Ana Paula Miskulin

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor"># pergunte ao professor</a>.
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Neste episódio de nº 65 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Quais as repercussões práticas, na área trabalhista, da nova Lei 14.195, de 26/8/2021?
Resposta ► Com a palavra, a professora Ana Paula Miskulin<a href="applewebdata://095605CF-5AC6-4EAF-A7A5-74247F674388#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Basta voltar um pouco no tempo para constatar que houve uma mudança de paradigma no modo de vida das pessoas, em geral. A forma de se comunicar e de se relacionar foi completamente alterada em razão da revolução tecnológica, mais especificamente em decorrência da convergência da internet onipresente com as tecnologias de comunicação e informação.
E na medida que a realidade social muda, é papel do Direito evoluir para responder a esses movimentos.
Para tanto, existe um poder específico da república, qual seja, o Poder Legislativo, a quem o Constituinte atribuiu a desafiadora missão de elaborar as leis, conforme as demandas da sociedade.
Excepcionalmente, porém, há casos em que o poder de legislar é exercido de forma atípica pelo Presidente da República, quem poderá adotar medidas provisórias em caso de relevância e urgência, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal. Exemplo disso foram as dezenas de MPs publicadas desde o início da pandemia da Covid-19 que, certamente, exigia “respostas e medidas cada vez mais rápidas e imediatas” (Novelino, 2016, p. 626).
A utilização das medidas provisórias fora das situações de relevância e urgência, podem desvirtuar a sua finalidade e servir como forma de contornar o processo legislativo, suprimindo os debates necessários para que uma proposta legislativa se transforme em lei, sem a devida publicidade.
Neste contexto, no dia 29 de março de 2021 foi editada a MP 1.040/2021, que dispunha sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade e a prescrição intercorrente na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
Ocorre que a referida Medida Provisória, que continha 34 artigos, foi convertida na Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, a qual teve seu texto incrementado passando a contar com 58 artigos, divididos em treze capítulos que, além dos temas originais da MP, trazem significativas alterações no Código de Processo Civil (CPC), as quais não guardam nenhuma relação com o tema original da MP que se refere a questões afetas ao Direito Empresarial.
Nesse sentido, não é demais lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de dispositivos com conteúdo temático estranho ao texto inicial de medida provisória, na ADI 5127, sob fundamento de que tal prática viola o princípio democrático e o devido processo legislativo.
Demais disso, está escrito textualmente no artigo 62, §1º, I, “b”, da Constituição Federal, que é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria de direito penal, processual penal e processual civil.
De todo modo, como o objetivo aqui não é tratar da (in)constitucionalidade da lei, mas sim dos efeitos práticos que suas alterações vão provocar na esfera trabalhista, esse aspecto não será analisado.
Com efeito, a Lei nº 14.195/2021 foi publicada no dia 26 de agosto de 2021 e, além das matérias originais concentradas nos seus oito primeiros capítulos, foram acrescentados alguns artigos no capítulo IX que, até então, tratava apenas da prescrição intercorrente, sendo acrescido integralmente o capítulo X, que é o que o foco desta análise.
Intitulado “Da racionalização processual”, esse capítulo promoveu alterações em sete artigos do Código de Processo Civil (77, 231, 238, 246, 247, 397 e 921), as quais podem ser compiladas em três temasꓽ citação por meios eletrônicos, exibição de coisas e prescrição intercorrente.
Quanto à exibição de coisas e documentos, a alteração foi pontual, nos três incisos do artigo 397 do CPC, somente para ampliar o objeto do pedido de exibição, para que o autor possa solicitar não apenas um documento ou coisa específica, como, por exemplo um contrato, mas também uma categoria de documentos ou coisas, como, por exemplo, “todos os contratos” de determinado período. A alteração parece prestigiar a fase do e-discovery, conhecida no Direito americano, mas incomum em sistemas de civil law.
A prescrição intercorrente, da mesma forma, não sofreu grandes alterações, considerando-se que nos processos trabalhistas adotam-se o artigo 40 da Lei nº 6.830/80, de forma subsidiária por força do artigo 889 CLT, além do artigo 11-A da CLT, ali inserido pela Lei nº 13.467/2017. A discussão se restringirá sobre a aplicação ou não da nova redação do parágrafo 4º do artigo 921 do CPC, que diz que “o termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis” e também que, doravante, a prescrição será suspensa “por uma única vez”.
