Fernando Faria

Equivocadamente, o Superior Tribunal de Justiça alterou recentemente o próprio entendimento sobre a dupla incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados. No julgamento do EREsp nº 1.403.532/SC, a Corte mudou o posicionamento pacificado em 2014 (EREsp n°1.398.721/SC) sobre cobrança do IPI na revenda de mercadorias importadas que não sofreram nenhum processo de industrialização no Brasil.
A legislação é clara ao dizer que o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados - IPI é o ato de industrializar o produto, ou seja, o critério material para configurar a incidência do IPI é o processo de industrialização, conforme destacado no Código Tributário Nacional:
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. 
Em breve análise das determinações contidas no citado artigo, é evidente a impossibilidade e a ilegalidade da exigência do IPI sobre simples revenda de mercadoria importada que não sofra nenhum processo de industrialização.
A legislação do IPI é clara até para caracterizar o critério material do termo “industrializar”, é definido de maneira peremptória pelo Decreto 7.212/2010:
Art. 3˚.  Produto industrializado é o resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária. (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm#art46p">Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único</a>, e <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4502.htm#art3">Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º</a>)
Art. 4o. Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm#art46p">Lei nº 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único</a>, e <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4502.htm#art3p">Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único)</a>:
I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);
II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);
III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);
IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou
V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).
A leitura do dispositivo acima evidencia que a própria definição de industrialização nomeada e determinada pelo Decreto 7.212/2010 não engloba a atividade de revenda. A compreensão de industrialização, de acordo com Marçal Justen Filho é a seguinte:
As atividades materiais de produção ou beneficiamento de bens, realizadas em massa, em série, estandardizadamente; os bens industrializados surgem como espécimes idênticos dentro de uma classe ou de uma ‘série intensivamente produzida’ (ou produtível, ‘denotando homogeneidade não personificada nem personificável de produtos’); sendo certo que ‘industrializar, em suma, é conceito que reúne dois requisitos (aspectos) básicos e necessários, quais sejam: a) alteração da configuração de um bem material; b) padronização e massificação. <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A competência restritiva da União para instituir o Imposto sobre Produtos Industrializados, prevista constitucionalmente, é externada pelo Decreto 7.212/2010, que segundo Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, demonstra a finalidade para qual o tributo foi criado, qual seja tributar as operações de industrialização <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
É evidente que as empresas importadoras comerciantes que não modificam a natureza, o funcionamento, o acabamento, a finalidade ou a apresentação dos produtos que comercializam, não podem ser tributadas pelo IPI na simples revenda da mercadoria que adquirem no mercado externo, pois não há previsão legal para essa incidência.
Destaca-se, ainda, que não há questionamento acercar do dever de recolher o IPI no momento do desembaraço aduaneiro da mercadoria importada pelo comerciante, mas sim a respeito da exigência do mesmo tributo em decorrência da sua comercialização na revenda aos consumidores do mercado interno, na esteira do artigo 46 do CTN, antes transcrito.
Dessa forma, a determinação constante inciso II do artigo 46 do CTN não atinge a hipótese descrita no inciso I, pois esse inciso refere-se apenas ao IPI “importação” e não ao IPI “industrialização” como entendia o STJ em 2014 no julgamento do EREsp 1.398.721/SC:
A norma do parágrafo único constitui a essência do fato gerador do imposto sobre produtos industrializados. A teor dela, o tributo não incide sobre o acréscimo embutido em cada um dos estágios da circulação de produtos industrializados. Recai apenas sobre o montante que, na operação tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, ressalvadas as exceções legais. De outro modo, coincidiriam os fatos geradores do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre circulação de mercadorias. Consequentemente, os incisos I e II do caput são excludentes, salvo se, entre o desembaraço aduaneiro e a saída do estabelecimento do importador, o produto tiver sido objeto de uma das formas de industrialização. Embargos de divergência conhecidos e providos.
Conforme relatado, no artigo 46, I, do CTN, o fato gerador do IPI na importação de produtos industrializados é o respectivo desembaraço aduaneiro, e não a simples saída dos estabelecimentos importadores.
Resta clara a necessidade de industrialização ou aperfeiçoamento do produto importado para que possa haver a incidência do IPI no segundo momento, qual seja, a sua saída para o mercado interno. Isso porque o fato gerador do IPI não é a saída do produto importado do estabelecimento do importador, e sim o processo de industrialização.
A saída de produtos de estabelecimentos só configura o verdadeiro e único fato gerador do IPI quando há industrialização do produto, de modo a tornar a cobrança ilegítima caso sua industrialização não ocorra, conforme traz o parágrafo 1° do artigo 2° da Lei 4.502/64, in verbis
Art. 2˚. Constitui fato gerador do imposto:
<ul>
<li>1º. Quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial</li>
</ul>
Conclui-se que o STJ ignorou o próprio Regulamento do IPI estabelecido pelo Decreto 7.212/2010, em que afasta a possibilidade de cumulação da exação tributária ao incluir a conjunção alternativa “OU” nos incisos I e II do artigo 35, vejamos:
Art. 35.  Fato gerador do imposto é <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4502.htm#art2">(Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º):</a>
I - o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; ou
II - a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.
Assim, tratando-se de empresa revendedora de importados, o fato gerador do IPI ocorre, somente, no desembaraço aduaneiro. Não sendo viável nova cobrança do IPI na saída desse produto que não sofreu nenhum processo de industrialização em território nacional, ante a vedação ao fenômeno da bis in idem.
O STJ, portanto, comete equivoco ao alterar o entendimento e permitir a dupla incidência do mesmo tributo (IPI), primeiro pelo desembaraço aduaneiro, e, depois pela revenda da mercadoria que não sofreu qualquer processo de industrialização no Brasil, pois configura o bis in idem inconstitucional, e ainda, afronta o princípio da isonomia, da legalidade e da competência tributária.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>FILHO, Marçal Justen. O Imposto sobre Serviços na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, pg. 115.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>CASSIANO, Adão Sérgio do Nascimento. Direito Tributário. 1ª Ed. Adão Sergio do Nascimento Cassiano; Igor Danilevicz; Maurício Batista Berni. Porto Alegre. Síntese. 2000. p. 136.
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JOTA

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