Julia de Menezes Nogueira

Este é o último artigo da série de três em que se apresentam as considerações iniciais do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributária (IBATT), sobre os anteprojetos de lei complementar e ordinária apresentados pela Comissão de Juristas do Senado Federal, liderada pela Ministra Regina Helena Costa.
O <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/proposta-para-arbitragem-tributaria-da-comissao-de-juristas-do-senado-parte-1-21112022">primeiro</a> e o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/arbitragem-principais-caracteristicas-do-projeto-de-lei-ordinaria-22112022">segundo</a> trataram das alterações propostas no Código Tributário Nacional (CTN), o fundamento constitucional do <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-2486-2022">PL 2486/2022</a> e suas principais características. Este último versará sobre pontos de atenção encontrados no texto do projeto que entendemos importante trazer ao debate.
<h3>Formalidade da arbitragem</h3>
O PL 2486/2022, diferentemente de seus predecessores, autoriza a arbitragem ad hoc. Embora estabeleça, em seu artigo 4º, V, que “a arbitragem será, preferencialmente, institucional”, no parágrafo 3º prevê que “será admitida a opção pela arbitragem ad hoc, desde que devidamente justificada”.
Entendemos que a arbitragem ad hoc não se reveste das formalidades e garantias necessárias à decisão de conflitos envolvendo a administração pública, especialmente em matéria tributária. Os dois outros projetos de lei em andamento no Senado (PL 4257/2019 e PL 4468/2020) propõem, adequadamente, a obrigatoriedade de que a arbitragem tributária seja necessariamente institucional.
Na arbitragem institucional seguem-se as regras estipuladas pelo regulamento de uma Câmara de Arbitragem, instituição responsável por administrar o procedimento e credenciada pela Fazenda Pública. Já a arbitragem ad hoc segue disposições livremente estipuladas pelas partes ou pelo árbitro, previstas no compromisso arbitral.
Por oferecer maior formalidade e segurança, a arbitragem institucional tem sido amplamente preferida na arbitragem com a administração pública, sendo muitas vezes requerida pela regulamentação dos entes federativos. O Decreto 10.025/19, por exemplo, ao dispor sobre a arbitragem para dirimir litígios que envolvam a administração pública federal no setor portuário, estabeleceu clara preferência pela arbitragem institucional e exigiu a declaração de justo motivo nos casos de opção pela arbitragem ad hoc. Já a Lei 19.477/11 de Minas Gerais, que dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígios locais, estabeleceu a exclusividade da arbitragem institucional.
A ausência de tais formalidades poderia gerar desconfiança ao sujeito passivo e abrir espaço ao mau uso da arbitragem por agentes dos governos, sendo recomendável ajuste ao PL 2486/2022 para estabelecer a obrigatoriedade de que a arbitragem tributária seja institucional.
<h3>Prescrição do crédito tributário</h3>
Desde 2008 está pacificado o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a prescrição tributária é matéria reservada à lei complementar, com base no artigo 146, III, da Constituição Federal.
Por conta disso, os demais projetos de lei em discussão sobre arbitragem tributária, sendo projetos de lei ordinária, nada dispuseram sobre a prescrição, que restaria tratada, exclusivamente, pelo Código Tributário Nacional.
O PL 2486/2022, contudo, traz previsão expressa nesse sentido. Estabelece, no §2º de seu artigo 5º, que “a assinatura do compromisso arbitral interrompe a prescrição, para todos os efeitos”.
A razão para tal proceder não é a ignorância a respeito da jurisprudência, e sim a confiança na aprovação simultânea do PLP 124/2002, que propõe a inclusão de inciso no art. 174 do CTN determinando que a prescrição se interrompe “pela assinatura do compromisso arbitral”. 
A nosso ver, contudo, dada a dificuldade enfrentada na tramitação de projetos de lei no País, maior ainda para aqueles que exigem quórum qualificado, não é seguro considerar garantida a aprovação de ambos simultaneamente. Por essa razão, entendemos que o tratamento da prescrição deve ser excluído do projeto de lei ordinária PL 2486/2022, sendo mantido apenas no projeto de lei complementar.
<h3>Suspensão do crédito tributário</h3>
No que se refere à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a Comissão de Juristas adotou premissa distinta. Nada previu no PL 2486/2022, deixando a matéria para ser tratada apenas no PLP 125/2002.
Este propôs a inserção de novo inciso VII ao artigo 151 do Código Tributário Nacional, estabelecendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela “instauração da arbitragem, quando da nomeação do(s) árbitro(s), nos termos da legislação específica”.
Um primeiro apontamento a ser feito é que a Lei de Arbitragem contém dispositivo semelhante em seu artigo 19, §2º, estabelecendo que “a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”.
