Antônio Nunes Pereira

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor">#pergunte ao professor</a>.
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Neste episódio de nº 68 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Qual será o futuro do Direito do Trabalho pós internet?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Antônio Nunes Pereira.
O aplicativo de celular sinaliza a chegada de uma mensagem. Não se trata de meme de vacinas. Eu li o que você apagou ou coisas que tornam a vida um pouco mais suave. Inputs vêm da(s) América(s) do direito trabalho do futuro e das normas. A luz já não vem da lamparina, mas de uma lanterna que pilha sequer usada em prol do meio ambiente. O que aquece os alimentos não é mais o fogo e a fagulha não vem do fósforo.
O que virá e o que já estamos sentindo é intenso. Tem gente que voltou para a lenha por outras questões que não tenham necessariamente correlação com a apreciação gourmet. Talvez um digital life style tenha ocupado o espaço da construção democrática dos marcos legais pelas enxurradas de risadinhas e compartilhamentos. Professor, terá parabéns pelo seu dia, mas por onde andas o direito responsivo e a regulação socialmente construída?
Não será difícil convencer a um cético leigo que está a pensar que a lei se mostra objetiva, tome a ressonância das palavras @Nobre Leitor@ que traduzem um tempo de maior ligação dos processos legislativos com a cidadania, a sociedade e numa nova economia que move o mundo. Para avaliá-los, é preciso de uma rede de conceitos e evidências.
Em apertada síntese, a gig economy ou economia das plataformas digitais passaram a dinamizar as relações sociais, o estilo de vida, a cultura, a forma de ganhar dinheiro, fazer audiências e até a maneira de como caçar, transportar e, simplesmente, comer e vestir. Ela é melhor explicada por meio do exemplo de poderosos aplicativos, unicórnios ou não, que mobilizam milhões de pessoas ao redor do mundo para a prestação de serviços, numa perspectiva autônoma, e com vinculações que se não rompem, por não serem iguais à tradicional hierarquia funcional. Não nego em minhas memórias a literatura de Luhmann, Feliciano, Han e Pachuca.
Se há um sistema político, distinto do social e, mas distinto ainda do jurídico, esse é representativo das novas modelagens de soft law que, doravante, estão a redefinir novas gramáticas e a busca de evidência de um direito que ainda e continua a bem conformar a sociedade em prol de frações. O lícito ou seu negativo se não se misturam, recebem tensões de uma nova economia da velocidade, alta frequência, e de políticas que vão se intensificando mundo afora para reduzir os impactos nocivos desse movimento.
O conceito de infoproletariado quando encontra ciclistas que dormem em praças, negando o direito fundamental da moradia, utopia garantista, soa eufemismo, mas também um vazio legal que permite a barbárie de auto dilaceração. Figura essa que também é replicável num trabalhador de uma sociedade que é também do cansaço que passa mais de 20 horas plugado oferecendo atendimento para aprendizagem de idiomas ou diversos serviços que terminarão em um karoshi com seus temperos locais.
Nesse território não há flexissegurança; há mais vazio e uma abstenção, numa avaliação criteriosa, do processo legislativo quanto a gig economy; prejudicial mesmo para empreendedores mais conscientes do potencial socioeconômico das empresas de plataformas. Sandboxes, direito responsivo, não, nada. Vazio.
Do meu pequeno legado de pesquisas exploratórias vão recolhendo vestígios de uma raia na qual o país se encontra, cada vez mais isolado. É o caso do avanço, experiência da Colômbia que possui normatização robusta, e até mesmo uma cartilha, sobre o teletrabalho, sendo que o mesmo celular, hoje, me informa que o México já tem sua própria lei sobre o tema.
Também tem a Terra Prometida do Pleno Emprego da Reforma Trabalhista que nos levou, na visão do que está aí: essas estatísticas de desemprego que dizem uma parte do impacto da Restauração Trabalhista, retrocesso para muitos e avanços para poucos. Um inferno de Danieis com muito assistencialismo, pouco emprego para muitos, e varandas para os seletos empregados high tech de uma reduzida classe nível superior (talvez não) com salário titulado no teto previdenciário.
