Alexandre Barreto de Souza

Ana Luiza Lima Mahon

A Proteção de Dados e a Defesa da Concorrência constituem duas áreas do direito – Digital e Concorrencial – que têm proporcionado discussões em âmbito internacional devido a questões como proximidade e alinhamento nos últimos anos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Em relação à proteção de dados, a atual Carta Constitucional do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, incisos X e XII, prevê o direito à inviolabilidade da privacidade e ao sigilo de dados.
Essa previsão constitucional é recente<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> na história do constitucionalismo brasileiro –manifesta-se a partir da atual Constituição – e, para dar efetividade a este direito fundamental, o legislador brasileiro inovou com a edição da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), sancionada em agosto de 2018 e modificada pela Medida Provisória nº 869/2018, que visa regulamentar a concessão e o uso de dados no ambiente virtual.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Vale mencionar que a Lei de Proteção de Dados sucedeu a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, e ambas possuem em sua base principiológica uma harmonização entre a promoção da defesa da concorrência e da proteção de dados pessoais.
Nesse cenário de concretização da proteção à privacidade e aos dados com a entrada em vigor da Lei nº 13.709/2018, reforça-se a necessidade de um alinhamento do tema com a defesa da concorrência no Brasil, pois as duas políticas públicas interagem e possuem objetivos distintos.
No presente artigo, faço algumas considerações sobre a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) após a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), tendo em vista que a proteção dos dados afeta a política pública de proteção da concorrência.
A análise terá dois enfoques: (i) a figura da cooperação entre as instituições brasileiras para a troca de informações e a atuação eficiente do serviço público e do mercado; (ii) o alinhamento da defesa da concorrência frente à economia digital e os novos desafios para as autoridades antitruste, considerando-se que há um século o recurso mais valioso do mundo era o petróleo e hoje são os dados<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Da cooperação no serviço público e o mercado da informação
Feita esta breve introdução, uma abordagem necessária – antes de adentrar nos aspectos concorrenciais – é a importância da própria informação para uma atuação eficiente do serviço público, assim como a informação é essencial ao mercado, o que já reflete minha opinião sobre a relevância do tema.
Nesse sentido, uma das minhas principais crenças e, em consequência, uma das minhas principais metas desde que assumi a presidência do Cade, foi facilitar e estimular a cooperação entre as instituições.
Essa prioridade é visível pela quantidade de Acordos de Cooperação Técnica (ACT) firmados ou renovados ao longo dos últimos anos, incluindo acordos com todos os Ministérios Públicos e com diversos órgãos governamentais e não governamentais, bem como com entidades estrangeiras.
Devemos nos render ao fato de que a cooperação é fundamental para que um país, o Estado ou uma de suas entidades, uma organização, um instituto, um escritório ou uma empresa funcionem de forma adequada e eficiente.
Mesmo o mercado, em que pese nossa grande preocupação com a competição, é em sua essência um grande sistema de cooperação, em que produtores e consumidores, querendo maximizar os respectivos ganhos, colaboram entre si.
Uma das formas mais visíveis da cooperação é a troca de informações. O mercado de informação sempre existiu. É inerente à existência da sociedade. Ocorre que até recentemente, na era analógica, as informações eram bem mais limitadas e a capacidade de armazenamento e análise dessas informações era muito mais restrita. Consequentemente, a geração de valor a partir destas, especialmente no que tange ao mercado de massa, era muito menor do que ocorre hoje.
Não que essa geração de valor não existisse. Para exemplificar, no campo das formas lícitas as empresas faziam pesquisas de mercado, com amostras, para posicionar seus produtos.
Por outro lado, de forma ilícita, em detrimento da sociedade, mas em benefício próprio, as empresas concorrentes trocavam informações entre si. Enfim, ganhar dinheiro com informação sempre foi possível, mas dada a limitação de informação analisável os ganhos também eram mais restritos. Por outro lado, a capacidade de empresas gerarem prejuízos à sociedade por meio de ilícitos envolvendo informação também era mais restrita do que hoje.
De toda forma, levando em consideração os possíveis prejuízos decorrentes das trocas de informações ilícitas, o Estado frequentemente procura intervir. Assim, nas suas diversas áreas de atuação, o Estado acompanha a evolução dos mercados e, em muitos casos, impõe restrições, dentro dos limites de sua competência legal e técnica.
Em síntese, naturalmente os mercados criam novas formas de interação, e o Estado, em resposta, vai buscar regulá-lo, inclusive impondo proibições quando entender ser cabível. Nosso exemplo mais claro de cooperação punível envolvendo informação no direito da concorrência é o ilícito de cartel.
Duas políticas públicas alinhadas: defesa da concorrência e proteção de dados
Focando no direito concorrencial, essa “nova economia” conhecida tanto por “economia digital” quanto por “economia da informação” – que envolve inovações como a big data, a inteligência artificial, as decisões baseadas em algoritmos e o atendimento personalizado das multidões, dentre outras – traz novos desafios para as autoridades de defesa da concorrência e para todos os demais operadores da área.
No Cade, temos acompanhado o desenvolvimento teórico e as ainda escassas decisões das autoridades estrangeiras sobre o tema, e, com isso, refletido e aprendido. Com a edição da LGPD, encontramo-nos diante de um novo marco no que tange ao acesso e utilização de informações, que contam agora com proteção legal das informações pessoais. E aí vem a pergunta: como a proteção desses dados afeta a política pública de proteção da concorrência e qual a visão do Cade sobre isso?
O primeiro ponto é que é inegável que os diferentes ramos do Direito interagem, bem como, naturalmente, os agentes públicos e privados que atuam nesses ramos. Esse ajuste entre ramos do Direito – a fim de garantir segurança jurídica, e, preferencialmente, com a adoção das regras mais eficientes – muitas vezes demora mais do que o esperado, mas é papel do Estado buscar tal solução.
O fato é que há técnicas jurídicas de aplicação das normas que buscam resolver esses problemas. Assim, no caso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o mesmo se aplicará.
Um segundo ponto é que a questão da evolução da tecnologia da informação tende a gerar muito mais eficiências do que prejuízos decorrentes de restrições concorrenciais, embora esses prejuízos possam ser significativos.
Em grande parte dos casos o próprio mercado se ajusta de forma adequada. Ou o Estado pode empreender medidas para esses ganhos de eficiência, como é o interessante caso do open banking, do Banco Central, que promoverá uma concorrência entre as instituições.
Entrarei ainda na questão dos riscos concorrenciais, mas o fato é que a autoridade antitruste não pode ignorar os vultosos ganhos de eficiência decorrentes do processo de armazenamento, análise e troca de informações. Uma das grandes dificuldades será a mensuração dessas eficiências, o que já é uma tarefa complexa mesmo na análise tradicional antitruste.
Outro ponto relevante, e que demanda atenção da autoridade concorrencial, é o elevadíssimo dinamismo dos mercados de informação. Isso dificulta ainda mais a análise concorrencial, tendo em vista que essa dificuldade envolve não somente as empresas que atuam diretamente com informações, tais como as redes sociais, mas também os mercados que trabalham com a informação como suporte à sua atividade-fim.
O impacto da informação é relevante, agindo esta como um fator determinante para o futuro dos grupos econômicos. Se a informação gera muito valor, por exemplo, a empresa pode ir muito bem. Contudo, se a informação deixa de ter valor – o que de fato acontece –, mesmo uma grande empresa pode passar a ter dificuldades.
Isso não significa que a autoridade concorrencial deva deixar o mercado completamente livre. Em verdade, significa que a análise tornou-se muito mais complexa, exigindo bem mais não apenas do Estado, mas também dos advogados e das empresas.
Tendo em vista que é impossível conhecer o futuro, deve-se continuar trabalhando com as melhores técnicas e os melhores dados para a tomada de decisão. Em um mundo mais complexo, porém, esse trabalho passa a ser igualmente mais complexo.
Em suma, com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, bem como com a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a defesa da concorrência permanece forte e alinhada com outras políticas públicas, não havendo risco de colisão de objetivos.
O Estado já possui instituições governamentais bem definidas, com competências distintas, que irão – na medida das políticas públicas cabíveis a cada uma – atuar de forma cooperativa, embora de maneira independente.
Assim, o Cade há de seguir com a realização da análise concorrencial que lhe compete, enquanto a ANDP é encarregada da fiscalização e regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados e entidades responsáveis pela defesa do consumidor.
Não está descartada, no entanto, a possibilidade da cooperação entre entes públicos, ou mesmo a cooperação com entes privados, na busca de soluções eficientes para as falhas de mercado decorrentes da possibilidade do uso amplo de informações, sendo estas atribuições já empreendidas pelo Cade.
Ademais, para finalizar, ressalto que a preocupação concorrencial é, na verdade, direcionada à informação em si, apesar de a nova Lei de Proteção de Dados cumprir a função de diminuir os riscos concorrenciais relacionados à informação.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ZANATTA, Rafael A. F.; RENZETTI, Bruno. Proteção de dados pessoais e direito concorrencial: razões de aproximação e potencialidades de pesquisa. Revista Fórum de Direito  na Economia Digital, Belo Horizonte, a. 3, n. 4, p. 141-170, jan/jun, 2019.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 20 ed. – São Paulo: Atlas, 2006. Página 60.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data">https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data</a>&gt;.

Cade

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JOTA

Com a entrada em vigor da LGPD, defesa da concorrência permanece forte e alinhada com outras políticas públicas

Proteção de dados e defesa da concorrência

Com a entrada em vigor da LGPD, defesa da concorrência permanece forte e alinhada com outras políticas públicas