Donovan Mazza Lessa

Marcos Correia Piqueira Maia

Em matéria tributária, um tema bastante complexo está relacionado à definição do que seria exatamente um “benefício fiscal” no âmbito do ICMS. Evidentemente que a questão pode ser analisada sob vários ângulos (até porque existe uma infinidade de incentivos, regimes especiais etc. concedidos pelos estados), mas o fato é que uma face dessa questão veio à tona com a edição da recente Lei nº 17.293/20 pelo estado de São Paulo.
Isso porque o art. 22 da Lei nº 17.293/20 autorizou o Poder Executivo a reduzir (em, no mínimo, 10%) qualquer benefício que esteja em vigor no estado e, em paralelo, inseriu nessa “categoria” todas as alíquotas que se encontrem fixadas em patamares inferiores a 18% (que é a “alíquota geral” para operações internas definida no art. 52, I, do Regulamento de ICMS do estado).
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Assim, o que se propõe analisar aqui é se esse racional adotado pelo legislador paulista – que classificou toda a alíquota inferior a 18% como benefício fiscal – estaria ou não correto, considerando a disciplina conferida ao ICMS pelo nosso ordenamento jurídico.
Não se pretende, portanto, buscar uma definição geral do conceito de “benefício fiscal” aplicável a todas as espécies tributárias, mas apenas àquele que seria válido no âmbito do ICMS.
O tema é intrigante, pois, em tese, a definição de uma carga fiscal reduzida para determinada operação – inferior àquela aplicável às demais – deveria ser considerada como benefício fiscal.
<blockquote class="jota-article__eye">Só que tal racional, isoladamente, não é adequado ao ICMS.</blockquote>
Isso porque o referido imposto, por expressa determinação constitucional (art. 155, §2º, III), deve observar o princípio da seletividade em função da essencialidade das mercadorias e serviços tributados, ou seja, deve recair de forma menos gravosa sobre os produtos e serviços indispensáveis para a população, ao passo que deve fazê-lo mais intensamente sobre aqueles considerados supérfluos.
Em outras palavras, a própria Constituição Federal admite (ou melhor, impõe) a instituição de múltiplas alíquotas sobre a vasta gama de operações oneradas pelo ICMS, o que significa que a mera existência de uma alíquota menos gravosa que outra não significa, necessariamente, a concessão de um benefício fiscal pelo estado-membro, para o produto ou serviço envolvido.
Dito isso, indaga-se: haveria um limite no ordenamento jurídico que nos permita definir se a alíquota (ou ainda, a carga total final) do ICMS para determinada operação pode ou não ser enquadrada como benefício fiscal?
Entendemos que sim.
O art. 155, §2º, IV[1] da Carta Magna atribuiu ao Senado Federal a prerrogativa de estabelecer, mediante resolução de iniciativa do presidente da República ou de um terço de seus membros, e aprovada por maioria absoluta, as alíquotas de ICMS aplicáveis às operações interestaduais. Tal competência foi regularmente exercida, tendo o Senado editado a Resolução nº 22/89, a qual fixou a alíquota para operações dessa natureza em 12%.
Na sequência, no inciso VI do mesmo §2º[2] do art. 155, o constituinte originário estabeleceu que, salvo deliberação em contrário dos estados – tomada nos termos do art. 155, §2º, XII, alínea “g”, ou seja, por meio de convênio elaborado no âmbito do CONFAZ[3] –, as alíquotas internas não poderão ser inferiores a prevista para as operações interestaduais.
Isto significa que o legislador estadual, dentro de sua autonomia para avaliar quais são as mercadorias e serviços considerados essenciais à população, pode fixar as alíquotas do imposto a partir de 12%.
Note-se que, nessa sistemática, a tributação mais suave de determinada mercadoria ou serviço não representa a concessão de um verdadeiro benefício fiscal, mas tão somente a adoção do princípio constitucional da seletividade ao ICMS – conforme a avaliação do legislador quanto à essencialidade do bem ou do serviço envolvido.
Já para alíquotas inferiores à 12%, os estados não têm autonomia para adotá-las unilateralmente. Para tanto, é preciso que haja a autorização dos demais estados, mediante a edição de Convênio pelo CONFAZ.
Desta forma, se a tributação a partir da alíquota de 12% pode ser aplicada livremente pelo legislador estadual, conforme a sua avaliação do que seja essencial, vê-se que somente a aplicação de alíquotas inferiores à 12% é que pode ser considerada como um efetivo benefício fiscal.
Basta pensar da seguinte forma: embora a alíquota geral do ICMS em determinado estado seja de 18%, o legislador estadual está livre para fixar, por exemplo, a alíquota do leite em 12%, sem que isso configure um benefício fiscal que demande prévia autorização do CONFAZ.
Esse racional é muito claro: a alíquota de 12% nesse caso expressa tão somente a aplicação concreta do princípio da seletividade do imposto, sendo certo que cabe ao legislador definir aquilo que considera essencial ou supérfluo para fins de fixação da carga do ICMS.
Em outras palavras, a alíquota de 12% é o “piso” do ICMS, mesmo para a mais essencial das mercadorias ou serviços.
De se notar que não há problema algum, pelo menos sob o ponto de vista do ordenamento constitucional, que os estados adotem alíquotas diferentes para os mesmos produtos, pois, dada a autonomia fiscal imanente ao federalismo, cada um deles pode definir as suas alíquotas livremente – estando no âmbito da discricionariedade do legislador a eleição dos produtos que devem receber alíquotas menores por conta de sua essencialidade.
Por exemplo, o chimarrão, produto consumido amplamente pelos gaúchos, pode ser considerado por lá um produto essencial, não ocorrendo o mesmo na Bahia. Já o legislador baiano, por sua vez, poderia aplicar a menor alíquota – 12% – ao azeite de dendê, produto onipresente na culinária baiana e largamente consumido pela população daquele estado.
Por outro lado, se o estado, por questões extrafiscais, pretende tributar determinada mercadoria ou serviço com alíquota inferior à 12%, será necessário que obtenha primeiro a autorização dos outros estados. Em outras palavras: para tributar aquém da alíquota mínima (12%), é preciso conceder um benefício fiscal, o que, nos termos da Constituição Federal, só pode ser dado após a chancela prévia obtida no âmbito do CONFAZ.
Diante disto, concluímos que, tecnicamente, não constituem benefícios fiscais – pelo menos aos olhos do constituinte – a edição de normas que, sob o pretexto de incentivar a comercialização de determinado produto ou serviço, venham a reduzir a alíquota interna de ICMS para até 12%.
Essa lógica do ICMS já foi há muito identificada pelo STF, como se pode ver pelas conclusões do ministro Nelson Jobim, na ADI nº 1.978-MC/SP, julgada pelo Plenário do STF no ano de 1999, quando se deixou consignado que a deliberação dos estados é dispensável – por não se tratar de benefício fiscal – quando a alíquota interna for fixada em patamar igual ou superior à alíquota interestadual: “O Convênio só era exigível se a alíquota da lei paulista fosse inferior à alíquota interestadual. (…) Fora dessa hipótese, não há que se falar em convênio para autorizar os estados a fixarem suas alíquotas internas. É matéria de sua autonomia constitucional.” Tal entendimento foi replicado em vários outros precedentes, como na ADI nº 2.021-8/SP.
Feitas essas considerações, conclui-se que se equivocou o legislador paulista ao pretender enquadrar, na condição de benefício fiscal, toda e qualquer alíquota que tiver sido fixada em patamar inferior a 18%.
O dispositivo contido no art. 22 da Lei nº 17.293/20, portanto, não encontra respaldo na Constituição Federal, motivo pelo qual a redução em 10% prevista na referida lei não deveria alcançar as mercadorias cujas alíquotas do ICMS estiverem fixadas em patamares superiores a 12%, por não ser o caso de efetivo benefício fiscal.
É compreensível a tentativa do estado de São Paulo de tentar incrementar a sua arrecadação, mas, para fazê-lo, deve respeitar a nossa Constituição e o ordenamento jurídico em vigor.
<hr />
<div id="teste3-99b6e4ed7825b47581be" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm();</script> 
<script type="text/javascript">
setTimeout(function(){
 const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n")
 const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c")
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 check.addEventListener("click", function() {
 if (check.checked){
 btn.disabled = false;
 btn.style.opacity = 1;
 } else {
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 }
 });
}, 3000);
</script>
<hr />
Notas:
[1] “Art. 155. §2º. (...)
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação.”
[2] “Art. 155. §2º. (...)
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, ‘g’, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais”.
[3] Seguindo os ditames da Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional para regular a forma como os Estados irão conceder ou revogar benefícios fiscais.

responsabilidade tributária

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Reflexões sobre autonomia do legislador estadual e a seletividade

Quando uma alíquota pode ser considerada benefício fiscal no âmbito do ICMS?

Reflexões sobre autonomia do legislador estadual e a seletividade