Fernanda Gueiros Bernardes

A pergunta surgiu há mais de 12 anos, com o advento do Código Civil de 2002. O novo diploma legal revogou parcialmente o Código Comercial e, entre os dispositivos extintos, estava justamente aquele que previa o prazo prescricional de 1 (um) ano para as ações de sobre­-estadia (art. 449, 3) [1].
A partir daí surgiram diversas teses jurídicas visando suprir a aparente lacuna criada pela derrogação supramencionada, pois o novo Código Civil não previu expressamente um prazo para ações de sobre­-estadia ou mesmo para ações relacionadas ao transporte marítimo de uma forma geral.
E, quando parecia que o STJ consolidava entendimento a respeito, começaram a surgir decisões em sentidos opostos, indicando que a controvérsia pode demorar para chegar ao fim.
Demurrage ou Sobre-­Estadia
O termo demurrage, ou sobre­-estadia, é geralmente empregado para se referir à quantia devida pela estadia do navio além do período estipulado em um contrato de fretamento por viagem. O contrato, denominado carta-­partida, prevê o tempo que a embarcação tem para carregamento e descarregamento. Esse período é chamado de laytime. O laytime pode ser determinado em dias ou horas. Quando o laytime termina sem que as operações de carga ou descarga estejam concluídas, o afretador é obrigado a pagar um montante adicional ao fretador pela sobre­-estadia.
Da mesma forma, se o afretador conclui as operações de carga e descarga antes do fim do lapso do laytime, ele pode ser beneficiado pelo dispatch, que é uma compensação financeira pela sub­-estadia do navio.
A demurrage também se aplica a contêineres, quando não devolvidos após o decurso do prazo contratual. Assim, o consignatário do contêiner pagará uma soma ao armador pelo atraso em sua devolução.
O Debate sobre o Prazo Prescricional
Uma das possíveis soluções para se definir o prazo prescricional de demurrage estaria em determinar a sua natureza jurídica, a fim de enquadrá-­la em alguma das hipóteses prescricionais previstas pelo Código Civil de 2002. Contudo, nem a doutrina, nem a jurisprudência tem encontrado uniformidade no entendimento a respeito da natureza jurídica da demurrage. Uns dizem que ela é indenizatória. Outros, que é uma multa contratual. Há uma corrente que debate que o Código Civil não se aplica ao caso, por existirem leis específicas sobre o tema. Os entendimentos divergem entre os prazos de 1, 3, 5 e 10 anos para a cobrança.
Para os que defendem que a demurrage tem natureza indenizatória, o prazo prescricional aplicável seria o de 3 (três) anos, previsto no artigo 206, § 3 ̊, V do Código Civil, pois o intuito da cobrança é reparar o armador pela entrega tardia do contêiner, também conhecido como unidade de carga.
. 
Os que entendem que a demurrage tem natureza de multa contratual pelo descumprimento do laytime intercedem pelo prazo prescricional de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 206, § 5 ̊, I do Código Civil.
Muitos debatem que a prescrição aplicável é a de 1 (um) ano prevista no artigo 22 da Lei n ̊ 9.611/98 e no artigo 8 ̊ do Decreto-­lei n ̊ 116/67, por serem estas normas específicas sobre o assunto, tratando, respectivamente, do transporte multimodal de cargas e do transporte de mercadorias pela via aquática. Alegam que o princípio da isonomia não admite tratamento diferenciado para situações similares e, por isso, o prazo de um ano se aplica a todos os litígios advindos do transporte marítimo, multimodal ou não.
Por fim, existe uma corrente que argumenta que, em vista da ausência do novo código quanto à prescrição de demurrage, deve ser aplicada a regra geral de 10 (dez) anos conferida pelo artigo 205 do CC/02, visto que a analogia não pode ser aplicada quanto à prescrição.
Os Precedentes do Superior Tribunal de Justiça
Ao longo dos anos, as decisões do STJ não foram exatamente uníssonas. Entretanto, ultimamente, a corte parecia ter pacificado o entendimento de que o prazo prescricional aplicável seria o de 5 (cinco) anos do art. 206, § 5 ̊, I do CC/02 quando há prévia disposição contratual entre as partes sobre a demurrage, ou, quando ausente a previsão, a regra geral de 10 (dez) anos do artigo 205 do CC/02. No entanto, desde o fim de 2014, surgiram na Terceira Turma precedentes pela adoção da prescrição ânua, aplicando a regra da Lei do Transporte Multimodal de Cargas.
O STJ, através da sua página eletrônica, noticiou em 03.02.2015 [2] que a Segunda Seção haveria de definir o prazo prescricional para a cobrança de demurrage, ante as divergências entre a Terceira e a Quarta Turma. Segundo a nota, enquanto a Terceira Turma mantinha entendimento de que o prazo prescricional era anual, o entendimento da Quarta Turma seria pela aplicação do prazo quinquenal ou decenal, a depender de previsão contratual.
