Zélia Pierdoná

Diante das discussões sobre a necessidade ou não de reforma da previdência, deve-se perguntar o quanto o Brasil quer gastar com a proteção previdenciária. Isso porque os recursos públicos são limitados e gastar boa parte deles apenas com uma política, significa ter poucos recursos para outras políticas, tão ou mais importantes que a previdenciária, como as de saúde e as de educação. Assim, o que se pretende é demonstrar os gastos dos últimos dois anos com a previdência social e com os demais subsistemas da seguridade social, já que a Constituição de 1988 a inseriu dentro do referido sistema de proteção social. 
Além do subsistema previdenciário, o sistema de seguridade social é constituído pelo subsistema de saúde e pelo de assistência social. A saúde é destinada a todos e, a assistência, aos necessitados, independentemente de contribuição direta do beneficiário, como ocorre com a previdência. 
A previdência social, por sua vez, é dirigida aos trabalhadores e seus dependentes e tem por objetivo garantir recursos nas situações de incapacidade real ou presumida do trabalhador, substituindo os rendimentos do trabalho. Assim, a previdência visa a manutenção do nível de vida do trabalhador e, diferente das outras duas áreas da seguridade social, exige o cumprimento de uma contraprestação, a qual é efetivada por meio do pagamento de contribuições previdenciárias. 
A previdência é dividida em obrigatória e complementar. A obrigatória subdivide-se em Regime Geral (administrado pelo INSS) e Regimes dos Servidores Públicos, criados pelos entes federativos para seus próprios servidores titulares de cargos efetivos. 
O Regime Geral é dirigido a todos os trabalhadores, excluindo-se os servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e fundações, aos quais é destinada a proteção dos Regimes Próprios dos Servidores Públicos. Ainda são excluídos os militares, tanto os da União, quanto os dos Estados. 
A aposentadoria por tempo de contribuição paga pelos Regimes dos Servidores Públicos, até a EC nº 41/2003, correspondia à integralidade da remuneração do servidor em atividade, existindo regras de transição que garantem a integralidade para aqueles servidores que ingressaram antes da referida emenda constitucional. Para os servidores que ingressaram depois da mencionada emenda, os benefícios correspondem à média das remunerações, tanto no serviço público, quanto nas atividades privadas (na hipótese de o servidor ter trabalhado na iniciativa privada antes de ingressar no serviço público).
Registre-se que o Regime Geral – RGPS sempre apresentou um teto de proteção, que no ano de 2017 é de R$ 5.531,31. O mesmo limite pode ser adotado pelos Regimes dos Servidores, desde que oferecida proteção complementar, o que já ocorreu no âmbito da União e de alguns estados, como o de São Paulo e o do Rio Grande do Sul. A proposta de reforma torna obrigatória a adoção do teto do Regime Geral. Portanto, se aprovada todos os entes federativos deverão adotar o teto de proteção do Regime Geral (R$ 5.531,31). 
A Constituição ainda prevê a previdência complementar, a qual tem por objetivo proteger o trabalhador que recebe remuneração acima do teto de proteção da previdência obrigatória. A referida proteção é facultativa e seu objetivo é permitir a continuidade do mesmo nível de vida do trabalhador, especialmente quando seus rendimentos ultrapassam o teto de proteção da previdência obrigatória. 
O Regime Geral de Previdência Social é atribuição da União e, os Regimes Próprios dos Servidores Públicos, de cada um dos entes federativos. A previdência complementar é fiscalizada pela União. 
Visto as disposições da previdência social, a seguir serão demonstrados os gastos da União com a seguridade social em 2015 e 2016. Registre-se que além dos gastos da União há os dos Estados e dos Municípios, o que é significativo, especialmente em relação à previdência de seus servidores públicos. 
Em 2016, a União gastou, segundo o Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal,, somente com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (administrado pelo INSS) o valor de 499,5 bilhões de reais; com seguro desemprego e com o abono previsto no §3º do art. 239 da Constituição, 55,7 bilhões (também são prestações previdenciárias, nos termos do art. 201 da Constituição); e, com aposentadorias e pensões dos servidores civis e reformas e pensões dos militares, 113,7 bilhões. Dessa forma, apenas com proteção previdenciária foram gastos mais que 650 bilhões de reais. Com a saúde foram gastos 108,2 bilhões e, com assistência social, 79,7 bilhões. Com isso, as despesas da União, em 2016, com seguridade social totalizaram 856,8 bilhões. 
Em 2015, também segundo o Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal, os gastos foram de: 431,6 bilhões de reais com o Regime Geral de Previdência Social; 48,2 bilhões, com seguro desemprego e com o abono mencionado acima; 104,6 bilhões, com aposentadorias e pensões dos servidores civis e com as reformas e pensões dos militares (65,6 com os civis e 35,1 com militares). Assim, com proteção previdenciária o gasto total da União, em 2015, foi de 584,4 bilhões de reais. As despesas com a saúde foram de 102 bilhões e, com assistência social, 73,2 bilhões, totalizando 759,6 bilhões com seguridade social. 
As contribuições dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral, em 2015, foram de 72,3 bilhões; dos servidores civis, de 11,9 bilhões (ativos, inativos e pensionistas); e, as contribuições dos militares para as pensões representaram 2,65 bilhões (os militares federais não contribuem para suas reformas). Os gastos com o Regime Geral foram de 431,6 bilhões; com os servidores civis de 65,6; e, com os militares, de 35,1. 
