Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a # pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 56 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Quais as novidades trabalhistas trazidas pela MP 1.046/21?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Marco Aurélio Guimarães[1].
A Medida Provisória (MP) 1.046, de 27 de abril de 2021, dispõe sobre as medidas a serem adotadas pelo empregador, no prazo de 120 dias, para preservação do emprego, a sustentabilidade do mercado de trabalho e o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
O novo regramento, ao tratar da sua vigência, prevê a possibilidade de prorrogação da MP por mais 120 dias, mediante ato do Poder Executivo federal.
Suas disposições são aplicadas aos trabalhadores urbanos, rurais, temporários, estagiários, menores aprendizes e domésticos, sendo que em relação a estes últimos três, somente naquilo que for compatível.
As medidas trazidas pela MP são o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
Dito isso, passa-se, doravante, à análise dessas medidas, que entendemos serem as mais relevantes:
Teletrabalho
A medida provisória em comento autoriza o empregador, a seu critério, alterar o regime presencial para teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância, bem como determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos.
Observa-se, portanto, que no período de decretação da pandemia, não é necessária a concordância do empregado para alteração do regime de trabalho – trata-se do exercício temporário de um direito potestativo do empregador - pois, para sua implementação, basta a comunicação prévia, no prazo mínimo de 48 horas, realizada por escrito ou eletronicamente (e-mail, msn, WhatsApp), mediante ciência do empregado, ainda que automática.
O parágrafo 3º do art. 3º da MP 1.046/2021 prevê que não é necessário o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. Todavia é necessária a formalização quanto às disposições pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos, infraestrutura e despesas decorrentes do trabalho realizado à distância, firmado previamente ou em até 30 dias após a alteração do regime de trabalho.
Os equipamentos serão fornecidos em regime de comodato (art. 579 do CC), sem natureza salarial, pois se trata de utilidades concedidas para o trabalho e não pelo trabalho.
Caso o empregado seja transferido para o regime de teletrabalho, mas não tenha a estrutura necessária para o exercício de suas atividades – ausência de sinal de internet em sua residência, por exemplo – terá computada a jornada normal de trabalho, como tempo à disposição do empregador, sem prejuízo à remuneração.
O texto normativo também prevê que o trabalho realizado remotamente enquadrará o empregado na exceção prevista no artigo 62, III, da CLT, que excetua a aplicação do capítulo que trata da jornada de trabalho aos teletrabalhadores.
Entendemos, no entanto, que o empregado só se enquadrará nessa exceção se não possuir controle de jornada. Assim, se o empregado possuir qualquer tipo de telemetria de sua jornada de trabalho – login e logoff no software disponibilizado pelo empregador, por exemplo – haverá controle indireto da jornada e, neste caso, serão devidas horas extras no caso prorrogação da jornada de trabalho.
Embora o parágrafo 5º do artigo 3º da MP preveja que o uso de equipamentos tecnológicos não configurará tempo à disposição do empregador, salvo previsão em regra autônoma mais benéfica, entendemos que prevalecerá o princípio da primazia da realidade sobre a forma.
Explica-se: se configurada a exigência de trabalho em períodos específicos, com a possibilidade de verificação do horário de trabalho, haverá direito ao recebimento de horas extras em caso de prorrogação de jornada, pois a jornada será fiscalizada pelo empregador.
Embora nossos Tribunais Trabalhistas ainda não tenham enfrentado o tema para realização de uma jurimetria, localizamos decisão do E. TRT da 15ª. Região:
JORNADA PASSÍVEL DE CONTROLE. A reclamante tinha o horário controlado, quando executou trabalho interno, mas a reclamada não apresentou os controles e, considerando que contava com mais de 10 empregados, era ônus seu o registro da jornada de trabalho, nos termos da súmula 338 do C. TST. Quando a reclamante laborou no sistema de home office restou claro a possibilidade da aferição da jornada, uma vez que quase todo o trabalho, dava-se através de sistema informatizado, o qual permitia saber o horário de logon e logoff do usuário, irreparável a sentença no que toca à fixação da jornada, com base no princípio da razoabilidade, inclusive aos feriados, que também está em harmonia com as atividades atribuídas à autora. O intervalo não era regularmente usufruído, justificando a condenação, na forma do § 4º do artigo 71 da CLT. Sobre os adicionais extraordinários, procede o apelo da autora, na forma do artigo 20, § 2º, da Lei 8.906/94, conforme recente precedente do TST. (TRT-15 – RO: 00104458420155150042, relator: Ana Claudia Torres Vianna, 6ª Câmara, Data de Publicação: 21/5/19)[2]. (g.n.)
