Gabriel Mendes Gonçalves Issa

Paulo Roberto Gomes de Carvalho

No contexto da ampliação do prazo de consulta pública até 06 de março próximo, comentaremos a iniciativa da presidência de propor alterações no regimento interno do CARF. Contudo, não serão analisadas as propostas de forma individual, mas sim os objetivos identificados de um modo geral, relacionando-os à função exercida pelo CARF.
Isso porque a proposta de alteração do regimento do CARF é um bom exemplo para ilustrar como o Poder Executivo e os contribuintes, representados pelos advogados que atuam tribunal administrativo, podem ter expectativas antagônicas com relação à função exercida pelo órgão.
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De início, a realização da consulta pública<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> deve ser elogiada porque indica preocupação em assegurar a transparência no órgão, que decorre do princípio da publicidade que deve nortear os trabalhos da administração pública, conforme determinado pelo artigo 37 da Constituição Federal.
Tais providências são especialmente importantes em se tratando de CARF, pois a realização da consulta pública viabiliza a participação popular no processo de tomada de decisões pela administração pública, o que consagra a natureza paritária do órgão.
Além disso, também consideramos positiva a preocupação expressa na exposição de motivos para alteração do regimento, assinada pela presidência, que deixa claro que os objetivos almejados são “imprimir maior celeridade na solução dos litígios, melhorar a eficiência dos processos de trabalho do órgão e, ainda, reduzir o seu custeio (...)”.
A celeridade é um princípio que deve nortear qualquer órgão julgador, pois a pacificação de qualquer conflito travado pelas partes muitas vezes depende de uma rápida solução a ser satisfatoriamente concedida pelo Estado.
É princípio positivado na legislação processual e que no âmbito administrativo tem ainda mais relevância em razão da necessidade de ser observado também o princípio da eficiência, previsto no artigo 2º, caput, da Lei n. 9.784/96.
Ainda a respeito da exposição de motivos, a almejada redução de custos está em sintonia com a política orçamentária adotada pelo Governo Federal e, nessa medida, também não há críticas a serem feitas.
<blockquote class="jota-article__eye">Contudo, o problema, ao nosso ver, aparece quando se verifica que algumas propostas em busca de celeridade e redução de custos podem colocar em risco ou ao menos fragilizar o exercício do devido processo legal no âmbito do CARF.</blockquote>
Nessa perspectiva, é importante lembrar que o CARF é o órgão responsável por assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa no âmbito dos processos administrativos de exigência tributária em âmbito federal, o que tem assento constitucional no artigo 5º, inciso LV, inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
Portanto, considerando os fundamentos constitucionais que dão vida ao CARF, temos que a celeridade e a eficiência, apesar de serem objetivos importantes, não podem prevalecer ao pleno exercício da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
É importante lembrar que o CARF passou por intensa reformulação, no ano de 2015, em razão das denúncias de corrupção deflagradas pela Operação Zelotes, contribuindo para o reconhecimento da nulidade de diversas decisões.
Nos últimos anos, uma série de decisões liminares, por exemplo, reputaram ilegais as decisões contrárias aos contribuintes tomadas por voto de qualidade.
Tem-se notícia, ainda, de decisões judiciais determinando a realização de novos julgamentos no âmbito do CARF em decorrência de violações ao princípio da colegiabilidade, em hipóteses, por exemplo, em que é negado seguimento a recurso especial de forma monocrática.
Esses exemplos apontam que o Poder Judiciário é sensível às questões processuais envolvendo o a função de órgão administrativo de julgamento exercida pelo CARF.
Por isso, deve-se evitar propostas de alteração no regimento interno do CARF que possam fragilizar garantias processuais, passíveis de questionamento perante o Poder Judiciário.
<blockquote class="jota-article__eye">Isso porque, ao invés de contribuir para a celeridade, o resultado prático nesse caso pode ser o aumento de questionamentos perante o Poder Judiciário, fazendo ao fim com que a discussão administrativa leve ainda mais tempo para ser encerrada.</blockquote>
Portanto, todas as propostas de alteração no regimento interno que autorizem a tomada de decisões de natureza julgadora de forma monocrática devem ser rechaçadas, pois, por ferirem a natureza paritária e colegiada do órgão, podem ser objeto de questionamento perante o Poder Judiciário, o que iria na contramão da almejada celeridade no âmbito administrativo.
Nesse sentido, faria sentido a rejeição, por exemplo, da proposta que busca autorizar que os presidentes de câmara declarem a renúncia à esfera administrativa em razão da existência de discussão judicial (na proposta, art. 18, inciso XVIII, do Anexo II), a intempestividade de recurso voluntário quando não questionada pelo contribuinte (na proposta, art. 18, inciso XVII, do Anexo II), bem como a proposta que busca autorizar que o presidente do CARF declare a nulidade de decisão proferida por colegiado incompetente (na proposta, art. 20, inciso XVII, do Anexo II).
Veja-se, não se trata necessariamente de discordar com a consequência prevista para cada uma das hipóteses mencionadas acima: não se questiona no presente que uma decisão proferida por colegiado incompetente deve ser anulada, nem que a discussão judicial implica renúncia à discussão administrativa. O que se questiona é a forma pela qual tais consequências serão deliberadas e aplicadas.
Isso porque, embora seja possível concordar em tese com tais proposições, será necessário sempre examinar o caso concreto para se identificar se não há alguma peculiaridade fática que enseje outra solução.
E nesse exercício de análise do caso concreto, que é próprio da função julgadora, deve necessariamente haver a participação do colegiado, sob pena de se violar a natureza do órgão. Portanto, tais alterações podem, ainda que timidamente, enfraquecer o pleno exercício do devido processo legal no âmbito do CARF.
Sendo assim, embora a celeridade e a eficiência sejam valores que devam ser prestigiados, estes jamais podem se sobrepor às garantias processuais que a constituição tratou de conferir para proteger o patrimônio dos contribuintes.
Nessa medida, a conclusão que se extrai das medidas propostas é a visão do Poder Executivo com o CARF está voltada mais para a celeridade, como se o órgão tivesse natureza arrecadatória, ao invés de enxergar o órgão como um bastião da legalidade e da observância do devido processo legal para proteção do patrimônio dos contribuintes, que é decorrência básica de qualquer estado que se pretenda democrático e de direito.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A realização de consulta pública tem previsão no artigo 31 da Lei n. 9.784, de 29.1.1999:
“Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada.
§1° A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas.
§2° O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais”

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JOTA

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