Contudo, o caput do referido artigo 19 estabelece que “considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários”.
Há, portanto, uma diferença entre o proposto pelo PLP 125/2022 e o tratamento da Lei 9.307/96, pois no primeiro a prescrição é interrompida pela mera nomeação dos árbitros, enquanto na segunda isso só acontece com a aceitação da nomeação pelo árbitro, momento cronologicamente posterior.
Fica a dúvida, portanto, sobre se a interpretação do disposto no PLP 125/2022 deve ser literal ou mediante aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem. As disposições do PL 2486/2022 não ajudam a esclarecê-la, pois não detalham o processo de nomeação dos árbitros, tampouco como ocorrerá sua aceitação.
É de suma importância, no âmbito do direito tributário, a precisa identificação do momento em que se dá a interrupção da prescrição. Nesse contexto, entendemos recomendável a revisão do tratamento dado à matéria pelo PLP 125/2002 e pelo PL 2486/2022, a fim de que que sejam sanadas as lacunas que dão ensejo a dúvidas na respectiva interpretação.
<h3>Extinção do crédito tributário</h3>
A extinção do crédito tributário, assim como a suspensão, são matérias que, a nosso ver, não precisariam ser tratadas por lei complementar, podendo ser reguladas por lei ordinária.
Revisitando o assunto, lembramos que a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 146, que “cabe à lei complementar: (...) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.”
A pergunta que se faz é: suspensão e extinção da exigibilidade do crédito são “normas gerais sobre crédito tributário”, reguladas obrigatoriamente por lei complementar?
Qualquer especulação sobre o assunto acabaria por esbarrar na interpretação do Supremo Tribunal Federal, que já analisou a matéria ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.405/RS, concluindo pela “possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem, por lei ordinária, novas modalidades de extinção e suspensão de créditos tributários (...)” (acórdão do Plenário, proferido em dezembro/2019).
Nesse julgado, o relator Ministro Alexandre de Moraes, seguido por unanimidade, entendeu que “(...) a Constituição não reservou à lei complementar a enumeração dos meios de extinção e de suspensão dos créditos tributários”. Seu voto partiu da premissa de que “se o Estado pode anistiar crédito tributário, abrindo mão do recebimento daquele, por que não poderia implementar nova forma de extinção do crédito? Quem pode o mais, pode o menos”. Concluiu que “a Constituição Federal não reservou à lei complementar o tratamento das modalidades de extinção e suspensão dos créditos tributários, a exceção da prescrição e decadência, previstos no art. 146, III, b, da CF.”
Com base nesse recente julgado, portanto, a extinção e a suspensão do crédito tributário podem ser tratadas por lei ordinária, que só não pode restringir o alcance das hipóteses previstas no CTN.
O PLP 125/2002 propôs a inclusão de novo inciso XII ao artigo 156 do Código Tributário Nacional, prevendo que extingue o crédito tributário “a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado”. A despeito de entendermos despicienda tal alteração no CTN, a nosso ver seria bem-vinda para evitar questionamentos, desde que o PL 2486/2022 não estabelecesse – como faz – restrição dos efeitos da extinção apenas à sentença arbitral “favorável ao sujeito passivo”.
Tal limitação de alcance é descabida, pois permite a judicialização da sentença arbitral por razões que vão além das hipóteses expressas e numerus clausae de nulidade da sentença, o que ofende as premissas básicas do instituto da arbitragem.
Importante notar, inclusive, que o tratamento do projeto de lei complementar é contraditório com o atribuído ao tema pelo PL 2486/2022, que em seu artigo 1º, § 1º determina que “o árbitro é juiz de fato e de direito”, inclusive para os fins estabelecidos nos artigos 151, inciso V e 156, inciso X da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, e “a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
Reiteramos, portanto, ser imperiosa a revisão do PLP 125/2002, para prever que a sentença arbitral extingue o crédito tributário, sem qualquer restrição.
<h3>Conclusão</h3>
Esses foram os comentários iniciais que entendemos pertinentes para a fase de tramitação em que se encontram os projetos propostos pela Comissão de Juristas do Senado.
Reiteramos nossa admiração ao trabalho realizado que, em curto espaço de tempo, apresentou propostas inovadoras e de alta qualidade técnica para o contencioso tributário brasileiro, que tanto delas necessita, a fim de atender a missão de oferecer justiça e celeridade tanto ao fisco quanto aos contribuintes.

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JOTA

Pontos de atenção identificados no PL 2486/2022

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado &#8211; Parte 3

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado - Parte 3

Pontos de atenção identificados no PL 2486/2022, que dispõe sobre a arbitragem tributária e aguarda análise pelo Senado