Logo, caberá ao empregador fiscalizar a produtividade dos empregados em teletrabalho e verificar eventuais prorrogações de jornada não condizentes com suas tarefas. Caso o empregador verifique a ausência de justificativa para prorrogação da jornada aplicará penas disciplinares gradativas.
O regime de trabalho remoto, aliás, poderá ser estendido aos estagiários e aprendizes.
Por fim, não se aplicam aos teletrabalhadores as regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing previstas na CLT.
Antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas
Quanto às férias, a medida provisória 1.046/21 possibilita a antecipação dos períodos de fruição, desde que haja aviso prévio ao empregado com antecedência de, no mínimo, 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser usufruído, não inferior a 5 dias.
O texto normativo autoriza que empregado e empregador negociem a fruição de férias cujo período aquisitivo sequer iniciou, mas, neste caso, há necessidade de acordo individual entre as partes. Assim, é possível que empregado e empregador negociem a antecipação dos períodos futuros de férias, mediante acordo individual. Por exemplo: antecipação de 15 dias das férias do período aquisitivo 2021/2022.
Não há mais necessidade do pagamento antecipado das férias, pois o empregador poderá realizá-lo até o 5º dia útil do mês subsequente, ao passo que o pagamento do abono constitucional poderá ocorrer até o dia 20 de dezembro de 2020. Assim, o empregador, a seu critério, decidirá sobre a data para pagamento do terço de férias, observado o limite previsto na referida medida provisória.
Também houve alteração quanto à conversão das férias em abono pecuniário, pois a medida provisória prevê que esta dependerá da concordância do empregador, ou seja, do ajuste bilateral entre as partes.
Ainda, a medida provisória não autorizou, expressamente, a antecipação das férias coletivas. Contudo, isso já se encontra previsto no artigo 140 da CLT. Ressalve-se que ante a inexistência de previsão expressa no texto normativo, a antecipação fica limitada ao período de férias cujo período aquisitivo esteja em curso.
De mais a mais, em relação às férias coletivas houve alteração das formalidades para sua concessão, pois a medida provisória prevê que não há necessidade de comunicação prévia ao Ministério do Trabalho e ao sindicato profissional. Basta a comunicação ao grupo de trabalhadores beneficiados com, no mínimo, 48 horas de antecedência, sendo possível a sua partição, respeitado o período mínimo de 5 dias.
Embora o artigo 11 da MP preveja que não se aplicam às férias coletivas, no período de sua vigência, o limite mínimo de dias corridos para seu gozo, faz-se referência expressa ao parágrafo 1º do artigo 5º que, no inciso I, dispõe que as férias antecipadas não serão concedidas em período inferior a 5 dias corridos. Logo, este limite também será observado quando da concessão das férias coletivas.
O artigo 11 da MP também prevê a possibilidade de concessão de férias coletivas para além dois períodos, em contraposição ao previsto no artigo 139, parágrafo 1º. da CLT.
A medida provisória também autoriza, em decorrência da calamidade e em prol da saúde pública, a suspensão das férias e outras licenças dos profissionais de saúde, desde que o empregado seja comunicado por escrito ou meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas. O mesmo raciocínio vale àqueles trabalhadores que desempenham funções essenciais.
Na hipótese de gozo de férias antecipadas, sem que haja adquirido o direito à fruição destas, os valores correspondentes serão descontados das verbas rescisórias em caso de pedido demissão. Entendemos que não obstante a inexistência de previsão legal, esta regra também se aplica à dispensa por justa causa, ante o princípio da causalidade.
Antecipação dos feriados
A medida provisória possibilita a antecipação dos feriados, segundo critério do empregador, mediante comunicação com antecedência mínima de 48 horas.