Nesse aspecto, posso defender que no Brasil o tema da gig economy, mesmo na sua dimensão maximizada durante a Pandemia é, carinhosamente, incipiente numa comparação próxima. Ainda o nosso processo legislativo conseguiu sequer oferecer uma Lei sobre o Teletrabalho que fica ali, fragmentado na Lei da Reforma Trabalhista com bizarras atrocidades que transgridam o legislado ou negociado como fonte jurídica ao comprometer a jornada de trabalho ou ainda a possibilidade de compensação de custos num mundo de engenharia simultânea em que até os fornecedores são cada vez mais desenvolvidos e capacitados pelas empresas âncoras.
Já temos no interior dos lares brasileiros, programadores de games sendo empregados de multis norte, na gig economy há um vácuo regulatório que demanda uma intervenção transnacional. Não culpo o trabalhador que procura apoio nas plataformas de programação de lugar nenhum, pois no seu lugar, no aqui, não há empregos ou uma regulação aceitável previdenciária de freelancer. Vamos tentar um tributo global de proteção social ou continuamos no vácuo e na bitcoinização dos talentos ou força de trabalho nacionais. Jurisprudência? Tema para outro artigo.
Não se pode esquecer de outra direção que influencia a perspectiva para a análise do direito do trabalho do futuro, o que quero demarcar como Direito do Trabalho Pós Internet, sua baixa conexão e produtividade com o processo legislativo. Aqui é o vento quente da cidadania, nesse outubro frio, na construção social de normas jurídicas.
Se o direito inglês trouxe a coerção de empresas de aplicativos custear seguros e previdência para seus motoristas, aliviando o custo social de uma parcela restrita de trabalhadores; na Califórnia há uma radicalização democrática, quando há uma proposta de plebiscito para que a população ajude os políticos a delimitar se os motoristas de aplicativos devem ser considerados autônomos. Urge uma nova legitimidade pelo procedimento para o processo legislativo como interação direta com empresas, operadores, imersões, buscando incrementar as consolidadas discussões de bancadas. No Direito do Trabalho pós Internet não pode prevalecer o vácuo. Mexamos.
Embora não ouse pensar em pesquisas na criação de uma nova gramática do direito do trabalho do futuro, pode-se defender que alguns elementos devam ser considerados nas discussões legislativas. Os desenvolvimentos sociais de economia de redes, tecnologia da informação, são relevantes. Um direito do trabalho que conecte a justa expectativa social por empregos com dignidade em sua dimensão plural com uma economia de inovações é uma construção a ser socialmente elaborada.
Passo seguinte a analisar 2 (dois) trechos de propostas de lei encontradas em uma apertada varredura nos websites da Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Acredita-se que se trata de amostra representativa de uma não numerosa atividade dedicada ao tema a despeito de sua enorme contribuição econômica e social da gig economy. Será feita uma breve resenha de tópicos, com a tentativa de avaliação sobre a rede de conceitos, proposta sintética.
Em 2017, por meio de audiência pública, a Professora Ana Lavaqual propôs o tema de  economia colaborativa. Verifica-se que essa iniciativa parou em uma Comissão Temporária sobre o marco regulatório da economia colaborativa, chegando sequer a votação em plenário.
O Deputado do Partido da Democracia Trabalhista (PDT) do Estado de Minas Gerais, Mario Heringer propôs a regulamento do trabalho por aplicativo em 2019. Trata-se de uma iniciativa mais robusta, esse clichê que vamos naturalizando, o Projeto de Lei 6.015/2019, que inclui modificações na constituição federal e encontra-se em tramitação. Ainda no referido ano foi iniciado um projeto de lei de autoria do Deputado Major Olimpo que em linha com a experiência inglesa apresentada no ensaio adiciona obrigações previdenciárias para as empresas de plataforma.
Já em 2020, meu foco, por meio do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e do Partido dos Trabalhadores. Jacques Vagner  (PT-BA) procurou enfrentar aspectos de caráter da constitucionalidade das práticas laborais das startups e na possibilidade de associação dos profissionais de aplicativos, valendo agregar que a última iniciativa procura criar uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico para financiar a flexissegurança com potencial implicar qualificação para trabalhadores do segmento. Velhas formas, tributar.
<table width="605">
<tbody>
<tr>
<td width="53">Ano</td>
<td width="553">Síntese</td>
</tr>
<tr>
<td width="53">2017</td>
<td width="553">Pensar novos modelos de negócio a partir da tecnologia e ecossistema</td>
</tr>
<tr>
<td width="53">2018</td>
<td width="553">Não localizado</td>
</tr>
<tr>
