Pedro Hartung

Sem dúvida alguma, o ano de 2020 entra para a galeria como um dos anos mais desafiadores da história recente para o mundo e, especialmente, para o Brasil, onde a pandemia da Covid-19 deixa marcas profundas. Desigualdades ainda pungentes e insuperadas, fazem com que famílias e crianças sintam o grande peso destes desafios, mas de forma muito diferente de acordo com sua raça, gênero ou classe social.
Muitas mães, pais e seus filhos não tiveram o amparo social necessário, pelo desfinanciamento e desarticulação de políticas de saúde ou assistência social; crianças de todas as idades em uma ponta não conseguiram acompanhar as aulas online pela falta de internet ou dispositivos para conexão em suas casas ou comunidades.
E, na outra, quando acompanham, sua presença e dados pessoais foram explorados comercialmente sem limites e pudor por empresas de tecnologia; meninas e meninos negros assassinados, mesmo dentro de casa, pelas balas da insana guerra de agentes do Estado nas periferias brasileiras.
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Adolescentes a quem se atribuem ato infracional, mesmo sob tutela do Estado, ficaram ainda mais vulneráveis às ameaças de saúde pelas condições insalubres de muitas unidades de internação; crianças com deficiência foram ameaçadas pela volta, por decreto, de um modelo retrógrado de escola especial.
Crianças e adolescentes nas regiões amazônicas ou pantaneiras respiraram um ar mais poluído pelas queimadas descontroladas e as consequências nefastas de uma crise socioambiental e climática.
Contudo, nesse cenário desolador, há motivos para, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, termos uma esperança crítica. O Supremo Tribunal Federal (STF), não se furtando ao seu dever constitucional e provocado por demandas urgentes, assegurou decisões e ações institucionais importantíssimas para reafirmar, especialmente neste momento de crise, a prioridade de todas as prioridades segundo a própria Constituição Federal no artigo 227: os direitos e melhor interesse de todas as crianças no território brasileiro.
Por unanimidade, a Segunda Turma do STF determinou <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=450193" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o fim da superlotação em unidades socioeducativas de internação</a> (HC 143988), propondo inclusive a criação de um Observatório Judicial para acompanhamento da decisão.
Buscando diminuir a letalidade policial e restringir o uso da força por meio de protocolos de conduta, o Plenário do Supremo confirmou <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=448994&amp;ori=1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">restrição a operações policiais em comunidades do RJ durante a pandemia</a> (ADPF 635), impactando milhares de famílias e crianças, especialmente negras e periféricas.
Grande impacto teve também a decisão do Pleno de que a <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&amp;ori=1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">vacinação compulsória é constitucional</a>, inclusive para as crianças de famílias que se recusam à imunização por convicções filosóficas ou religiosas (ADIs 6586 e 6587; ARE 1267879), limitando o poder familiar e garantindo o direito das crianças à saúde comunitária.
Ainda por unanimidade, o Plenário <a href="http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453354&amp;ori=1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">manteve a proibição de trabalho a menores de 16 anos</a> (ADI 2096), salvo na condição de aprendiz, garantindo igualdade de oportunidades e o direito à educação para crianças e adolescentes.
Atuando na garantia do paradigma constitucional da educação inclusiva, o STF corretamente <a href="http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456419&amp;ori=1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">suspendeu a eficácia de decreto presidencial que tentou retroceder para a lógica das escolas especiais</a> segregadoras de crianças com deficiência (ADI 6590).
Cumpre ressaltar a importância em todas estas ações da participação via amicus curiae de organizações da sociedade civil, demonstrando a abertura dos ministros do STF para as contribuições técnicas e de experiências reais nos diversos temas abordados, garantindo, assim, o direito à participação social no Judiciário e uma comunidade de interpretação constitucional mais ampla e plural.
Para o próximo ano, importantes pautas estruturantes para os direitos de crianças devem emergir, como: <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=433389&amp;caixaBusca=N" target="_blank" rel="noopener noreferrer">a garantia do devido funcionamento do Conanda - Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes</a> (ADPF 622) -- entidade essencial para o acompanhamento social das políticas públicas e regulatórias relativa às infâncias e adolescências brasileiras.
<a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=439861" target="_blank" rel="noopener noreferrer">E a revogação da Emenda Constitucional 95 de 2016 que instituiu o "teto de gastos" sociais</a> (ADI 5658, ADI 5680 e ADI 5715), impactando políticas públicas fundamentais de saúde, assistência social e educação destinadas a crianças, inclusive no atual combate ao coronavírus.
E a <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=455321" target="_blank" rel="noopener noreferrer">efetiva proteção do meio ambiente e clima pela execução do plano de prevenção ao desmatamento da Amazônia pela União</a> (ADPF 760), e a volta operacional do <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=452042" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Fundo Clima</a> (ADPF 708) e do <a href="http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=454103" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Fundo Amazônia</a> (ADO 59), ambos fundamentais para alocação de recursos em políticas e ações para a preservação do meio ambiente, cuja proteção é determinante para os direitos de crianças, seus direitos e melhor interesse.
Nesse sentido, fundamental foi a criação por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do <a href="https://www.cnj.jus.br/observatorio/observatorio-meio-ambiente/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário</a> e a manutenção e fortalecimento do <a href="https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pacto-nacional-pela-primeira-infancia/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Pacto Nacional pela Primeira Infância</a>, iniciativas complementares que olham para as prioridades mais prementes do nosso país e sociedade para as presentes e futuras gerações: crianças e meio ambiente; artigos 227 e 225 da Constituição.
E garantir a absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não é apenas um dever constitucional escolhido por todos nós na Constituinte de 87/88; é uma eficiente estratégia de avanço social e econômico para permitir que todas as crianças sejam cuidadas na fase mais importante do desenvolvimento humano, aquela que permitirá as fundações das habilidades cognitivas e socioemocionais de todas as pessoas.
Não há futuro possível, sem o cuidado no presente das crianças e seus direitos. E para isso, necessitamos cuidar também daqueles que cuidam das crianças (mães, pais e familiares) e da nossa casa comum, o meio ambiente, aquilo que nos sustenta e permite nossa sobrevivência e sem a qual não há vida humana possível.
Que para o próximo ano, o STF e todos os órgãos do Judiciário continuem na tarefa primordial de garantir um Sistema de Justiça sensível, acessível e amigável às crianças e seus direitos, efetivando – em todas as ações e decisões, sejam elas direta ou indiretamente relacionadas aos direitos de crianças –, esse projeto de sociedade e de país, em que as crianças, todas elas, estão em primeiro lugar.

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JOTA

Judiciário deve garantir um Sistema de Justiça sensível, acessível e amigável às crianças e seus direitos

Qual deve ser a prioridade absoluta do STF?

Judiciário deve garantir um Sistema de Justiça sensível, acessível e amigável às crianças e seus direitos