Newton dos Anjos

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você, leitor(a), que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor">#pergunte ao professor</a>.
Neste episódio de nº 88 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Qual é o papel da área de recursos humanos na implementação do ESG?
Resposta ► Com a palavra, o professor Newton dos Anjos.
Esta é uma pergunta bastante relevante sob o ponto de vista da abrangência de atuação da área de recursos humanos, sobretudo neste momento em que a sociedade almeja a aplicação de novos conceitos para a vida em sociedade, notadamente pela substituição do que usou-se chamar de Capitalismo Predatório, por uma maior humanização traduzida no conceito de Capitalismo Consciente.
Todavia, antes de iniciar a resposta é necessário passar por alguns conceitos que circundam o tema visando dar inteligibilidade ao texto e, no caso, o primeiro e mais importe deles é a definição de ESG.
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">Environmental, Social and Governance</a>, cuja tradução livre representa “Ambiental, Social e Governança”, é conceito imputado às empresas que adotam práticas de proteção ao meio ambiente, tomam atitudes que geram impactos sociais positivos para os colaboradores, bem como adotam práticas de governança que visem reduzir os desvios éticos e a corrupção nas empresas, influenciando sobremaneira na sociedade como um todo.
Um grande impulso para o surgimento do ESG foi proporcionado em 2004 pelo saudoso Kofi Annan<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e um dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz de 2001 pela criação do Fundo Global de Luta contra a Aids, tuberculose e malária. Ele enviou uma correspondência para 50 CEOs de grandes instituições financeiras visando discutir os rumos do capitalismo sem propósito.
Objetivamente, a intenção da correspondência era convidar as lideranças de tais instituições a pensar em modelos que pudessem olhar para questões fundamentais da sociedade, especialmente no que tange às temáticas ligadas ao meio ambiental, ao social e à governança, porém sem se desconectar dos objetivos institucionais de cada organização. O desafio era fazer com que as organizações empresariais mantivessem suas metas de desenvolvimento, lucro e tantos outros objetivos, mas que todas essas relevantes decisões empresariais passassem pelo necessário crivo da proteção da sociedade e seus respectivos anseios.
Impulsionada pela reflexão feita por Kofi Annan, a ONU promoveu a conferência “Who Cares Wins”, em tradução livre “Ganha quem se importa”. Na ocasião, 20 instituições financeiras de diferentes países desenvolveram uma proposta para encorajar as organizações a integrarem critérios ambientais, sociais e de governança no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mercado-de-capitais">mercado de capitais</a>, surgindo, a partir daí, a siga ESG.
Robustecendo esse movimento em 2020, a <a href="https://www.blackrock.com/br/blackrock-client-letter">BlackRock</a>, maior gestora de fundos do mundo, anunciou que todos os seus investimos seriam direcionados para empresas que adotassem boas práticas de sustentabilidade nos seus negócios.  Desde então, o ESG vem ganhando força e passando a ser almejado pelas companhias com um viés estratégico, já que permite a conquista de novos mercados, o acesso a créditos de baixo custo e, concomitantemente, oportuniza redução da desigualdade social, a diminuição/eliminação da corrupção e a garantia de um futuro sustentável para as próximas gerações.
É bem verdade que a preocupação com a sustentabilidade é muito antiga, porém os temas a ela ligados eram discutidos isoladamente. A junção dos três pilares que traduzem o ESG confere, atualmente, um equilíbrio muito maior na evolução. Alguns apontamentos evolutivos dos temas isoladamente tratados mostram certo aprimoramento na questão ambiental e de governança corporativa, mas o aspecto social deixou de ser tratado da mesma forma conforme se verificará a seguir.
<h3>Environmental</h3>
É sabido que a discussão em torno das mudanças climáticas no mundo ocorre desde o século 15, cuja pauta foi intensificada no século 14 a partir do processo de industrialização na Europa. Porém, somente nos últimos 40 anos é que a sociedade, na prática, passou a adotar esse tema como o principal no campo do meio ambiente. Isso, por certo, contribuiu para o surgimento de rigorosa legislação brasileira sobre o tema, mais especificamente a partir da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm">Política Nacional do Meio Ambiente</a>, Lei 6.938, de 31 de agosto de 1982, além da própria <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm">Lei de Crimes Ambientais</a>, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
<h3>Governance</h3>
No que tange à <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/governanca-corporativa">governança corporativa</a>, preocupação igualmente antiga no que se refere à transparência das contas empresariais e o anseio de se evitar a corrupção em todo o mundo. Porém, este tema ganhou efetiva força em 2001 quando foi descoberta, nos Estados Unidos, uma grande fraude com investidores a partir das finanças da empresa Enron.
Segundo constou do noticiário à época, executivos de alto nível da companhia, quiçá com a participação de agências de classificação de crédito, maquiaram os dados da contabilidade de modo a aparentar que a empresa, praticamente “quebrada”, possuía saúde financeira, situação que abalou por completo o mercado financeiro e quase paralisou o setor de energia quando a verdade veio à tona.
Tal marco histórico impulsionou o surgimento da Lei Sarbanex-Oxley aplicável aos Estados Unidos e, de igual sorte, para todas as empresas que têm relação comercial com o país. Posteriormente, aqui no Brasil, criou-se a Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, intitulada <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm">Lei Anticorrupção</a>.
<h3>Social</h3>
Conquanto a discussão também date do século 19, a preocupação com o aspecto social ganhou maior destaque com o período de grande fome vivido pelas populações da Etiópia e do Sudão na década de 1970. Uma outra ocorrência de importante destaque na história do mundo foi a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/covid-19">pandemia da Covid-19</a> que aclarou a desigualdade social existente nos países ao redor do mundo.
No Brasil, as legislações constitucional e infraconstitucional contêm ordenamentos relevantes sobre o tema, com foco para o artigo 170 da Constituição Federal (valorização do trabalho e livre iniciativa) e o artigo 421 do Código Civil brasileiro (responsabilidade social empresarial primando que liberdade de contratar deve ser exercida nos limites da função social do contrato). Contudo, entende-se que essas previsões genéricas e sem qualquer “enforcement” não incentivaram a aplicação de modelos de redução da desigualdade social no país.
Assim, quando se olha isoladamente para os pilares do ESG, é de se verificar que apenas o “S” não conta com um sistema de aplicação da responsabilidade social empresarial sob o manto de uma sanção de órgãos governamentais ou agências reguladoras. Por esse motivo, este é um pilar menos aprimorado que os demais e requer uma quantidade maior de esforço para sua aplicação.
<h3>Área de Recursos Humanos</h3>
É exatamente no contexto social que melhor se insere a área de Recursos Humanos com as suas funções tradicionais de contratar, incentivar, treinar e promover a evolução dos colaboradores de uma organização. Essas atividades, por óbvio, têm como premissa lógica a sustentação do negócio com os incentivos adequados para garantir a qualidade, produtividade e um meio ambiente de trabalho saudável.
No contexto de tal discussão e avaliando as contribuições que a área de Recursos Humanos pode dar no âmbito do ESG, a adoção da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/diversidade">diversidade</a> é, sem dúvida alguma, uma das práticas mais importantes pelo impacto positivo que pode causar. Isso porque contemporaneamente é unívoco o entendimento de que a diversidade promove uma significativa contribuição para o crescimento da sociedade e, consequentemente, das empresas.
Um dos fatores destacados nesta análise sob o ponto de vista empresarial é a questão da produtividade que, na grande maioria das vezes, depende do engajamento, da motivação e do sentimento de pertencimento. As empresas que têm equipes mais diversas e promovem a inclusão e impulsionam a criatividade, afinal, ao desestimularem o preconceito pelo diferente e, de igual sorte, ao criarem espaço aberto para contribuição de todos, acabam por promoverem o engajamento e a sensação de pertencimento.
De mais a mais, uma equipe diversa tem aspectos culturais e comportamentais diferentes e, naturalmente, a qualidade de conexões com o público apreciador da marca é muito maior. Isso ocasiona o melhor entendimento do consumidor, tendo o potencial para gerar produtos que sejam apreciados por públicos diversos. Assim, no que se refere à diversidade, a contribuição da área de Recursos Humanos não se limita ao ambiente interno, como também tem potencial para geração de negócios.
Para além da diversidade, a área de Recursos Humanos tem outros papéis fundamentais a serem propostos numa organização no âmbito social, com destaque para a saúde dos colaboradores. Em tempos em que a sociedade se vê com uma grande preocupação com as doenças psicológicas no trabalho, a ponto de a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/estresse-trabalho-justica-culpar-empresas-burnout-31032022">síndrome do burnout</a> passar a integrar o rol de doenças ocupacionais, é necessário um olhar especial para esse tema sob a coordenação da área de Recursos Humanos.
Além disso, necessário se faz um olhar especial para os acidentes do trabalho e as prevenções necessárias para evitá-los. Esse tipo de avaliação, com contribuição da área de Recursos Humanos, pode permear positivamente toda a companhia, bem como os fornecedores e prestadores de serviços para a empresa. Aliás, a aplicação do ESG pode se inserir também as negociações coletivas de trabalho, cujas normas coletivas são instrumentos para construção de entendimentos sobre os temas relacionados à sustentabilidade. Em uma sociedade com tantos problemas sociais, como a brasileira, inúmeras são as oportunidades ao combate das desigualdades — social, educacional e cultural, violência doméstica, entre outros.
Temos exemplos de empresas e entidades sindicais inserindo em acordos coletivos cláusulas relacionadas à violência doméstica, à contratação de deficiente, entre outros. Esse avanço deve se expandir nos próximos anos e a área de Recursos Humanos tem um papel fundamental na identificação e construção de novas cláusulas sociais para os acordos coletivos.
Inobstante isso, a área de Recursos Humanos tem igual papel no ambiente de “governance”, com a aplicação da governança dos seus processos a fim de permitir que a organização atinja o resultado esperado no âmbito do controle e da transparência, para fazer frente aos desafios do ESG. Dentre os processos relevantes de governança, estão a criação de uma cultura empresarial que promova o engajamento dos colaboradores; o apoio à ampliação do conhecimento; debates e reflexões sobre os objetivos atuais da sociedade; a adequação de políticas e normas internas de maneira que possam refletir os anseios empresarias da nova cultura; a melhoria do processo de contratação de novos colaboradores a ponto de refletir o objetivo atual e a promoção de treinamentos constantes sobre a evolução da sociedade e sustentabilidade.
Por final, a área de Recursos Humanos é o impulsionador das mudanças corporativas para redefinição de objetivos empresariais. E isso só será possível a partir da alteração da rota para o desenvolvimento de uma cultura ESG com ações transformadoras, motivação e engajamento dos colaboradores. Esse é o principal papel da área de Recursos Humanos na implantação do ESG.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STANLEY, Meisler, Koffi Annan, Ed. Turner Publishing Company, 2008.

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JOTA

Setor deve ser o impulsionador das mudanças corporativas

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