Sem dúvida, além de 2016 ser o ano das olimpíadas, do impeachment e da lava-jato, ele também é o ano do NOVO CPC!
E o campo do Direito está efervescendo com novas esperanças, possibilidades e ideologias que a dinâmica desse novo diploma legal oferece.
No meu caso, falando a partir do meu lugar de pesquisadora e acadêmica, o meu olhar está mais direcionado aos estranhamentos e paradoxos que tenho observado em relação ao NOVO CPC do que propriamente a um eventual deslumbramento com as suas propostas, embora eu reconheça os acertos do legislador e as inovações interessantíssimas de muitas de suas proposições.
Mas é que, na verdade, para um pesquisador, é muito mais interessante a inquietação provocada pelos paradoxos de um sistema do que as certezas confortáveis de suas conformidades.
Pois bem, falando, então, sobre a Mediação Judicial, tema eleito para pensar neste pequeno texto, as minhas inquietações não são poucas.
O artigo 334 do NOVO CPC introduziu a mediação (e também a conciliação, que já ocorria antes) como ato processual, prevendo, no modo imperativo, que, “se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação”.
Ou seja, a partir de março deste ano, todos os processos judiciais distribuídos têm como ato processual inaugural uma audiência de mediação (e/ou de conciliação, dependendo do caso). 
Até então, a mediação vinha ocorrendo de modo aleatório, incidentalmente ao processo ou mesmo de forma prévia à judicialização do conflito, inexistindo, antes do NOVO CPC, uma previsão de sua obrigatoriedade no curso de um processo judicial.
Para além disso, a mediação vinha sendo reconhecida no campo do Direito como uma importante forma de solução de conflitos, através da qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas próprias construam, com autonomia, alteridade e solidariedade, a melhor solução para o seu problema. 
Trata-se, em regra, de uma forma de administração de conflitos que sempre esteve voltada a conferir às partes a autonomia de buscar soluções que compatibilizassem seus interesses e necessidades.
Esta sempre foi a ideia “vendida” para os operadores do Direito em relação aos ganhos provenientes da mediação.
E nessa linha, o que a mediação sempre teve - e que as outras formas de administração de conflitos não tinham - era justamente essa “incrível” possibilidade de empoderamento das partes, através da oportunidade conferida a elas próprias de resolverem os seus conflitos.
Nessa medida, em contraste com os demais meios “alternativos ao Judiciário” de administração de conflitos, especialmente a conciliação e a arbitragem, a mediação sempre foi difundida como tendo esse diferencial significativo: o fato de que a decisão sobre o conflito nasce da vontade das próprias pessoas que vivenciam o conflito, as quais encontram uma solução que melhor lhes agrada, mediante diálogo realizado de forma harmônica, com o auxílio do mediador.
Sendo assim, o tempo todo, quando lemos ou assistimos a alguma sessão de mediação, verificamos que o maior valor atribuído a esse instituto está na autonomia das PESSOAS e na possibilidade de que elas próprias cheguem a um consenso sobre os rumos de suas vidas e situações de conflito.
“Na mediação, o poder de decisão é das partes”. Esta frase é costumeiramente reverberada no ambiente jurídico e ecoada por entusiastas da mediação, que a consideram muito apropriada, na medida em que a decisão da vida da pessoa é tomada por ela própria, e não pelo mediador (muito menos, pelo Juiz).
Tendo sido, então, eu própria, influenciada por essa “ideologia” da mediação, fiquei estupefata e quase caí para trás quando li, no NOVO CPC, precisamente no § 10 do artigo 334, que “a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.”.
Ou seja, pelo NOVO CPC é possível ter mediação sem partes! 
A audiência introduzida pelo NOVO CPC prescinde da presença das partes! 
Ela acontecerá independentemente da presença física das pessoas envolvidas no conflito!
Quer dizer, para o NOVO CPC, essas tais pessoas, que teriam o poder de resolver os seus próprios problemas e que teriam sido empoderadas por essa nova forma de administração de conflitos, não precisam comparecer à audiência de mediação! 
Elas podem delegar essa tarefa para um terceiro, que as represente no ato processual designado.
Ora, quando eu li isso, eu achei muito estranho. 
E a situação ficou pior ainda quando eu comecei a compartilhar o meu estranhamento com colegas e identifiquei que estou praticamente sozinha “nessa canoa da inquietação”, porque quase ninguém tem considerado tão esquisito quanto eu, essa dispensa das partes na mediação do NOVO CPC.
De todo modo, para mim continua sendo muito estranho que possa existir audiência de mediação sem as pessoas envolvidas no conflito. Mediação sem partes? Como?
Aflita com essa perplexidade e tentando entender o que me parece algo paradoxal, decidi rever o Manual de Mediação disponibilizado no site do CNJ.
