Vivian Fraga

João Paulo Salviano Almeida da Costa

<p align="justify">Com a (nem tão nova) Lei Antitruste brasileira<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> marchando para o seu oitavo ano de vigência, pode-se dizer que o Brasil tem feito um excelente trabalho em implementar uma “cultura de concorrência” à prática de fusões e aquisições (M&amp;A), tendo o instituído regime de controle prévio no Brasil atingido níveis de qualidade<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> alinhados aos das principais jurisdições mundiais.</p>
<p align="justify">No Brasil, significa que aspectos antitruste são levados em consideração ainda no início das negociações de M&amp;A, por exemplo, na redação de cláusulas contratuais que podem implicar a integração prematura de atividades entre as partes da operação e, consequentemente, resultar em significativas multas às empresas<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>-<a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>. Em operações internacionais, significa que os empresários reconhecem a necessidade de exame legal criterioso sobre a obrigatoriedade de notificação no Brasil ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).</p>
<p align="justify">A regra geral do duplo faturamento que torna obrigatória a apresentação de uma operação ao CADE já é bem conhecida: operações envolvendo um grupo econômico com faturamento registrado no Brasil de R$ 750 milhões e um outro grupo econômico com faturamento – também registrado no Brasil – de R$ 75 milhões.</p>
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</ul>
<p align="justify">Dúvidas surgem sobre a necessidade de apresentar ao CADE operações ocorridas no exterior que, ainda que se enquadrem na regra geral, ao menos em tese, não teriam efeitos no Brasil. Deseja o CADE analisar uma operação ocorrida inteiramente no exterior, e que não afeta o Brasil, somente porque as partes satisfazem a regra geral?</p>
<p align="justify">A própria Lei Antitruste brasileira já traz alguma indicação para responder a essa pergunta, ao estabelecer que ela se aplica “às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele possam produzir efeitos”<a href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>.</p>
<p align="justify">Assim, a conclusão possível é que o CADE exercerá sua jurisdição sempre que houver a demonstração da incidência de efeitos (ainda que potenciais) no Brasil (“Teoria dos Efeitos<a href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a>”). Trata-se, assim, de um “teste de efeitos locais”, que é o principal aspecto a ser considerado para analisar a necessidade de notificação ao CADE de operações ocorridas no exterior. A parte simples da identificação de efeitos no Brasil é a situação em que a empresa-alvo tenha ativos ou entidades legais em território brasileiro ou ainda que tenha receitas registradas no Brasil, mesmo que somente através de exportações, independentemente de seus valores.</p>
<p align="justify">A questão se complica, pois a Lei Antitruste não estabelece, de maneira expressa, as regras para a aplicação desse teste em potencial e/ou eventuais exceções. Como, então, determinar se uma operação realizada no exterior deve ser notificada no Brasil ou não?</p>
<p align="justify">Em situações em que a operação é ocorrida inteiramente no exterior (foreign-to-foreign) ou em que haja criação de joint ventures no exterior para desenvolver produtos ou negócios que não serão vendidos ao Brasil, a análise sobre a potencialidade dos efeitos está relacionada ao segmento afetado por ela. A pergunta que se coloca é: pode a operação em questão afetar de alguma forma o mercado brasileiro? Note-se que essa análise não é, a rigor, de efeitos anticompetitivos – essa é uma análise do mérito da operação a ser feita em um momento posterior – mas de onde a operação produzirá seus efeitos – ou seja, onde o negócio em questão atuará.</p>
<p align="justify">O CADE já teve a oportunidade de se manifestar sobre a sua jurisdição extraterritorial em atos de concentração entre empresas estrangeiras. Os casos identificados<a href="#sdfootnote7sym" name="sdfootnote7anc">7</a> permitem tirar algumas conclusões relevantes a respeito da necessidade de notificar operações no Brasil ocorridas inteiramente no exterior. Em especial:</p>
<ul>
<li>
<p align="justify">Se os produtos, negócios ou serviços envolvidos são, já foram, ou serão vendidos no Brasil;</p>
</li>
<li>
<p align="justify">Se a segmentação geográfica de um hipotético mercado relevante seria nacional ou internacional;</p>
</li>
<li>
<p align="justify">Se o mercado nacional é abastecido com produtos importados.</p>
</li>
</ul>
<p align="justify">Uma operação que resulte em resposta negativa à maioria das perguntas acima provavelmente não passaria pelo teste de efeitos no Brasil, e teria chance razoável de não ser conhecida pelo CADE. Entretanto, a ausência de uma orientação oficial da autoridade segue exigindo uma análise criteriosa dos especialistas da área no caso a caso.</p>
<h3 align="justify">Experiência internacional</h3>
<p align="justify">Nos Estados Unidos, o Hart-Scott-Rodino Act (HSR)<a href="#sdfootnote8sym" name="sdfootnote8anc">8</a> permite que aquisições de ativos no exterior sejam isentas da necessidade legal de notificação caso os ativos resultantes da operação tenham gerado menos de US$ 84,4 milhões em vendas nos EUA ou aos EUA no ano fiscal mais recente. Ou seja, ao contrário do Brasil, que adotou a “Teoria de Todos os Efeitos” (quaisquer efeitos mesmo se muito limitados e ainda que potenciais), os Estados Unidos estabeleceram uma espécie de “Doutrina de Efeitos Mínimos”, uma disciplina mais elaborada em não desejar analisar, sob a ótica antitruste, operações no exterior cujos ativos não tenham determinado patamar de vendas nos EUA.</p>
<p align="justify">No âmbito de controle de estruturas, a Comissão Europeia, nos termos da Council Regulation (EC) No. 139/2004 – EC Merger Regulation, prevê a aplicabilidade de sua jurisdição em todos os atos de concentração de dimensão comunitária que atinjam determinados parâmetros quantitativos, os quais são estabelecidos tendo por base o volume de negócios das empresas. Há exceções de notificação, como joint-ventures não consideradas “plenas”, ou full-function aplicáveis a operações em geral que também poderiam ser utilizadas para justificar a não apresentação de uma operação envolvendo partes que atinjam os critérios de faturamento na Europa.</p>
<p align="justify">Há que se observar que grande parte da doutrina e da jurisprudência<a href="#sdfootnote9sym" name="sdfootnote9anc">9</a> defende que os efeitos devem necessariamente ser previsíveis, imediatos e substanciais, ou seja, a probabilidade de que os efeitos venham a ocorrer deve ser real e efetiva.</p>
<p align="justify">A legislação brasileira, não exigindo expressamente que o efeito no território brasileiro de determinada operação seja consubstanciado para que seja possível a incidência da jurisdição do CADE, adota postura mais extensiva que EUA e União Europeia. Em nossas interlocuções com advogados especialistas em antitruste dessas jurisdições, vemos que operações semelhantes às de notificação obrigatória ao CADE não assim o são nessas jurisdições.</p>
<p align="justify">Ainda que se reconheça que a jurisprudência do CADE quanto à questão tenha evoluído significativamente desde a promulgação da Lei n° 12.529/2011, é desejável uma maior previsibilidade, baseada em critérios objetivos para além da regra geral do duplo faturamento.</p>
<p align="justify">Tendo em vista que a Lei Antitruste brasileira se absteve de definir com precisão ou de restringir o termo “efeitos”, há dúvidas em determinados casos se certa operação internacional gera a obrigatória notificação ao CADE.</p>
<p align="justify">Enquanto se aguarda que o CADE analise esse assunto mais a fundo e emita um entendimento positivado a respeito, ainda se exige uma análise cuidadosa e de especialistas na área de cada caso concreto.</p>
<p align="justify">--------------------------------------</p>
<div id="sdfootnote1">
<p><a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.</p>
</div>
<div id="sdfootnote2">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Desde a entrada em vigor da nova lei em 2012, o CADE tem consistentemente analisado cerca de (ou mais de) 400 atos de concentração por ano com tempos de análise também consistentemente baixos. Por exemplo, em 2018, o CADE analisou 404 operações, com prazo médio de análise de 27,4 dias.</p>
</div>
<div id="sdfootnote3">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> A Lei antitruste brasileira prevê severas punições para a integração prematura (antes do aval do CADE) de uma operação cuja apresentação é obrigatória ao CADE. As multas vão de R$ 60 mil a R$ 60 milhões, e o CADE pode até mesmo decretar o desfazimento da operação.</p>
</div>
<div id="sdfootnote4">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> De acordo com o Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica publicado pelo CADE, a consumação prévia de uma operação pode ocorrer até mesmo pela troca de informações sensíveis entre as empresas ou a ingerência de uma sobre a outra antes que o CADE autorize a operação.</p>
</div>
<div id="sdfootnote5">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> “Art. 2º. Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.”</p>
</div>
<div id="sdfootnote6">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a> De acordo com essa doutrina, as leis de defesa da concorrência de um país são aplicáveis a empresas estrangeiras e também a empresas domésticas localizadas fora de seu território, quando seu comportamento ou transações produzem "efeitos" dentro do território nacional. A Doutrina de Efeitos abrange empresas, independentemente da sua nacionalidade.</p>
</div>
<div id="sdfootnote7">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote7anc" name="sdfootnote7sym">7</a> (i) Ato de Concentração nº 08700.007305/2018-02 (DENSO Corporation e Aisin Seiki Co., Ltd.), entre outros em que TozziniFreire atuou em nome das Requerentes, (ii) Ato de Concentração nº 08700.000692/2018-48 (Requerentes: ExxonMobil Chemical Gulf Coast Investments LLC e SABIC US Projects LLC), (iii) Ato de Concentração nº 08700.006037/2016-31 (Knorr-Bremse Commercial Vehicles Systems Japan Ltd. e Bosch Corporation), entre outros.</p>
</div>
<div id="sdfootnote8">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote8anc" name="sdfootnote8sym">8</a> <span lang="pt-PT">A Lei Hart-Scott-Rodino estabelece no âmbito federal o controle prévio de atos de concentração econômica. Especialmente sobre o tema, v</span>ide as seções §802.50 e §802.51 do Hart-Scott-Rodino Act. Disponível em <a href="https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?rgn=div5&amp;node=16:1.0.1.8.87#se16.1.802_150">https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?rgn=div5&amp;node=16:1.0.1.8.87#se16.1.802_150</a>. Acesso em 31 de janeiro de 2019.</p>
</div>
<div id="sdfootnote9">
<p align="justify"><a href="#sdfootnote9anc" name="sdfootnote9sym">9</a> O tema dos efeitos já é discutido há bastante tempo na comunidade antitruste internacional. Desde 2005, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda que as autoridades antitruste exerçam sua jurisdição somente sobre operações que tenham um “nexo causal” apropriado com o território do país em questão. <span lang="en-US">Vide a </span><span lang="en-US">Recommendation of the OECD Council on Merger Review. </span>Disponível em <a href="http://www.oecd.org/daf/competition/mergers/40537528.pdf">http://www.oecd.org/daf/competition/mergers/40537528.pdf</a>. Acesso em 04 de fevereiro de 2019.</p>
</div>


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JOTA

Há dúvidas em determinados casos se certa operação internacional gera a obrigatória notificação ao CADE

Quando uma operação no exterior deve ser apresentada à autoridade antitruste?

Há dúvidas em determinados casos se certa operação internacional gera a obrigatória notificação ao CADE