Pedro Estevam Serrano

Anderson Medeiros Bonfim

Juliana Salinas Serrano

A Lei de Improbidade Administrativa regulamentou a prova indiciária em duas circunstâncias. A existência de “fundados indícios” de responsabilidade pode ensejar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens daquele que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (art. 16, § 1º, Lei n.º 8.429/1992), isso para assegurar, exclusivamente, a reparação do dano ao erário ou, quando o caso, sobre os bens ilicitamente adquiridos. Do mesmo modo, prevê-se que petição inicial da ação principal deve ser instruída, ao menos, com “indícios suficientes” da existência do ato de improbidade (art. 17, § 6º, Lei n.º 8.429/1992).
Veja-se, portanto, que a prova indiciária, ao invés de obrigar que os legitimados ativos à propositura da ação instaurem processos administrativos tendentes à apuração do ato de improbidade, pode acarretar o manejo da ação judicial e, inclusive, a adoção de providência cautelar de indisponibilidade de bens.
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Entretanto, a intepretação dos dispositivos legais relativos à prova indiciária em ações de improbidade está ensejando inadmissíveis equívocos. Contraria-se a principiologia inerente ao Direito Administrativo Sancionador, bem como, em especial, os elementares devido processo legal, contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, justa distribuição do ônus da prova e vedação à interpretação extensiva.
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A primeira questão que se coloca com relação à noção dogmática da prova indiciária justificadora da concessão de cautelar de indisponibilidade de bens é que, da existência de “fundados indícios” de responsabilidade, devem decorrer os pressupostos de plausibilidade jurídica da pretensão sancionatória (fumus boni iuris) e periculum in mora. É preciso que repensemos o entendimento, especialmente capitaneado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que bastaria uma sui generis tutela de evidência (Recurso Especial n.º 1.366.721/BA), independentemente da demonstração, por exemplo, da prática de atos tendentes a comprometer a pretensão sancionadora.
Do mesmo modo, tem-se invocado, indevidamente, um suposto princípio – o do in dubio pro societate – para justificar o integral processamento de ações de improbidade instruídas, exclusivamente, com provas indiciárias, como se apenas o juízo terminativo de mérito fosse capaz de preservar os bens jurídicos tutelados.
Para aqueles que comungam da existência do princípio do in dubio pro societate, a pronta rejeição da ação – nas hipóteses de inexistência de ato de improbidade, improcedência da ação e inadequação da via eleita, prevista no art. 17, § 8º, da Lei n.º 8.429/1992 – não acobertaria situações em que há prova indiciária de prática de atos de improbidade e autoria. Consequentemente, a insuficiência de provas só deveria ensejar o trancamento da ação diante da robusta comprovação da inexistência do ato de improbidade (Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1.428.945/MA).
Entretanto, trata-se de uma peculiar inversão do ônus da prova que deve ser rechaçada. Confere-se ao legitimado ativo uma posição marcadamente privilegiada quando comparado ao réu: ao primeiro, a insuficiência de provas legitima a pretensão sancionadora e o prosseguimento da demanda; ao segundo, só lhe assiste o direito de trancamento da ação diante de provas cabais da inexistência de ato de improbidade.
Não se pode impor ao processamento da ação de improbidade a colheita de elementos de convicção semelhantes à comprovação da justa causa que deve ocorrer por ocasião da deflagração da ação sancionadora. A extensão e o alcance da mínima plausibilidade que se exige para fins de formulação da pretensão sancionadora não deve ser compreendida apenas tendo em vista o valor probidade na Administração, bem como o abstrato interesse público na persecução, mas também mediante o cotejamento dos direitos fundamentais daquele que sofre a imputação.
Ainda que reconhecendo a existência do princípio que ora refutamos, recente decisão concluiu que a teoria da asserção, que permite a aferição das condições da ação tendo em vista, exclusivamente, o deduzido na petição inicial, deve ser aplicada cum granu salis nas ações de improbidade, isso para resguardar os direitos subjetivos do imputado e não apenas o jus puniendi do Estado (Agravo no Recurso Especial n.º 1.167.413/ES).
Ainda que a prova indiciária não se confunda, por uma obviedade, com o juízo de valor pela procedência da demanda, é preciso que se demonstre, para fins de propositura da ação, “um juízo de verossimilhança tão elevado, que se aproxime mesmo da quase-convicção do sucesso do pleito”, consoante acertado voto vencido proferido nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1.428.945/MA.
Ademais, ainda que os procedimentos administrativos preparatórios às ações de improbidade não se constituam em condição de procedibilidade, a sua inexistência deve implicar em maiores restrições à valoração da prova indiciária em desfavor daquele que sofre a imputação da prática do ato de improbidade, isso para fins de recebimento de ações nela exclusivamente baseadas.
<blockquote class="jota-article__eye">Uma vez preteridos, pelos próprios legitimados ativos, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e, em certa medida, a própria presunção de inocência, é preciso mitigar os benefícios da própria torpeza.</blockquote>
De todo modo, mesmo diante de processos administrativos prévios, é preciso distinguir as provas da instância administrativa daquelas produzidas judicialmente. Além da independência entre referidas instâncias, o princípio da imparcialidade só se realiza no exercício da jurisdição, ao passo que às instâncias administrativas relega-se, quando muito, uma impessoalidade distante das garantias alcançadas em juízo.
Nesses termos, tem-se subjugado os princípios elementares do Direito Administrativo Sancionador em nome de um alegado interesse público que, em sua abstração, legitimaria pretensões persecutórias com base em provas inquisitória e unilateralmente produzidas. Entretanto, a alargada compreensão dos poderes do Estado, isso através de uma descabida fixação dos contornos dogmáticos da prova indiciária em ações de improbidade, é injustificável.
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Intepretação de dispositivos legais relativos à prova indiciária em ações de improbidade está ensejando inadmissíveis equívocos

Prova indiciária nas ações de improbidade administrativa

Intepretação de dispositivos legais relativos à prova indiciária em ações de improbidade está ensejando inadmissíveis equívocos