Cecília Cunha

Muito se ouve falar que os dados são o principal ativo da Economia Digital. Se por um lado as organizações aproveitam a alta capacidade de processamento de dados para reduzir custos e personalizar experiências, por outro os consumidores estão cada vez mais dispostos a compartilhar informações pessoais em troca de uma melhor experiência, produto ou serviço. Formado o cenário, compreende-se a necessidade de se impor “ordem na casa”. Isso é feito através do estabelecimento de novas regras capazes de equilibrar a relação entre os dois polos.
Para ganho de competitividade no mercado mundialmente, as organizações que utilizam dados como sua matéria-prima estão direcionando o foco para a adequação de suas ações ao que vem sendo exigido pelas atuais regulamentações que versam sobre o uso dos dados pessoais. Seguindo essa linha de raciocínio e acompanhando a tendência mundial de tutela dos dados pessoais, o Brasil aprovou, em agosto de 2018, a tão comentada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor em agosto de 2020.
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A nossa lei de proteção de dados – que foi fortemente inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu, marco regulatório que unificou o entendimento da União Europeia sobre o tema – traz embutido o discurso de assegurar o correto tratamento de dados pessoais e promover o livre fluxo dessas informações, favorecendo o desenvolvimento do mercado e garantindo informações claras e transparentes ao titular do dado sobre como e para que suas informações estão sendo utilizadas.
Para fortificar o conceito de que o dado pertence ao seu titular, ainda que esteja em posse da organização, a lei traz como um dos seus fundamentos a autodeterminação informativa, conceito já bastante difundido na doutrina brasileira, mas que encontra novo aspecto e relevância dentro do contexto social e jurídico trazido pela valorização da privacidade e proteção de dados pessoais. Assim, a pessoa natural passa a ser protagonista tanto no fornecimento quanto na forma do uso de suas informações, uso esse que deverá corresponder a uma finalidade legítima, específica e informada, nos termos da lei.
Não é novidade que o atingimento da privacidade e proteção de dados pessoais na sociedade da informação é um desafio cada vez mais premente, principalmente quando se observa o grande avanço da tecnologia e a quantidade de dispositivos conectados por variados meios e formas. O impacto no marketing digital, que se alimenta massivamente do Big Data e que conta muitas vezes com tratamentos automatizados para geração de perfis e análises preditivas, é inconteste e alguns cuidados precisam ser adotados.
No entanto, o cerne da questão não é (e nem pode ser) a inviabilização do serviço de marketing digital, o que acarretaria em grande retrocesso. Compreendido isso, em vez de assumirmos o luto pelo suposto fim dessa prática comercial, é necessário concentrarmos nossas energias no que precisará ser reavaliado quanto ao modus operandi dessa atividade específica com o advento da LGPD.
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<li>Autoconhecimento: Quando a organização mapeia seus processos internos onde há o tratamento de dados pessoais, ela passa a conhecer o seu risco e melhor gerencia-lo, apostando na qualidade e exatidão do dado e identificando a real necessidade de tratamento com base na finalidade pretendida. Isso também permite a otimização do tempo e do espaço de armazenamento nos seus servidores com o descarte das informações desnecessárias e “poluentes”.</li>
<li>Políticas e Termos: Termos de adesão tradicionais, com inúmeras cláusulas e disposições dotadas de alto grau de “juridiquês” precisam dar lugar a soluções inovadoras no que tange à comunicação entre usuário e apps. Cabe ressaltar que já existem, inclusive, aplicativos que se valem de técnicas de mecânicas dotadas de “check-box” para a comunicação inicial com o usuário, visando deixar claro quais são as obrigações de cada uma das partes. A depender da aplicação, caso exista background em blockchain, os termos de uso e privacidade podem, inclusive, ser desenvolvidos em linguagem própria de programação, por smart contratcts, eliminando totalmente a chance de interpretação ambígua de cláusulas.</li>
<li>Base legal preexistente: Para legitimar uma base de dados, todos os tratamentos deverão estar inseridos em uma das dez bases legais para o tratamento, previstas na LGPD. A depender do caso, se a organização possui uma relação comercial com uma pessoa natural, é possível que ela se valha do seu legítimo interesse para envio de e-mail marketing correlato, ressalvada a possibilidade de opt-out com a inserção automática de um link para descadastramento, em observância às melhores práticas do mercado.</li>