Além das contribuições dos trabalhadores, há as contribuições dos empregadores sobre a folha (cota patronal), as quais também são dirigidas especificamente à previdência social. No ano de 2015, a contribuição dos empregadores sobre a folha foi de 201,4 e as contribuições substitutivas, no valor de 50,6, totalizando 252 bilhões que, somando-se as contribuições dos trabalhadores (72,3), perfaz o total de 324,3. Considerando que os gastos com o Regime Geral, no mesmo ano, foi de 431,6, a diferença foi coberta com as outras contribuições de seguridade social, que serão objeto de considerações abaixo.
Em 2016, a soma total das contribuições previdenciárias das empresas e dos trabalhadores, totalizaram 339,6 bilhões de reais e os gastos com o Regime Geral foram de 499,5 bilhões. Com os servidores federais civis e militares foram gastos 113,7 bilhões, sendo que as contribuições dos servidores civis ativos e inativos e pensionistas foram de 12,4 bilhões e a contribuição dos militares para as pensões foram de 2,9 bilhões. Portanto, mesmo somando a parte da União como empregadora (duas vezes a contribuição do servidor), a diferença entre receitas e despesas é suportada pelos cidadãos brasileiros, por meio do pagamento de tributos (contribuições de seguridade social ou impostos). 
Em relação à receita tributária da União, registra-se, com base no relatório já citado, que a receita líquida de impostos (excluindo-se os repasse constitucionais), em 2016, foi de 258,7 bilhões de reais, enquanto a receita de contribuições de seguridade social foi de aproximadamente 700 bilhões. Em 2015, a receita líquida de impostos foi de 203,4 e, de contribuições de seguridade social, em torno de 660 bilhões de reais. 
Esse é o quadro das receitas tributárias e as políticas políticas a serem implementadas não são só as de seguridade social. Há muitas outras, como as de educação, de segurança, de moradia, que também precisam de implementação. O contribuinte é um só: o mesmo que paga impostos, paga contribuições de seguridade social. Assim, considerando a receita tributária, excluindo as contribuições sociais, a receita da União é bem reduzida. Portanto, os ajustes da previdência devem ser vistos em um contexto mais amplo. 
Nesse sentido e para efeitos de comparação em relação aos gastos com previdência social, saindo das áreas integrantes da seguridade social, a União gastou, em 2016, com educação o montante de 106,7 bilhões e, em 2015, de 103,7. Desse modo, as perguntas que devem ser feitas são: quanto queremos gastar com previdência? Os gastos com a citada política podem ou não comprometer a efetividade de outras políticas, dentro e fora do sistema de seguridade social? 
Se hoje, com os dados demográficos atuais, o Brasil está gastando tanto com previdência, quanto não gastará em 20 ou 30 anos, quando as estimativas demonstram que haverá, proporcionalmente, uma população bem maior de idosos, em razão do aumento da longevidade e da redução da natalidade? Se os gastos com previdência são tão significativos, pouco sobrará para as outras áreas da seguridade social (especialmente para a saúde, que é dirigida a todos os brasileiros), bem como para os demais direitos que também devem ser efetivados, e não apenas aqueles integrantes da seguridade social. Portanto, a reforma da previdência deve ser inserida dentro das necessidades/recursos do sistema de seguridade social e das demais necessidades da sociedade brasileira. 
Deve ser ressaltado que a situação dos estados e dos municípios não difere muito, uma vez que os gastos com o pagamento de pessoal e com a previdência dos servidores tem consumido boa parte dos recursos, dificultando a efetivação de outras políticas sociais. 
Diante desse quadro, a reforma da previdência não deve ser uma preocupação deste ou daquele governo, deste ou daquele partido político. Deve ser uma política de Estado, pois interessa a toda a sociedade, não somente em razão da necessidade de sustentabilidade futura da previdência social, como também para a garantia de recursos que efetivamente possibilitem a universalidade da saúde, educação de qualidade para todos, assistência aos necessitados, segurança, dentre outras políticas públicas necessárias. 
Por fim, as mudanças não podem se restringir ao âmbito constitucional da previdência social, devem também alcançar a legislação infraconstitucional. Ainda, não é só a aposentadoria por tempo de contribuição que precisa de mudanças. A legislação dos benefícios por incapacidade tem estimulado a busca de benefícios, uma vez que os trabalhadores, muitas vezes, recebem mais de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez do que de remuneração do trabalho. Também, não se justifica a ausência de contribuição dos militares federais para as suas reformas. 
Além disso, não é só a previdência que precisa ser repensada, pois o benefício assistencial de um salário mínimo tem desestimulado o recolhimento para a proteção previdenciária futura. 
Enfim, a reforma da previdência social é necessária para garantir a efetividade da equidade intergeracional, protegendo não só os atuais beneficiários como também os futuros, bem como para garantir recursos para outras políticas sociais tão importantes quanto a previdência social.

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JOTA

Ajustes da previdência devem ser vistos em um contexto mais amplo

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