geográfica e idade, além características inatas dos indivíduos (como sexo e habilidades prévias).
Os resultados do estudo são pouco animadores, e fornecem uma hipótese para explicar o interesse decrescente pelo doutoramento. No caso das organizações privadas do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/educacao">setor educacional</a> (como universidades, escolas e outras instituições de ensino), o prêmio salarial do doutorado é de pouco mais de 1% do salário-hora (não considerando o ganho com titulações anteriores, como o mestrado).
Isso revela que a valorização dada ao título é pouco expressiva justamente nas organizações em que os doutores se encontram tipicamente empregados. Já nas empresas e fora do setor educacional, o retorno adicional obtido é um pouco maior (mas ainda baixo), sendo estimado em torno de 8,7%. É importante notar que esse é um tema controverso na literatura internacional, <a href="https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-015-9901-y">havendo estudos para outros países</a> que também apresentaram estimativas reduzidas do prêmio salarial do doutorado, que não permitem sequer concluir que há algum retorno.
Outro resultado preocupante do estudo é o baixo aproveitamento dos doutores no setor privado. Os dados apontam que cerca de 62% desses indivíduos exercem ocupações não compatíveis com seu nível educacional – a chamada "sobre-educação". Isso indica uma dificuldade desses profissionais em aplicar os conhecimentos e habilidades adquiridas para o aprimoramento das organizações e o desenvolvimento econômico.
O quadro é ainda mais alarmante se considerados apenas aqueles que trabalham fora do setor educacional, com cerca de 85% dos doutores empregados em atividades não condizentes com a titulação de doutorado. Novamente, para fins comparativos, a taxa de "sobre-educação" estimada <a href="https://animorepository.dlsu.edu.ph/apssr/vol18/iss1/4/">por um estudo para a Coreia do Sul</a> foi de 44%, e, no caso dos Estados Unidos, <a href="https://www.nber.org/books-and-chapters/science-and-engineering-careers-united-states-analysis-markets-and-employment/educational-mismatch-among-phds-determinants-and-consequences">a estimativa é de que aproximadamente 30% dos doutores</a> realizem atividades parcial ou totalmente desconectadas com sua formação.
Esse desalinhamento educacional no emprego gera resultados adversos não apenas para os indivíduos, mas também para as firmas e a economia do país. No caso dos doutores, a sobre-educação tende a reduzir (podendo até mesmo anular) os ganhos remuneratórios, depois de anos de estudo em que o aluno contou com valores reduzidos das bolsas de pesquisa ou, em muitos casos, não teve qualquer fonte de financiamento.
Os resultados da pesquisa sugerem que doutores em situação de sobre-educação fora de instituições de ensino enfrentam uma penalidade salarial de cerca de três quartos do prêmio obtido com o título (ou 6,4% do salário-hora). Além disso, há evidências de que o desalinhamento educacional se encontra associado a maiores taxas de rotatividade de pessoal nas empresas e<a href="https://mpra.ub.uni-muenchen.de/87674/"> pode afetar negativamente o crescimento econômico</a>.
Os baixos níveis de prêmio salarial e as altas taxas de sobre-educação encontradas constituem um forte desestímulo ao ingresso no doutorado, o que torna plausível o menor interesse por parte de novos estudantes em 2022 (embora a relação direta entre esses fatores careça de maiores estudos).
Assim, a pesquisa chama atenção para a importância de uma nova perspectiva para a política nacional de pós-graduação, com ênfase para a demanda e aproveitamento de doutores no ambiente produtivo e profissional, preparando-os para atuar como agentes promotores do desenvolvimento econômico e para o enfrentamento de desafios contemporâneos, incluindo o aumento da produtividade e a sustentabilidade ambiental e social.

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JOTA

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