<li>Cookies: Eles são capazes de mapear as “pegadas” deixadas pela navegação do usuário na Internet e são usados muitas vezes para direcionar publicidade a partir da identificação de um padrão de comportamento na web. A partir deles é possível o fornecimento de publicidade direcionada, mas a transparência sobre a forma de sua utilização precisa ser considerada, sempre.</li>
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A título de exemplo prático, em janeiro de 2019 a Comissão Nacional de Proteção de Dados Francesa (CNIL) impôs uma multa de 50 milhões de euros contra a companhia Google LLC, por falta de transparência, informações imprecisas, falta de consentimento válido nos seus anúncios e por não possuir uma base legal válida para tratar os dados pessoais dos usuários de seus serviços, especialmente para fins de personalização de anúncios baseados nos dados coletados, incluindo consultas de pesquisa, atividades, visitas a sites ou aplicativos, informações demográficas ou localização de um usuário.
A Comissão concluiu que (i) as informações fornecidas pelo Google não eram de fácil acesso aos usuários, e a estrutura informacional da empresa não estava adequada ao Regulamento Europeu; (ii) as informações essenciais, como finalidade do tratamento, período de armazenamento dos dados, eram abordadas de forma esparsa em diversos documentos diferentes e de maneira confusa; (iii) o consentimento era viciado, segundo a Comissão, porque as informações às quais os usuários deveriam anuir eram diluídas em variados documentos.
No Brasil, esse tipo de preocupação já existe, ainda que a lei não esteja valendo. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuizou uma ação civil pública contra a Telefônica com o objetivo de suspender a comercialização de um dos seus produtos. Segundo o MPDFT, o aplicativo Vivo Ads estaria, através do serviço de envio de mídia geolocalizada, oferecendo publicidade direcionada com base no uso de dados qualificados dos clientes (como perfil, geolocalização, lugares frequentados e comportamento dos consumidores) sem a devida transparência sobre a prática. A prestadora de serviços rebateu o argumento, afirmando que a coleta dos dados se deu através do consentimento livre, expresso, incondicionado e informado do cliente.
A ação foi julgada improcedente, de acordo com decisão proferida em 4 de novembro de 2019, por não restar demonstrada a efetiva violação no tratamento de dados. Ficou também considerado que o raio de precisão dos dados coletados representaria tão somente uma perspectiva de localização dos titulares.
Nos dois casos apresentados, são identificadas atividades possíveis, desde que aplicado o fundamento da autodeterminação informativa, observada a finalidade do tratamento e privilegiado o princípio da transparência, que assume o protagonismo da prosa cliente-prestador de serviço. A conformidade com a LGPD tem muito mais a ver com a ressignificação da relação com o titular dos dados (seja ele cliente ou até mesmo um colaborador), com o provimento de informações claras e medidas técnicas de segurança do que com multas, proibições, impedimentos e com o fim dos modelos de negócios e das atividades baseadas no tratamento de dados. Esse discurso apocalíptico não deve prosperar, o que deve ser ponderado é como as atividades poderão acompanhar as mudanças a nível mundial, mantendo-se em destaque e compliant.
O xis da questão consiste, portanto, na observância dos conceitos e na mudança de mindset que a LGPD traz para que as empresas aproveitem a oportunidade de saírem na frente, aumentando o seu valor intangível através de uma boa reputação no mercado até porque uma das penalidades que a lei prevê é a publicização da infração, ou seja, anos de confiança no mercado poderão ser seriamente afetados por conta de um incidente de segurança cibernética mal gerenciado.
É por essas e outras que é tão importante a implementação de um programa efetivo de privacidade e proteção de dados que garanta o autoconhecimento empresarial sobre os processos internos que envolvem tratamento de dados, a adoção de medidas administrativas e técnicas de segurança da informação e a produção de evidências sobre essas medidas adotadas, independentemente do modelo de negócio.

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JOTA

Necessário concentrarmos no que precisará ser reavaliado quanto ao modus operandi dessa atividade com o advento da LGPD

Qual o impacto da LGPD no marketing digital?

Necessário concentrarmos no que precisará ser reavaliado quanto ao modus operandi dessa atividade com o advento da LGPD