Todavia, no último mês, a Terceira Turma parece ter mudado o seu posicionamento, posto que, em 05.03.2015, decidiu pela prescrição ânua no julgamento do AgRg no REsp 1351027, mas, em 07.05.2015, proferiu decisão unânime no AgRg no REsp 1494263 em sentido diverso, novamente aplicando os prazos supracitados de 5 ou 10 anos.
Vejamos as duas ementas abaixo:
AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRESCRIÇÃO. TRANSPORTE MARÍTIMO. "DEMURRAGE". SOBRE­ ESTADIA DE CONTÊINER. PRESCRIÇÃO ANUAL. APLICAÇÃO DO ART. 22 DA LEI 9.611/98. INVIABILIDADE DE SE ESTABELECER PRAZOS PRESCRICIONAIS DISTINTOS PARA O TRANSPORTE MULTIMODAL E PARA O UNIMODAL. PRECEDENTE DA 3.a 
 TURMA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 
 (AgRg no REsp 1351027/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3a Turma, DJe 12.03.2015 )
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E DIREITO COMERCIAL .AÇÃO DE COBRANÇA. SOBREESTADIA DE CONTÊINERES (DEMURRAGE). PRESCRIÇÃO. ART. 449 DO CÓDIGO COMERCIAL. REVOGAÇÃO. COBRANÇA DE TAXA PREVISTA NO CONTRATO. OBRIGAÇÃO LÍQUIDA E CERTA. ART. 206, §5o, I, DO CC/2002. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. MANUTENÇÃO DO JULGADO PELOS SEUS PRÓPRIOS TERMOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Com o advento do Código Civil/02, houve revogação do art. 449, III, do Código Comercial, que previa a prescrição ânua nos casos de cobrança de taxa de sobreestadia de contêineres. Assim, agora devem ser considerados os prazos prescricionais constantes da Lei Adjetiva, arts. 205, decenal, quando inexistir previsão contractual para a cobrança da taxa de sobreestadia, ou 206, § 5o, quinquenal, quando houver essa previsão no contrato marítimo.
2. Não sendo a linha argumentativa apresentada pela agravante capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.
3. Agravo regimental não provido. 
 (AgRg no REsp 1494263/SP, Relator Min. Moura Ribeiro, 3a Turma, DJe 18.05.2015 )
Apesar do dissenso doutrinário e jurisprudencial, tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado dois relevantes projetos de lei que podem pôr fim à incerteza jurídica ora destacada. O Projeto de Lei 1.572/11 da Câmara dos Deputados visa instituir um novo Código Comercial, enquanto o Projeto de Lei 487/13 do Senado pretende alterar o atual Código Comercial. Ambos propõem, de forma expressa, o prazo prescricional  de 1 (um) ano para a cobrança de sobre­estadia de contêineres [3]. Resta saber se algum deles será sancionado e, principalmente, quando. 
Mas, então, como fica o prazo prescricional da demurrage? Ao que tudo indica, ficará mais algum tempo a ver navios, ou melhor, a ver contêineres.
<hr />
[1] O dispositivo se referia à sobre­-estadia de navios, mas o STJ admitia a sua aplicação à sobre-­estadia de contêineres, pois estes são considerados como parte integrante do navio, e não mera embalagem, nos termos da Lei do Container (Lei n ̊ 6.288/75), e, posteriormente, da Lei do Transporte Multimodal de Cargas (Lei n ̊ 9.611/98), que revogou a anterior.
[2] Disponível em: 
&lt;http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Segunda­ Se%C3%A7%C3%A3o­deve­definir­prazo­prescricional­para­cobran%C3%A7a­de­ demurrage&gt;
[3] art. 291, I, e, do PLC, através da Emenda 55/12, e art. 172, II, l, do PLS.
<hr />
Referências
CARDOSO, Camila Mendes Vianna; VIANNA, Bernardo Lúcio Mendes. Sobre-estadia de contêineres sob a perspectiva da legalidade da cobrança. Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário. São Paulo, agosto 2011.
FERREIRA, Rafael Silva. O Prazo Prescricional nas Demandas Relativas à Sobre­-estadia (Demurrage) de Contêiner e a Lei No 9.611/98. Direito Marítimo e Portuário: estudos em homenagem a Ruy de Mello Miller e Antonio Barja Filho. Santos: Editora Comunnicar, 2011.
FORCE, Robert. Admiralty and Maritime Law. 2 ed. Federal Judicial Center, 2013.
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática de Direito Marítimo. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo. Vol. 1 – Teoria Geral. 4 ed. Barueri: Manole, 2013.
_______. Curso de Direito Marítimo. Vol. III – Contrato e Processos. Barueri: Manole, 2015.

Stern_of_the_Colombo_Express

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A regra constava de artigo do Código Comercial suprimido pelo Código Civil de 2002

Qual é o prazo prescricional para a cobrança de demurrage (sobre-estadia) de contêiner?

A regra constava de artigo do Código Comercial suprimido pelo Código Civil de 2002