Lá consta uma citação expressa ao Código de Ética da Resolução 125 de 29/11/2010, através da qual se ressalta e se enumera, taxativamente, as características imprescindíveis à mediação. São elas: (1) confidencialidade: tudo o que for trazido, gerado, conversado entre as partes durante a mediação fica adstrito ao processo; (2) Imparcialidade: o mediador não toma partido de nenhuma das partes; (3) Voluntariedade: as partes permanecem no processo mediativo se assim desejarem; (4) Autonomia da vontade das partes: a decisão final, qualquer que seja ela, cabe tão somente às partes, sendo vedado ao mediador qualquer imposição (Disponível em: &lt;<a href="http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/c276d2f56a76b701ca94df1ae0693f5b.pdf">http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/c276d2f56a76b701ca94df1ae0693f5b.pdf</a>&gt;. Acesso em 18 mai. 2016).
Este rápido contraste da leitura do Manual de Mediação do CNJ com a leitura do NOVO CPC me deixou ainda mais perplexa, mas, ao mesmo tempo, me permitiu problematizar pelo menos os dois últimos requisitos, relacionados à voluntariedade e à autonomia das partes.
Quanto à voluntariedade, o NOVO CPC explicita que o legislador elegeu a audiência de mediação como regra obrigatória do sistema, tanto que usa o modo verbal imperativo para tratar de sua designação e exige para o seu cancelamento, um raciocínio a contrario sensu, ou seja, a manifestação expressa de desinteresse de ambas as partes na realização da audiência, o que sugere a eleição do sistema em favor da audiência.
Quanto à autonomia, a dispensa da presença das partes na audiência denota o desprestígio que o NOVO CPC confere à ideologia que sempre constituiu e legitimou o uso da mediação: o fato de que o poder de decisão é das pessoas e não de um terceiro. Ou seja, o lugar de prestígio que as pessoas tinham na mediação passa ao desprestígio na audiência do NOVO CPC.
Quer dizer, ao que parece, o NOVO CPC nega esses requisitos essenciais da mediação (voluntariedade e autonomia) - ou pelo menos lhes dá contornos diferentes da proposta do Manual - relativizando-os de forma bastante contundente. 
E, se é assim, a questão que fica é pensar por que motivo(s) o NOVO CPC adota uma postura tão contraditória?
Por que motivos, o NOVO CPC introduz a audiência de mediação no processo judicial – e ao fazê-lo parece dar valor ao instituto – mas, ao mesmo tempo, o faz de forma a justamente flexibilizar e desprestigiar o que o método sempre teve de mais marcante, diferenciado e fundamental?
Ao tentar estimular a Mediação Judicial, prevendo, não apenas no art. 334, mas também no artigo § 3o, que a mediação deverá ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, o NOVO CPC parece prestigiar o seu uso. Porém, de outro lado, ao procedimentalizar o método e, com isso, dispensar a presença das partes e prescindir do diálogo dos conflitantes, parece, com o perdão da expressão, “dar um tiro no próprio pé”, na medida em que fomenta o instituto, mas retira dele o seu diferencial mais significativo e forte: o empoderamento das partes através do deslocamento do poder de decisão.
Nesse quadro reflexivo, aponto para algumas perplexidades: ou o NOVO CPC, nesse novo arranjo, vai fulminar de vez o instituto, de tanto que vai deformá-lo; ou vai construir uma nova forma de Mediação, diferenciada da anterior, realizada a partir de outra dinâmica e que, portanto, pode acabar se transformando, de fato, em uma nova alternativa.
E, assim, o que continuo a questionar, é se essa nova alternativa será mesmo nova, ou se será a velha e conhecida justiça por adjudicação, com outro formato e atores!? 
Afinal, quando tudo começou, no mundo dos meios alternativos de solução de conflitos, o que se queria era justamente o deslocamento do poder de decisão do Juiz para as partes. 
Se o NOVO CPC (re)inverte a lógica e dispensa  a presença das próprias partes nessa nova conformação, o que parece é que voltamos ao mesmo ponto de partida, de onde parecíamos decolar.
Teoricamente, se o discurso favorável à mediação está calcado na lógica de que o método é bom “porque a decisão é tomada pelas próprias partes”, quando você as retira do jogo e as torna dispensáveis, acaba reorganizando os papeis dos atores da decisão, que voltam para o mesmo lugar de onde partiram: as partes alheias ao processo e o Judiciário decidindo internamente, seja através de prepostos advogados, seja através de prepostos não advogados, seja através de mediadores, seja através de magistrados.
Certamente, para mim fica uma reflexão: o deslocamento do poder para um novo lugar implica em esvaziamento desse mesmo poder do seu lugar originário. 
Retirar do Poder Judiciário o monopólio da administração de conflitos é algo muito contundente e o discurso otimista da mediação pode até não ter se dado conta disso, mas certamente o NOVO CPC percebeu que os novos arranjos de empoderamento ensejariam novidades para as quais, talvez, o sistema ainda não estivesse preparado. 
Sendo assim, ainda com dúvidas, me parece que estou vendo tudo isso como um recuo necessário do legislador, em que o papel do NOVO CPC foi justamente o de garantir o recuo, em vez de avançar e alavancar intensamente a nova proposta.
(Em)poderar as partes pode representar (Des)empoderar o Judiciário e isso não é algo simples no nosso sistema.

STF-EstatuadaJustica-12

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JOTA

Audiência trazida pelo Novo CPC prescinde da presença das partes

A propostas e os paradoxos do Novo CPC em relação à mediação judicial

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