Os dispositivos certamente suscitarão diferentes interpretações, pois pode-se entender que qualquer tentativa de localizar bens tenha o efeito de suspender a prescrição, ainda que não sejam realizadas todas as pesquisas; ou, em sentido contrário, pode-se defender que tal prazo fluirá apenas quando forem esgotadas todas as fases do que se considera a primeira tentativa de localização de bens.
Do mesmo modo, a suspensão, por uma única vez, poderá contrariar o objetivo do processo que é a entrega completa da prestação jurisdicional quando, por exemplo, a prescrição já tiver sido suspensa uma vez e, em seguida forem localizados bens que não sejam suficientes para quitar integralmente a dívida. Nesse caso, após a venda desses bens insuficientes, a prescrição não voltaria a ser suspensa porque a oportunidade única do credor de obstar que flua a prescrição, já terá sido esgotada.
Finalmente, no que tange à citação, as alterações merecem atenção, uma vez que reforçam a tendência de eliminação de atos presenciais, prestigiando cada vez mais a digitalização dos atos processuais.
Nesse aspecto, a mudança mais significativa refere-se à forma de citação, pois, até então, o artigo 246 do CPC previa cinco modalidadesꓽ pelo correio, por oficial de justiça, no cartório, por edital e por meio eletrônico. E, a partir de agora, determinou-se que será dada preferência para a citação por meio eletrônico, sendo que, de acordo com o §1º-A, apenas na hipótese de não confirmação da citação no prazo de três dias úteis é que serão utilizados os outros meios e, neste caso, será exigido que o réu apresente justa causa para a ausência da confirmação, sob pena de multa de até 5% sobre o valor da causa, pois tal proceder será considerado ato atentatório à dignidade da justiça.
Para viabilizar a citação por meio eletrônico, reiterou-se o disposto no §1º do artigo 246 do CPC de 2016, no sentido de que as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, sendo que, doravante, a regra inclui as micro e pequenas empresas, excepcionando apenas aquelas que possuírem cadastro na Redesim, já que, neste caso, há expressa previsão no parágrafo sexto, do mesmo artigo, de que haverá compartilhamento de cadastro com o órgão do Poder Judiciário.
Neste aspecto, denota-se que já havia a obrigatoriedade de realização de cadastro para fins de recebimento de citações e intimações. No entanto, poucos se preocupavam em cumprir a regra, haja vista a inexistência de sanções e o fato de que, para muitos, protelar o andamento do feito é uma atitude vista como uma vantagem.
A regra do cadastramento obrigatório também foi reforçada com a inclusão do inciso VII no artigo 77 do CPC, que estabeleceu que é dever da parte informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, para fins recebimento de citações e intimações.
O caput do artigo 247 do CPC previa que a citação poderia ser feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto nas hipóteses de ações de estado, incapacidade do citando, ou fosse réu pessoa de direito público ou que residisse em local não atendido pela entrega domiciliar ou por requerimento fundamentado do autor para que se desse por outra forma.
A partir de agora, porém, essa mesma regra valerá também para as citações feitas por meio eletrônico, evidenciando a intenção do legislador de agilizar a tramitação dos atos processuais.
A alteração legislativa contemplou também dois prazos impróprios para o Juízo, que até então inexistiam, sendo o primeiro estampado no parágrafo único do artigo 238, que especifica que a citação será efetivada em até 45 dias a partir da propositura da ação; e o segundo no caput do artigo 246 do CPC, no qual além de determinar que será dada preferência à citação por meio eletrônico, consta que a mesma deverá ocorrer “no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça”.
Neste aspecto, cabe ressaltar que na Justiça do Trabalho não há o despacho saneador que determina a citação, sendo que o juiz só terá contato com os autos por ocasião da primeira audiência. A notificação é feita pela Secretaria da Vara logo após a conferência da documentação, oportunidade em que é designada audiência, na qual a parte poderá apresentar a sua defesa oralmente ou por escrito, pelo sistema do processo judicial eletrônico.
Outro ponto que suscitará controvérsia diz respeito ao tal banco de dados regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), devendo ser lembrado que poucos meses após a entrada em vigor do CPC de 2016 tal órgão editou a Resolução 234, de 14.07.2016, por meio da qual foi criou a Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário, conceituada no art. 8º como “o ambiente digital próprio do destinatário da comunicação processual, mantido pelo CNJ na rede mundial de computadores”, que reiterou a obrigatoriedade do cadastro das empresas e entidades públicas nesse banco de dados, “constituindo seu domicílio judicial eletrônico”, nos termos do artigo 246, §1º, do então novo CPC.
Isso significa que referido banco de dados já existe, embora seja pouco conhecido, e a nova alteração e repentina forma de citação por meio de uma medida provisória que foi convertida em lei, sem a adequada publicidade, encontrará seguramente muitas empresas desprevenidas.
Diante disso, considerando-se que o artigo 58 da Lei nº 14.195 determinou que os dispositivos supra mencionados tem vigência imediata, em consonância com o disposto no artigo 14 do CPC, que preceitua que as normas processuais são aplicadas imediatamente aos processos em curso, resta a dúvida se a parte já cadastrada nessa plataforma poderá ser citada por meio do endereço eletrônico lá fornecido, bem como se haverá necessidade de regulamentação da utilização dessa ferramenta por outros órgãos do Poder Judiciário, como é o caso da Justiça do Trabalho. Vale lembrar que sequer há uma ferramenta no programa do PJe integrada ao já existente banco de dados do CNJ.
Aliás, não é demais ressaltar que a CLT não é omissa e possui regramento próprio a respeito da citação constante no §1º do artigo 841 da CLT, que estabelece que “a notificação será feita em registro postal com franquia”, sendo que somente no caso de o reclamado criar embaraços ao seu recebimento ou não for encontrado, é que será feita a notificação por edital.
Nota-se, portanto que restam inúmeras dúvidas sobre a compatibilidade dos novos dispositivos – mais modernos, por certo, e em total consonância com o processo judicial eletrônico – e o regramento da legislação trabalhista.
Outra questão que não ficou clara é a aparente contradição entre os prazos previstos no inciso IX que foi agora incluído no artigo 231 do CPC, segundo o qual considera-se como dia do começo do prazo o quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação realizada por meio eletrônico, em confronto com o inciso V que, no mesmo sentido, estipula que o dia do começo do prazo é o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica.
A esse respeito, é importante lembrar que a lei do processo eletrônico previa em seu artigo 5º, §§1º e 3º, que a intimação seria considerada realizada no dia que o intimado efetivasse a consulta eletrônica, a qual poderia ser feita em até dez dias corridos a contar do envio da intimação. Na inércia, a intimação era considerada realizada automaticamente na data do término desse prazo.
Agora, caso a citação se dê por meio eletrônico, o dia do início do prazo será o quinto dia após a confirmação de recebimento e, para tal confirmação, a parte dispõe de três dias úteis.
Ainda sobre as citações por correio eletrônico, foi acrescentado o parágrafo quarto que determina que as mesmas “serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante.”
Esse é um ponto positivo que inclusive tem sido objeto de debate em função da utilização do sistema conhecido como visual law, cuja finalidade é tornar mais compreensível o conteúdo dos atos processuais.
Como se vê, para tratar de apenas um assunto existe um emaranhado de normas, que nem sempre são conjugadas de forma clara. No caso, utilizou-se de uma lei cujo objeto preponderante é abertura de empresas para alterar disposições concernentes à citação eletrônica. Ao intérprete resta a difícil missão de tentar compatibilizar todas elas na busca de colaborar com a celeridade e eficiência do Poder Judiciário.
Em arremate, neste breve texto não se buscou esgotar o tema, mas apenas lançar luzes sobre vários pontos de discussão que, com certeza, estão apenas começando.
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JOTA

Mudança mais significativa refere-se à forma de citação, pois, até então, o artigo 246 do CPC previa cinco modalidadesꓽ

Quais as repercussões práticas, na área trabalhista, da nova Lei 14.195/2021?

Mudança mais significativa refere-se à forma de citação, pois, até então, o artigo 246 do CPC previa cinco modalidadesꓽ