<td width="53">2019</td>
<td width="553">1. relação de emprego entre prestadores de trabalho de transporte terrestre, por meio de plataforma de aplicativo; 2. a fonte de custeio da seguridade social</td>
</tr>
<tr>
<td width="53">2020</td>
<td width="553">1. Inconstitucionalidade de regras legais de startups (regras abertas e 180 dias de contrato de experiência); 2. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico para financiar flexissegurança.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Quadro 1: Recortes Legislativos.
Assim, embora a gig economy seja notória anteriormente ao atual ano da pandemia (2021), pode-se avaliar como urgente a busca por um marcos regulatórios sejam para garantir segurança jurídica para os agentes econômicos e proteger as relações trabalhistas já num contexto mais amplo para o conceito de emprego ou relação jurídica da gig economy.
Assim terminando por ousar ou avançar as lições do Feliciano  (2013) de um Direito do Trabalho garantista a um experimental, baseado em práticas inovadoras de regulação, ou simplesmente no lugar do tradicional processo legislativo um processo de sandbox.
Ao cabo, conclui-se que  há um incremento de iniciativas, mas ainda é incipiente a atividade legislativa sobre o tema; possivelmente associada a uma necessária aculturação sobre o que é e quais serão os impactos da gig economy para o trabalho e o seu direito. Feliz Dia do Professor. Obrigado e Muita Força.
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BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 29, de 26 de outubro de 2020, DE 26 DE OUTUBRO DE 2020. Estabelece as diretrizes para funcionamento do Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento (Sandbox Regulatório) e as condições para o fornecimento de produtos e serviços no contexto desse ambiente no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Disponível em: &lt; https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&amp;numero=29 &gt;. Acesso em 11 dez. 2020.
BARROS FILHO, C. Comentários ao PLP 146/2019: Relações de trabalho. [Sindicato Nacional de Auditores do Trabalho, 2020]. Disponível em: &lt;https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/ especiais/56a-legislatura/plp-146-19-startups/apresentacoes-em-eventos/Celsode BarrosFilho.pdf&gt;. Acesso em: 8 dez. 2020.
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petropolis: Vozes, 2014.
CÂMARA FEDERAL. PL 6015/19, de autoria do Deputado Federal, Mário Heringer. Disponível em: &lt;https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao ?idProposicao= 2229723&gt;. Acesso em: 10 dez. 2020.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 626, de 15 de maio de 2020. Dispõe sobre as regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório). Disponível em: &lt;http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst626.html&gt;. Acesso em 11 dez. 2020.
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______________. Curso crítico do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013.
HAN, B. C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
LAVAQUIAL, A. Economia Colaborativa. [Apresentação à Comissão Temporária da Câmara Federal, em 2017]. Disponível em: &lt;https://www2.camara.leg. br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/ cesp-marco-regulatorio-da-economia-colaborativa/documentos/audiencias-publicas/ ANACamara_BSB_out17_AnaLavaquial_ Audiencia_EcoColaborativasemtexto.pdf&gt;.  Acesso em: 9 dez. 2020.
MIZIARA, R. Moderno dicionário de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
NONET, P.; SELZNICK, P. Direito e sociedade. São Paulo: Revan, 2010.
SENADO FEDERAL. Emenda à PEC 100/19, de autoria do Senador Federal, Major Olimpio. Disponível em: &lt;<a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?%20dm=7992363&amp;disposition=inline">https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento? dm=7992363&amp;disposition=inline</a>&gt;. Acesso em: 9 dez.2020.
______. Projeto de Lei 3570/20, de autoria do Senador Federal, Jacques Wagner. Disponível em: &lt;https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/ 143149&gt;. Acesso em: 7 dez. 2020.

Qual será o futuro do Direito do Trabalho pós internet?

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JOTA

Plataformas digitais passaram a dinamizar as relações sociais, estilo de vida, cultura, e até a forma de fazer audiências

A economia das plataformas digitais passaram a dinamizar as relações sociais, estilo de vida, cultura, e até a forma de fazer audiências