André Silveira

Em 08/03/2021, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, por unanimidade, deu importante sinalização ao mercado de que investimentos efetuados com base na confiança em relação à postura da Administração criam expectativas albergadas pelo ordenamento jurídico pátrio, cuja quebra gera o dever de indenizar.
O caso trata das concessões das usinas hidrelétricas (UHE) localizadas no rio Madeira, tendo o Tribunal considerado vinculantes os esclarecimentos aos questionamentos dos licitantes, fornecidos na fase licitatória da UHE Jirau, que garantiam a possibilidade de ampliação do potencial energético, com ganho de energia assegurada, caso aprovada a alteração do projeto básico, bem como que confirmavam o nível de operação da UHE Santo Antônio, objeto de Leilão anterior, localizada à jusante do rio.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Com efeito, o lance vencedor — cujo preço apresentava deságio de 21,6% do preço-teto do leilão, o que representaria um ganho adicional de cerca de R$ 7,7 bilhões aos consumidores — foi ofertado baseando-se nos excedentes de energia que seriam obtidos com a aprovação da alteração do projeto básico para aumentar a motorização da UHE Jirau, desde que mantido o nível de operação da UHE Santo Antônio, conforme esclarecido pela ANEEL.
Contudo, mesmo com a aprovação da alteração do projeto da UHE Jirau, que proporcionava ganhos de eficiência, e realização dos investimentos respectivos, a ANEEL, a partir de um comportamento contraditório, também aprovou dois acréscimos à cota de operação da UHE Santo Antônio que reduziam consideravelmente os excedentes de energia considerados na equação econômico-financeira do melhor preço.
A Sexta Turma, diante da situação concreta, deu provimento ao recurso de apelação do consórcio vencedor, representado pelo escritório Sergio Bermudes Advogados, para julgar procedente sua pretensão ressarcitória<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O Tribunal considerou que a União e a ANEEL seriam responsáveis não só pela observância da garantia física do empreendimento constante do edital, mas também por “garantir que as alterações em relação às quais criou expectativa por ocasião da realização do leilão sejam implementadas, sob pena de ofensa à boa-fé e vinculação ao instrumento convocatório”.
Assim, não obstante as rés sustentarem que a pretensão da autora configurava mera “expectativa de direitos”, a Corte Regional Federal entendeu que “em razão da elevação da cota de queda d’água da UHE Santo Antônio, restou frustrada na pretensão de aumento da garantia física da UHE Jirau, o que, por óbvio, configura, em princípio, quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.
<blockquote class="jota-article__eye">Muito embora não tenha sido expressamente citado, o acórdão acabou por conferir proteção ao princípio da segurança jurídica e, por dedução deste, ao princípio da confiança.</blockquote>
De acordo com Rafael da Cás Maffini, o princípio da segurança jurídica incide de duas formas principais, quais sejam, no sentido objetivo, voltado à ordem jurídica objetivamente considerada, e no sentido subjetivo “assim considerado a proteção da confiança depositada legitimamente pelos cidadãos nos atos e promessas feitas pelo Estado, em suas mais variadas espécies de atuação”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Por sua vez, citando Almiro do Couto e Silva<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, tem-se que a proteção da confiança incidiria tanto “impondo limites ao Estado em relação à prerrogativa de alteração de condutas ou modificação de atos produtores de efeitos favoráveis aos seus destinatários, ainda quando praticados à revelia da ordem jurídica”, como “determinando ‘consequências patrimoniais por essas alterações sempre que em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos’”.
Portanto, ao considerar que a Administração deveria garantir a alteração que resultaria em excedente de energia a ser comercializado, porque “as rés legitimaram a expectativa da autora ESBR em ampliar seu potencial, fundamental para a oferta de lance para operação do empreendimento” e ao condená-la a indenizar o particular, por ter frustrado tal expectativa, a Sexta Turma do TRF1 tutelou não só a legítima confiança do investidor, protegendo sua propriedade privada (o capital investido), como de todo o mercado.
Afinal, segundo a análise de Daron Acemoglu e James Robinson<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, a “segurança da propriedade privada” consiste em pressuposto para a existência de instituições econômicas inclusivas — as quais fomentam a atividade econômica, o aumento da produtividade e a prosperidade da economia, promovendo redistribuição de renda e poder — um dos fatores que explicam por que algumas nações prosperam, enquanto outras fracassam.
Não se pode perder de vista que infraestrutura é um elemento-chave na promoção de desenvolvimento socioeconômico, pois permite que investimentos produtivos sejam mais rentáveis e atraentes, gerando maior eficiência ao sistema econômico, que, por sua vez, tem o condão de ampliar o nível de emprego, salário e demanda, afetando positivamente o consumidor, e possibilita a adoção de políticas públicas de distribuição e equilíbrio de renda e redução da pobreza<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, em observância aos objetivos da República Federativa do Brasil expostos na Constituição Federal.
