Antonio Capuzzi

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor"># pergunte ao professor</a>.
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Neste episódio de nº 60 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Quais os futuros impactos nos direitos trabalhistas dos julgamentos ainda pendentes do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria de Direito Coletivo?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Antonio Capuzzi<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 7º, inciso XXVI, que as convenções e os acordos coletivos de trabalho são pactos reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Prestigia-se o modelo de normatização autônoma no cenário laboral em contraponto ao regime heterônomo, de índole autoritária, que submete os conflitos trabalhistas ao controle exclusivamente estatal<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Na elaboração de pactos coletivos normativos, os atores sociais, cada qual comprometido com os anseios da categoria que representa, têm (ou devem ter) em mente que a transação envolve concessões mútuas, no sentido que os desenvolvimentos econômico e social devem caminhar pareados, lastreados na ideia de justiça social<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> para alcançarem a distribuição justa e compassiva dos frutos do crescimento econômico<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Para a análise do nível de desenvolvimento sob os aspectos econômico e social devem ser analisados o conteúdo normativo e o grau de vinculação dos princípios da valorização social da livre iniciativa e do trabalho. Disso decorre, diretamente, o potencial estatal de assegurar emprego a todos os indivíduos, de modo a promover a redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 170, incisos VII e VIII, da Constituição Federal).
<blockquote class="jota-article__eye">O princípio da livre iniciativa encontra-se descrito nos artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da Constituição Federal. Por vincular-se aos princípios norteadores da ordem econômica, há indicativo de que sua acepção se reduz à liberdade econômica ou de iniciativa econômica<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.</blockquote>
Eros Grau é enfático ao dizer que, da livre iniciativa, se desdobra a própria liberdade em si, considerada, em sua perspectiva substancial, como resistência ao poder e reivindicação por melhores condições de vida, sob os aspectos individual, social e econômico<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. De tal modo, a livre iniciativa não se restringe, única e exclusivamente, ao princípio atinente ao liberalismo econômico (afirmação do capitalismo)<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. O próprio artigo 1º, inciso IV, da Carta Magna, enuncia também o valor social da livre iniciativa<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, não expondo, deliberadamente, suas virtudes individuais. Considere-se, ainda, que o artigo 170, caput, do Texto Magno, alinha, par a par, o labor humano e a livre iniciativa<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
O princípio do valor do trabalho, depurado do artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, norteia o desenvolvimento social, contemplando, ao menos, quatro vertentes fundamentais para a interpretação aliada ao desenvolvimento econômico.
O valor econômico é o primeiro a despontar: é aferível por meio do custo da liberdade do trabalhador, ou seja, há a mensuração do tradicional valor-hora do labor<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>. De outra banda, a valorização do trabalho, sob a perspectiva social, expressa no Texto Constitucional (artigo 1º, inciso IV), contempla a importância do labor tanto para o indivíduo enquanto ser humano em constante desenvolvimento, quanto para a sociedade que integra<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>. De posse do pensamento de Amoroso Lima, o trabalho analisado, sob a lente da moral, tem a finalidade última de proporcionar felicidade ao ser humano, realizando-o como pessoa. Proclama, o autor, com rara propriedade, que o trabalho é o meio que permite ao homem, moralmente, realizar ou não, as condições primordiais de sua felicidade, vencendo ou não os obstáculos que, por natureza, lhe são impostos<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Enfim, o trabalho detém viés jurídico como direito fundamental, representando a garantia de respeito por todos da sociedade enquanto ser humano trabalhador<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, ao passo que também há a respectiva leitura como dever de trabalho (se possível e disponível), porquanto “só há vida humana bem vivida no plano do trabalho como dever.”<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>
O professor Raimundo Simão de Melo preceitua que a Constituição Federal, embora assegure a livre-iniciativa na ordem econômica capitalista, condiciona-a à observância da dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, ao respeito e à proteção do meio ambiente, impondo a intervenção do Estado na defesa de tais primados<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>. Dessa forma, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente devem caminhar, par a par, a fim de que a ordem econômica se volte efetivamente à justiça social<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, há de se citar o Recurso Extraordinário nº 590.415 em que foi objeto de debate a validade ou não de renúncia genérica a direitos lastreada em termo de adesão a Programa de Desligamento Incentivado, mediante chancela sindical e com previsão em acordo coletivo de trabalho. A decisão deu fruto à tese vertida no tema de repercussão geral nº 152, com o seguinte verbete: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.”.
Inegavelmente, no julgamento do paradigmático leading case, o Excelso Pretório buscou equilibrar as pretensões da livre iniciativa e do valor do trabalho anteriormente mencionados, aquela sob o aspecto da segurança jurídica de que o empregador não seria demandado judicialmente em vista da quitação ampla, geral e irrestrita concedida; e este, na figura do empregado, acerca da percepção de ganhos compensatórios pela adesão a Programa de Desligamento Incentivado.
Com fulcro no decisum citado, a conclusão é a de que a Excelsa Corte viabiliza a emancipação dos atores coletivos já consagrada constitucionalmente desde 1988, compreendendo que o reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro das convenções e acordos coletivos de trabalho denota consequências jurídicas próprias, especialmente a de permitir quitação ampla, geral e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, a despeito de a lei infraconstitucional estatuir que a quitação designará o valor e a espécie da dívida quitada, bem como o tempo e o lugar do pagamento (art. 320, caput do Código Civil).
À guisa de conclusão, e respondendo ao questionamento, os julgamentos vindouros do Supremo Tribunal Federal no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho tendem a certificar as normas coletivas perfectibilizadas pelos atores sociais, admitindo a pujança do negociado face ao legislado (é o que já prevê o art. 611-A, caput da CLT<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>), de molde a compreender que o insculpido no art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, propicia atribuição de renovado e comprometido sentido ao Direito Civil sob o aspecto contratual, bem como que seu teor não pode nem deve ser interpretado (concretizado/aplicado) senão à luz do próprio Texto Magno<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>.
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<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos Mello. O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: PLANOS DE DEMISSÃO INCENTIVADA E AUTONOMIA DA VONTADE, UM ESTUDO DE CASO. Rev. TST, São Paulo, vol. 84, nº 2, abr/jun 2018.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Há quem sustente que o fator de equilíbrio entre os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho é o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido: “No plano doméstico, por força do axioma da dignidade humana, a Constituição Federal articulou os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho, elegendo o desenvolvimento sustentável como fator de equilíbrio desses valores em colisão aparente, determinando que a responsabilidade do empregador por desvio de sustentabilidade laboral é de natureza objetiva e solidária. Tal sustentabilidade implica necessariamente no cumprimento da função social da propriedade e da empresa, o que somente se efetiva com a observância das disposições que regulam as relações de trabalho (CF, art. 186, III e IV), dentre elas a exigência de redução dos riscos, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII).” BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário: 01003278320165010051 RJ. Dano Moral. Verificado que a reclamada não providenciou instalações sanitárias e com água potável ao trabalhador, contrariando a NR 18 expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, bem como as normas celetistas relacionadas com Segurança e Medicina do Trabalho, devida a indenização por dano moral. Recorrente: Expresso Real Rio Ltda.
Recorrido: Luciano Gomes Brandao. Relator: Valmir de Araújo Carvalho. Data de Julgamento: 23.05.2018. Data de Publicação: 30.05.2018. Jusbrasil. Disponível em: https://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/640570543/recurso-ordinario-ro-1003278320165010051-rj/inteiro-teor-640570593?ref=serp. Acesso em: 25.08.2019.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Pontifica Bruno Amaro Laceda que justiça social é mais do que o direito a certo nível de bem-estar sob o aspecto material, sendo dever da sociedade política expandir a educação e os bens culturais aos que não os possuem. Arremata argumentando que, atualmente, muito se fala em justiça social sob o aspecto do salário justo e assistência aos carentes, contudo, registra que o conceito é mais amplo, abrangendo também o direito à saúde, à educação, à cultura, ao lazer, etc. LACERDA, Bruno Amaro. Origens e consolidação da ideia de justiça social. Revista Brasileira de Estudos Políticos. v. 112, jan-jun., 2016, p. 67-88.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 197.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> GRAU, Op. Cit., 2018. p. 197.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> GRAU, Op. Cit., 2018. p. 198.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> O dispositivo constitucional dispõe, literalmente, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> O dispositivo constitucional dispõe, literalmente, “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (...)”.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> PINTO, José Augusto Rodrigues. O trabalho como valor. Revista LTr. v. 64, n. 12, 2000, p. 1489-1494.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> PINTO, Op. Cit., 2000.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> LIMA, Alceu de Amoroso. O Problema do Trabalho. Rio de Janeiro: Agir, 1947, p. 95.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> PINTO, Op. Cit., 2000.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> LIMA, Op. Cit., 1947, p. 94.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> MELO, Op. Cit., 2013, p. 69.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> MELO, Op. Cit., 2013, p. 69.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017.
<a href="applewebdata://7A657838-9DBF-4820-8446-6DECF5C4FB03#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. In: Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28.

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JOTA

Julgamentos vindouros do Supremo tendem a certificar as normas coletivas

Quais impactos dos julgamentos trabalhistas no STF em matéria de Direito Coletivo?

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