Como professor, pesquisador e inventor que acompanha a evolução da tecnologia, percebo o papel crítico que as patentes desempenham na promoção da inovação e de um ambiente competitivo na indústria. As patentes não são apenas instrumentos legais: são uma força essencial que garante o fluxo contínuo da inovação, permitindo às empresas proteger e rentabilizar as suas invenções, de um lado; e criando serviços e comodidades aos usuários, de outro. A proteção de invenções é, portanto, essencial para recuperar os investimentos necessários à evolução tecnológica em indústrias caracterizadas por rápidos avanços que, por sua vez, são respostas a demandas da própria sociedade.
Considerando que da Engenharia advém grande parte das invenções patenteadas, a questão que levanto é sobre o papel que o tema “Propriedade Intelectual” deve ter na formação do Engenheiro.
Pergunta-se então: por que os currículos de Engenharia, geralmente, não dedicam 1 hora sequer das suas mais de 3 mil horas de formação ao tema “Patentes”?
Minha especialidade é Telecomunicações, uma das áreas de aplicação que mais contribuem com depósitos de patentes todos os anos e da qual fazem parte algumas das empresas mais inovadoras do mundo. Na análise que farei a seguir, darei exemplos no contexto da Engenharia de Telecomunicações, mas que se aplicam igualmente a diversas outras subespecialidades da Engenharia e demais áreas de formação universitária intensivas em inovação.
O interesse natural dos estudantes sobre o tema
O tema “patentes” costuma chamar atenção de meus alunos com relativa frequência, principalmente devido à existência das chamadas “Guerras de Patentes”. Estas disputas chamam a atenção sobre os altos riscos e investimentos envolvidos em inovação nas indústrias intensivas em tecnologia. No setor de telecomunicações estes conflitos são frequentes e tem alta visibilidade midiática, realçando o valor atribuído à Propriedade Intelectual (P.I.) nesta indústria. Os estudantes têm natural curiosidade sobre como, na prática, se resolvem essas disputas. A inexistência de conteúdos específicos sobre P.I. no Currículo da maioria dos cursos de Engenharia, porém, limita as oportunidades de transformar esse interesse numa opção de carreira dos futuros engenheiros.
Os engenheiros têm importante papel nessas disputas, atuando como especialistas, aplicando seus conhecimentos na interpretação e avaliação dos méritos técnicos das reivindicações de patentes. Os seus conhecimentos podem esclarecer o escopo das patentes, avaliar potenciais sobreposições com tecnologias existentes e elucidar questões técnicas complexas que podem determinar o resultado das disputas.
Outro aspecto chamativo é o conceito de “Patentes Essenciais” (ou SEPs). Tal conceito é particularmente proeminente nas telecomunicações e requer compreender a nuance sobre como a interoperabilidade entre equipamentos se relaciona com a criação de padrões tecnológicos globais (como é o caso dos padrões que especificam os sistemas 4G e 5G). As SEPs garantem que as inovações essenciais para os padrões tecnológicos sejam acessíveis a todos os participantes do mercado. A compreensão desse equilíbrio pode proporcionar aos graduandos uma percepção ampliada sobre o valor de seu trabalho como desenvolvedores de tecnologia e sobre o valor do próprio sistema de patentes.
Sobre os currículos de Engenharia
A formação de Engenharia capacita os alunos com um profundo conhecimento técnico especializado, crucial para impulsionar a inovação na indústria. Não se pode falar de patentes antes de falar de inovação tecnológica e esta última se baseia em profundo conhecimento técnico. Os currículos de Engenharia estão, portanto, corretos em ter foco central em uma formação que habilita o futuro engenheiro a, antes de tudo, conceber tecnologia.
Esta abordagem também promove uma mentalidade analítica e atenção aos detalhes, habilidades inestimáveis no domínio da análise de patentes. Neste sentido podemos concluir, de partida, que os currículos de Engenharia semeiam bases sólidas para uma futura atuação de Engenheiros em P.I., seja como inventores, seja como analistas, seja como consultores.
Por outro lado, espera-se do Engenheiro do século XXI, cada vez mais, a capacidade de participar ativamente do processo de inovação tecnológica, por exemplo atuando tecnicamente no âmbito de uma startup; ou liderando a gestão da inovação em uma grande empresa de tecnologia; ou ainda, como analista de patentes em algum tipo de escritório de P.I. Todos esses papéis são relevantes no encadeamento para que ideias se tornem produtos e serviços inovadores com impacto no mercado.
A questão é se, em seu conjunto, os atuais Currículos estimulam que os futuros engenheiros tenham em mente essas opções de atuação profissional assim como ofereçam um mínimo de capacitação para tal.
Por fim, iniciar a capacitação em P.I. ainda na graduação atende uma necessidade dos próprios escritórios nacionais de patentes. O volume de patentes depositadas tem crescido, e com isto a carga de trabalho dos analistas de patentes. Incentivar os futuros Engenheiros a considerarem uma opção de carreira em P.I. ajudará a suprir essa demanda por profissionais capacitados no setor e contribuirá para manter o sistema de P.I. com o nível de credibilidade necessário ao cumprimento de sua missão.
Uma proposta de curricularização da Propriedade Intelectual na Engenharia
Os currículos dos cursos de Engenharia deveriam incluir uma carga horária de ao menos 16 horas em Propriedade Intelectual. Isto é o que atualmente eu pratico no contexto da disciplina “Gestão da Inovação Tecnológica” criada e ministrada por mim no curso de graduação em Engenharia de Telecomunicações da UFC. Essa carga horária é suficiente para apresentar os conceitos fundamentais de P.I., apresentar exemplos relevantes e sugerir pontos de partida para aprofundamento para aqueles que quiserem se especializar. Por outro lado, não é suficiente para aprofundamentos e dinamização do conteúdo para uma vivência mais próxima da prática.
Idealmente advogo que possamos ter uma disciplina dedicada ao tema (64 horas ao longo de 1 semestre). Neste caso, reconhecendo a natureza multidisciplinar do assunto, tal disciplina pode ser dividida por um grupo de professores, não somente da Engenharia, mas envolvendo, por exemplo, docentes do Direito com vivência no assunto, e tendo mesclados entre as aulas teóricas, trabalhos em grupo, estudos de caso, disputas de patentes simuladas e palestras de profissionais já atuantes no mercado (empreendedores-inovadores, inventores, analistas de patentes etc.). Portanto, a maior carga horária dedicada ao tema poderia não só ampliar o escopo teórico coberto (incluindo abordar a necessária intersecção entre conhecimento técnico e a Lei de Propriedade Industrial) como dar-lhe um caráter prático.
Conclusão
A sustentabilidade das indústrias intensivas em tecnologia depende de princípios de proteção da inovação, da promoção da concorrência leal e, no caso específico do setor de telecomunicações, do incentivo à colaboração para a criação de padrões tecnológicos globais.
Os currículos de Engenharia devem incentivar os estudantes a considerarem oportunidades de carreira que vão além das funções tradicionais. Tal tarefa se torna viável quando conteúdos específicos dos currículos permitem apresentar e dinamizar o corpo de conhecimentos envolvidos em tais caminhos. Quando o assunto é Propriedade Intelectual, essa lacuna curricular é observada e urge saná-la.
Mostrar o impacto da Engenharia na sociedade, na economia e no domínio jurídico através do sistema de patentes pode inspirar uma nova geração de engenheiros que se considerarão não apenas inventores, mas como tendo papel crucial na sustentabilidade econômica das indústrias intensivas em tecnologia, das quais, cada vez mais, a sociedade contemporânea depende.