A despeito da importância, investimentos em infraestrutura, em razão do alto custo<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, não podem contar apenas com capital público, sob pena de sobrecarregar o orçamento, de modo que se faz imprescindível a participação de capital privado, enquanto relevante instrumento de atendimento às necessidades sociais e implementação de políticas públicas<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, por meio de concessões comuns, parcerias público-privadas e inclusive financiamentos<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Nas palavras de Marçal Justen Filho, “não se pode condenar a comunidade à ausência de serviços essenciais quando o Estado não dispuser de recursos para custeio integral das necessidades”, havendo situações que nas quais a aplicação de recursos privados será “a única alternativa para evitar o colapso de determinados serviços públicos”<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Daí a necessidade de se exaltar decisões que garantem a segurança jurídica, a proteção da confiança e a propriedade privada, coibindo as condutas da Administração Pública que impactam negativamente a atratividade de investimentos particulares na prestação de serviços públicos de infraestrutura, tão relevantes no cumprimento dos objetos do Estado brasileiro.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nos autos da APC 0011298-47.2016.4.01.3400, de relatoria do Desembargador Jirair Aram Meguerian, sendo relator convocado o Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para condenar a ANEEL e União “à reparação pelos prejuízos causados à ESBR em decorrência das alterações nas condições de exploração e operação da UHE Jirau, considerando-se a impossibilidade de comercializar os excedentes de energia previstos e também os investimentos realizados pela concessionária e não aproveitados, montante a ser apurado em liquidação de sentença”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MAFFINI, Rafael da Cás. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. p. 48.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da administração pública de anular os seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 237, jul./set. 2004. p. 274. Apud MAFFINI, Rafael da Cás. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. p. 47.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> “Para serem inclusivas, as instituições econômicas devem incluir segurança da propriedade privada, sistema jurídico imparcial e uma gama de serviços públicos que proporcionem condições igualitárias para
que as pessoas possam realizar intercâmbios e estabelecer contratos, além de possibilitar o ingresso de novas empresas e permitir a cada um escolher sua profissão.” ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 79.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Infraestrutura econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Brasilia: Ipea, 2010. p. 16-19. QUEIROZ, Cesar. ASTESIANO, Gaston. SEREBRISKY, Tomás. An overview of the Brazilian PPP experience from a stakeholders’ viewpoint. IBD Technical Note 641. Inter-American Development Bank, 2014. p. 14.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> A infraestrutura deficitária é apontada justamente como um dos maiores obstáculos para o crescimento econômico e desenvolvimento da região da América Latina e Caribe. Cf.  QUEIROZ, Cesar. ASTESIANO, Gaston. SEREBRISKY, Tomás. An overview of the Brazilian PPP experience from a stakeholders’ viewpoint. IBD Technical Note 641. Inter-American Development Bank, 2014. p. 14; Em média, a região gasta menos de 2% do PIB em infraestrutura, enquanto seria necessário de 3 a 6% para alcançar ou se manter o nível de infraestrutura de países como Coréia do Sul ou China, que já trilharam esse caminho de desenvolvimento. Cf. FAY Marianne. MORRISON, Mary. Infrastructure in Latin America and the Caribbean: recent developments and key challenges. Directions in development. Infrastructure. The World Bank. p. 1-2. “Nos últimos 15 anos, o Brasil investiu não mais do que 2,40% do PIB.  Para reduzir gargalos à competitividade e aumentar a produtividade, o país precisa investir 4,31% do PIB por ano, ao longo de no mínimo dez anos seguidos. Os baixos investimentos nesse período tiveram como consequência forte queda no estoque da infraestrutura, que passou de 58,3% do PIB na década de 1980 para 36,2% em 2016”. Disponível em: https://www.abdib.org.br/2020/02/11/investimento-infraestrutura/ Acesso em 13 mar. 2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> JUSTEN FILHO, Marçal. As diversas configurações da concessão de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Ed. Fórum. Belo Horizonte, ano 1, n.1, jan./mar. 2003. p. 1.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> QUEIROZ, Cesar. ASTESIANO, Gaston. SEREBRISKY, Tomás. An overview of the Brazilian PPP experience from a stakeholders’ viewpoint. IBD Technical Note 641. Inter-American Development Bank, 2014. p. 12.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> JUSTEN FILHO, Marçal. As diversas configurações da concessão de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Ed. Fórum. Belo Horizonte, ano 1, n.1, jan./mar. 2003. p. 24.

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TRF1 considerou que a União e a ANEEL seriam responsáveis também por implementação de expectativas de edital

Proteção da confiança como ferramenta de desenvolvimento socioeconômico

Análise do entendimento da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região