João Carlos Velloso

Flávio Jardim

No Brasil – assim como nos 164 países signatários do Acordo TRIPS<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> – a proteção patentária não se inicia na data em que o órgão administrativo concede o pedido de patente. Em vez disso, a vigência das patentes começa na data do depósito do pedido junto ao INPI (LPI, art. 40<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>), podendo o titular da patente, por sinal, obter indenizações por ofensas ocorridas a partir dessa data (LPI, art. 44<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>). Tem-se, assim, que a concessão da patente consiste simplesmente na confirmação de um monopólio que, em realidade, já existia desde o protocolo do pedido<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A despeito da proteção retroativa conferida pelo art. 44, da LPI, o mesmo Diploma optou por assegurar um prazo mínimo de proteção patentária a ser contado a partir data da efetiva concessão do pedido (LPI, art. 40, parágrafo único<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>). Permite-se, por meio desse dispositivo, a prorrogação do prazo regular de vigência da proteção (vinte anos) quando o exame técnico se delongar. De forma específica, nas hipóteses em que o lapso temporal existente entre a data do depósito e a concessão for superior a dez anos (no caso de patente de invenção) ou treze anos (no caso de patente de modelo de utilidade), o titular terá o prazo de vigência da proteção intelectual estendido.
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A justificativa por detrás do referido parágrafo único é a de que a proteção conferida antes da efetiva concessão seria precária e, portanto, insuficiente para se assegurar o monopólio do inventor. Por consequência, inexistiriam formas adequadas para se inibir a concorrência de agentes que não hajam participado dos custos em testes e pesquisas que resultaram na invenção (free-riders). Assim, tendo em vista a demora sistemática do INPI na análise técnica dos pedidos de proteção, sem o mecanismo constante do parágrafo único, faltariam estímulos para a inovação tecnológica no Brasil.
Essa suposta insuficiência da proteção já se mostrou falaciosa em inúmeros estudos sobre o tema<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. O argumento, porém, é ainda menos convincente quando se tem em conta que o ordenamento jurídico brasileiro acolhe a “teoria do lucro da intervenção” (disgorgement damages)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. De acordo com a doutrina em questão, aquele que tenha direito violado poderá pleitear, além daquilo que deixou de ganhar, todo o proveito econômico que o agente ofensor obteve a partir da utilização não autorizada da patente, i.e., o “lucro da intervenção”. É dizer: o agente lesado irá não somente reaver o que não ganhou como também poderá recuperar o que o seu concorrente lucrou. Sobre o ponto, Nelson Rosenvald leciona que:
“Os fundamentais conceitos dos gain-based damages, disgorgement e restitutionary damages, são utilizados nas diversas jurisdições da common law para justificar os flutuantes parâmetros objetivos das diversas respostas em que um benefício ilicitamente obtido pelo ofensor deverá ser transferido para a vítima de um ilícito. Nesse sentido, os remédios restitutórios servem ao mesmo propósito fundamental: evitar que alguém lucre com a prática de um ato ilícito, pela recaptura dos ganhos auferidos com o descumprimento de um dever legal ou violação de um direito alheio. Em comum às duas espécies de restituição por ilícitos, disgorgement e restitutionary damages, a condenação não levará em conta a real existência de prejuízos por parte do demandante, ou, se esses existiram, se há proporcionalidade entre as perdas e os ganhos indevidos do réu”.
Robert Cooter, professor de Direito e Economia da Universidade da Califórnia –  Berkeley, assevera que a restituição dos danos materiais (o que se deixou de ganhar) coloca a vítima na mesma posição que estaria se nenhuma violação houvesse existido<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. Os disgorgement damages (lucro da intervenção), por sua vez, impedem que o infrator saia-se em uma posição melhor à que estava antes da prática do ilícito. Por isso mesmo “o disgorgement é uma forma útil para se inibir violações [à propriedade intelectual]<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>”.
<blockquote class="jota-article__eye">Em nenhum cenário, portanto, a violação à propriedade intelectual compensará o risco.</blockquote>
É que, de tão relevantes, as patentes gozam de proteção qualificada em relação a outros bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, que autoriza a aplicação de sanções “ultracompensatórias” para proteger a propriedade intelectual e dissuadir infrações.
Tem-se, portanto, que o argumento no sentido de que a proteção retroativa conferida pelo art. 44 da LPI não seja idônea a proteger o titular de patente não subsiste, sobretudo quando se considera a aplicação da teoria do lucro da intervenção. Nesse sentido, mostra-se acertada a lição de Gama Cerqueira para quem “a prorrogação do privilégio é medida que não encontra nenhuma justificativa e que só poderá dar lugar a abusos e injustiças”<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Acordo TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Property – é um tratado internacional que define as diretrizes sobre regras de propriedade intelectual a serem seguidas pelos países signatários.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei n. 9.297 (Lei da Propriedade Industrial), art. 40: “A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilizade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data de depósito”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Lei n. 9.297 (Lei da Propriedade Industrial), art. 44: “Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e da concessão da patente”.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre o ponto, Ivan Alehrt assevera que “a patente efetivamente vale como um instrumento de mercado antes da sua conessão. O efeito econômico precede a plenitude do efeito jurídico” (Interpretação de Reinvindicações e Infração de Patentes na Lei Brasileira de Propriedade Industrial, ap. Dênis Borges Barbosa, A inexplicável política pública por trás do parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial, p. 24] No mesmo sentido, Dênis Borges Barbosa afirma que “ainda que os efeitos jurídicos de uma patente, anteriores à sua concessão, sejam diferentes dos efeitos subsequentes, há uma notável convergência dos efeitos econômicos e de ambas as hipóteses” [Dênis Borges Barbosa, id., p. 25.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Lei n. 9.297 (Lei da Propriedade Industrial), art. 40: “A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilizade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para patente de invenção e a 7 (sete) anos para patente de modelo de utilidade, a contar da data da concessão […]”.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Por todos, mencione-se Gesner Oliveira et. al., Os impactos econômicos e concorrenciais decorrentes do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/96, p. 68: “O art. 44 é meio efetivo de garantir a compensação dos inventores sob a presença de backlog. Faz isso sem gerar distorções na duração de patentes na economia e não criando proteção adicional a pedidos eminentementes fracos”.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Sobre o tema, v. STJ, v. STJ, Resp 1.698.701/RJ, Rel. Min. Villas Boas Cuêva, DJe 8.10.2018.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Robert Cooter, Law and Economics of Intelectual Property, p. 149.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Robert Cooter, id., p. 149.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> João da Gama Cerqueira, Tratado da Propriedade Industrial, 3a Ed., p. 159

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JOTA

Uma análise do artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)

O lucro da intervenção e a proteção patentária no Brasil

O lucro da intervenção e a proteção patentária no Brasil. Uma análise do artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial