Luiza Veronese Lacava

Existem muitos meios de levar uma instituição à falência. Quando pensamos em possíveis ameaças aos principais órgãos e institutos de proteção ambiental brasileiros – Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Código Florestal –, ficamos atentos às grandes decisões: buscamos acompanhar projetos de lei que alteram marcos legais, observamos trocas de ministros, assistimos a pronunciamentos em rede nacional. A bola da vez é o PL 191/2020, de autoria do Poder Executivo, que tem como objeto principal a regulamentação da exploração mineral em terras indígenas, mas que, de tão amplo, tem sido chamado por organizações ambientais de “PL X-Tudo”.
Ocorre que, quando nos atentamos – com razão! – para as grandes decisões, negligenciamos o impacto que pequenas e contínuas decisões têm sobre a deterioração de instituições. Neste artigo, olhamos mais atentamente para o que tem dentro e o que vem antes de projetos como o "X-Tudo", para entender como o arcabouço infralegal e decisões orçamentárias têm impacto tão ou mais significativo na desestruturação de mecanismos de proteção ambiental.
Os cientistas políticos Steven Levitsky e Raquel Murillo nos dão algumas pistas sobre como se dão os processos de transformação e deterioração institucional. Para os pesquisadores, a extinção total de uma instituição (uma lei ou um órgão, por exemplo) demanda grande articulação política e tem alto custo reputacional, social e operacional para o tomador de decisão. Uma alternativa para evitar estes ônus seria relaxar progressivamente o cumprimento das normas, mantendo a “casca” institucional operante, para fins de imagem pública, mas dificultando que ela funcione para o fim ao qual foi projetada.
Explico. Tomemos como exemplo o Ibama, autarquia federal que, segundo dados oficiais recém-publicados na imprensa, possuía em 2010 1.311 fiscais em atuação, número que foi reduzido para 591 em 2020, uma diminuição de 55% no quadro de servidores. Em 2021, atendendo a apelos do órgão e recomendação de urgência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mpf">Ministério Público Federal</a>, foi anunciado concurso público para a instituição, dez anos após a ocorrência do último certame.
O pulo do gato, entretanto, foi a destinação de mais de 70% das vagas para o cargo de técnico ambiental, de nível médio, função de apoio ao trabalho dos fiscais, e que não tem atribuição para as atividades práticas de fiscalização. Enquanto isso, a idade média do quadro atual de servidores fiscais é avançada, e boa parte está inapta para o trabalho de campo.
Ao mesmo tempo, relatório da rede Observatório do Clima de 2021 demonstrou que, naquele ano, o Ibama executou apenas 41% do orçamento autorizado para o exercício, deixando de gastar R$ 217 milhões que tinha em caixa. O desfalque de pessoal, aliado ao baixo investimento, tem consequências imediatas na atividade-fim da instituição: segundo o Observatório, o número de autos de infração do período de agosto de 2020 a julho de 2021 foi 40% menor ao do mesmo período entre 2017 e 2018. O mesmo ocorre com as apreensões e os embargos de propriedades rurais, que caíram 81% e 70% entre 2021 e 2018. E isso sem alterar nenhuma lei.
Para completar a receita da mudança institucional, um ingrediente sutil, porém poderoso: a legislação infralegal. Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro de 2021 demonstra que houve aumento expressivo no número de decretos relativos ao meio ambiente a partir de 2017, sendo os principais temas no período 2017-2018 a reforma agrária, demarcação de quilombos e a regularização fundiária, e a partir desta data, o estímulo a atividades econômicas e militares na Amazônia Legal.
E no meio desta boiada encontramos atos normativos como o discreto <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9806.htm">Decreto 9.806/2019</a>, que altera a composição original do Conselho Nacional do Meio Ambiente (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/conama">Conama</a>), diminuindo a participação da sociedade civil no órgão para apenas 25,9% dos assentos, enquanto setores do Executivo federal concentram 43%. Entre outras atribuições, o Conama é responsável por estabelecer normas e critérios para o licenciamento ambiental no Brasil.
Considerando este cenário de enfraquecimento institucional, qual o interesse – Levitsky e Murillo perguntam – em manter as regras vigentes no papel? Para os autores, a carcaça da instituição mantém a aparência perante a sociedade e a comunidade internacional, e evita sanções em órgãos multilaterais. O enfraquecimento institucional não demanda necessariamente a revogação ou aprovação de um vasto marco legal. Por vezes, o que existe dentro do "X-Tudo" são cortes no orçamento, precarização dos recursos humanos e queda coordenada na fiscalização e cumprimento das normas.
E como contornar a situação? Dentro das muitas respostas possíveis, ficamos com uma, que não é nova e nem é fórmula mágica: o apoio e o fortalecimento das instituições democráticas. E junto, o convite para olhar criticamente discursos que propõem enxugar quadros, orçamento e atribuições de órgãos estatais, por vezes justificados de forma convincente por políticas de austeridade. Democracias e instituições morrem de diversas formas, pelas grandes e pelas pequenas decisões.
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BORGES, A. Ibama perde 55% dos fiscais em 10 anos. O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 2020. Disponível em: <a href="https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,ibama-perde-55-dos-fiscais-em-10-anos,70003397998">https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,ibama-perde-55-dos-fiscais-em-10-anos,70003397998</a>. Acesso: 11.03.2022.
LEVITSKY, S.; MURILLO, R. Lessons from Latin America: Building Institutions on Weak Foundations. Journal of Democracy, vol. 24, no. 2, Apr. 2013.
OBSERVATÓRIO DO CLIMA. A conta chegou: o terceiro ano de destruição ambiental sob Jair Bolsonaro. Texto de Felipe Werneck, Cláudio Angelo e Suely Araújo. Jan, 2022. Disponível em: <a href="https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/02/A-conta-chegou-HD.pdf">https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/02/A-conta-chegou-HD.pdf</a>. Último acesso: 11.03.2022.
OBSERVATÓRIO DO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Decretos presidenciais e o meio ambiente. Texto de Leonardo Martins Barbosa, Pieter Zalis e João Feres Júnior. Abr, 2021. Disponível em: <a href="https://olb.org.br/decretos-presidenciais-e-o-meio-ambiente/">https://olb.org.br/decretos-presidenciais-e-o-meio-ambiente/</a>. Último acesso: 11.03.2021.

proteção ambiental

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JOTA

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