Novidade trazida pela MP é de que os feriados religiosos também poderão ser antecipados, independente da celebração de acordo escrito com o empregado, tal como se encontrava previsto na MP 927/20.
Observe-se que, novamente, concede-se ao empregador o exercício de um direito potestativo, pois, segundo a necessidade do empreendimento, terá a faculdade de antecipar os feriados civis ou religiosos, independente do aceite do empregado.
Banco de horas
Há também, no texto normativo em análise, autorização para interrupção de atividades pelo empregador e constituição de regime especial de compensação de jornada, consistente em banco de horas com prazo para compensação de até dezoito meses após o término de vigência da MP.
O regime especial de banco de horas poderá ser celebrado por acordo individual ou coletivo e a compensação se dará a critério do empregador, observando-se o limite de prorrogação máxima de 2 horas por dia, inclusive aos domingos, desde que autorizado pela autoridade competente em matéria de trabalho.
O novo regramento esclarece outrossim que as empresas que desempenham atividades essenciais, ou seja, que continuam em atividade durante o período da pandemia, também poderão celebrar o regime especial de banco de horas, mesmo que não tenham suas atividades interrompidas.
Tratou-se de questão polêmica quando do advento da MP 927/20, pois nada previa neste particular. O Poder Executivo, nesta oportunidade, corrige a omissão e estende esta flexibilização também aos empregadores que têm suas atividades econômicas consideradas essenciais.
Alteração das medidas administrativas em segurança e saúde do trabalho
A MP suspende, durante o prazo de sua vigência, a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares dos trabalhadores em teletrabalho, trabalho remoto ou à distância. Excetua, no entanto, a obrigatoriedade dos exames demissionais. Tais exames serão realizados no prazo de 120 dias a contar do término da vigência da MP.
Tal flexibilização não se aplica, ante o risco da atividade, aos trabalhadores da área de saúde e das áreas auxiliares em ambiente hospitalar, que terão prioridade na realização de testes para identificação do coronavírus, conforme normas internacionais e de segurança e saúde do trabalho.
Os exames periódicos dos trabalhadores presenciais, não realizados e vencidos durante o período de vigência da MP, poderão ser realizados no prazo de até cento e oitenta dias, contado da data de seu vencimento. Observe-se, aqui, que não se trata da data do término de vigência da MP, mas da data de vencimento do exame.
O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias, ou seja, uniformiza-se o prazo de equiparação do exame periódico ao exame demissional, independente do grau de risco da atividade econômica do empregador.
Tal como já ocorre na prática, a MP autoriza a realização de reuniões da CIPA, inclusive destinadas a processos eleitorais, de maneira remota, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação.
Suspensão da exigibilidade dos depósitos do FGTS
A MP também traz a possibilidade de o empregador requerer a suspensão da exigibilidade dos depósitos fundiários referentes às competências de abril, maio, junho e julho de 2021, em até 4 parcelas mensais, a partir de setembro de 2021, sem incidência de multa ou qualquer encargo.
A adesão ao benefício demandará o requerimento e a apresentação das informações à CEF, até 20 de agosto de 2021, sob pena de perder a prerrogativa das isenções e do parcelamento.
O parcelamento dos valores declarados ocorre de forma automática, dispensada a confirmação pelo empregador, sendo válido até dezembro de 2021.
No caso de término do contrato, resolve-se de imediato a suspensão em tela, devendo o empregador efetuar todos os recolhimentos fundiários a que faria jus o empregado de acordo com a legislação ordinária, antecipando-se, inclusive, eventuais parcelas vincendas.
Também, no caso de adesão do empregador ao benefício, ficará suspensa a contagem do prazo prescricional para reclamação dos depósitos fundiários, por cento e vinte dias, contados da data da publicação da MP.
Essas, portanto, eram principais considerações sobre a MP 1.046/20, que pouco inova se considerarmos a então MP 927/20. Aguardamos sua conversão em Lei e sua interpretação conforme os princípios da proteção, razoabilidade, valor social do trabalho e primazia da realidade sobre a forma.
[2] https://trt15.jus.br/jurisprudencia/consulta-de-jurisprudencia.