Julia de Menezes Nogueira

Em setembro veio a público o importante trabalho realizado pela Comissão de Juristas instalada em março no Senado Federal sob a liderança da ministra Regina Helena Costa, com o objetivo de elaborar anteprojetos de lei visando aperfeiçoar o contencioso tributário brasileiro. 
Foram apresentados dois projetos de lei complementar versando sobre “Normas Gerais” e “Código de Defesa dos Contribuintes” – e oito projetos de lei ordinária sobre diversas matérias relacionadas ao processo tributário, desde a consulta até a arbitragem tributária. Todos foram submetidos a tramitação sob a autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). 
O Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributária (IBATT), fundado em 2019 com a finalidade de trabalhar pela implantação desses institutos no país, analisou os projetos com especial atenção àqueles tendentes à implantação da arbitragem na seara fiscal (<a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-2486-2022">PL 2486/2022</a>).  
Foram realizadas reuniões técnicas com os associados do IBATT para estudá-los. As conclusões iniciais desse estudo no IBATT são apresentadas em três artigos, o primeiro versando sobre as alterações propostas no Código Tributário Nacional e o fundamento constitucional do PL 2486/2022; o segundo, sobre as principais características do projeto; e o último sobre pontos de atenção no texto do PL.
<h3>Alterações no CTN propostas pelos PLP 124 e 125/2022  </h3>
O <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/plp-125-2022">PLP 125/2022</a> visa instituir o “<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/codigo-de-defesa-do-contribuinte">Código de Defesa dos Contribuintes</a>” e introduzir alterações no CTN com o objetivo, entre outros, de dar respaldo à arbitragem tributária, a ser editada por lei ordinária.  
Propôs a introdução de artigo 171-A prevendo que “a Lei autorizará a arbitragem para, prioritariamente, promover a prevenção do litígio e, subsidiariamente, a resolução no contencioso administrativo e jurisdicional de controvérsias tributárias”. Acrescentou Parágrafo Único estabelecendo que “a sentença arbitral será vinculante e produzirá os mesmos efeitos que a decisão judicial".
Propôs também a introdução de inciso VII ao artigo 151 do CTN, para determinar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela “instauração da arbitragem, quando da nomeação do(s) árbitro(s), nos termos da legislação específica”. 
Por fim, propôs novo inciso XII ao artigo 156, determinando que extingue o crédito tributário “a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado”. 
O <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/plp-124-2022">PLP 124/2022</a>, por sua vez, dispõe sobre “Normas Gerais” de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária. No que tange à arbitragem tributária, introduziu inciso VI ao artigo 174 do CTN dispondo que a prescrição se interrompe “pela assinatura do compromisso arbitral”.  
Incluídas tais previsões em lei complementar, ficará afastada a controvérsia sobre a impossibilidade de dispor sobre a introdução do método, a suspensão, a extinção e a prescrição do crédito tributário por lei ordinária.  
Embora, a nosso ver, tal regulação por lei ordinária fosse juridicamente válida (exceto quanto à prescrição), não há prejuízo em ter essas questões tratadas por lei complementar, e obtém-se o benefício de reduzir possível judicialização. 
Contudo, também a matéria da extinção do crédito tributária, como tratada pelo PLP, merece ajuste, pois a sentença arbitral, tal como previsto na Lei Brasileira de Arbitragem, produz os mesmos efeitos da sentença judicial.  
Não há que se restringir seus efeitos extintivos na esfera tributária apenas para quando a sentença arbitral for “favorável ao sujeito passivo”. Isso permitiria sua discussão judicial quando fosse ‘desfavorável’, o que é indesejável. O que se pretende, com o julgamento arbitral, é a finalização definitiva da discussão, de modo que a sentença arbitral deve ser soberana em qualquer caso, sob pena de perder seu principal benefício, que é a obtenção de decisão definitiva transitada em julgado em instância única, com maior grau de celeridade e qualidade técnica. 
Essa limitação de efeitos contraria inclusive o proposto no projeto de lei ordinária pois ali se estabelece, sem qualquer restrição, que “o árbitro é juiz de fato e de direito, inclusive para os fins estabelecidos nos artigos 151, inciso V e 156, inciso X da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário” (artigo 1º, §1º).  
Não obstante, acreditamos que esse pequeno ajuste é plenamente factível durante o processo legislativo, e que no todo são muito bem-vindas as alterações ao CTN, a fim de evitar os apontados riscos de judicialização. 
<h3>Fundamento constitucional<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> </h3>
Ao adentrar na análise do PL 2486/2022, entendemos importante avaliar onde encontra, na Constituição Federal, seu fundamento de validade. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Observamos que o caput do seu artigo 1º já prevê que “dispõe sobre a utilização da arbitragem, nos termos do artigo 22, I da CF/88, para, prioritariamente, promover a prevenção do litígio e, subsidiariamente, resolver aqueles já instaurados no contencioso administrativo e jurisdicional, envolvendo matéria tributária e aduaneira”.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Chama a atenção nessa redação a previsão de que a legislação sobre arbitragem tributária se funda no artigo 22, I da CF, o qual dispõe que “compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Causa impressão essa escolha pois, a nosso ver, legislar sobre arbitragem tributária não significa dispor sobre direito processual. A arbitragem, embora encontre muitas similitudes com tal sistema de regras, não é processo, e sim procedimento. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Como afirma Eduardo Perez Salusse, “a arbitragem não é processo judicial, vez que não tramita sob os auspícios do Poder Judiciário. É, por exclusão, espécie de processo administrativo. Os efeitos, todavia, igualam na imutabilidade da decisão passada em julgado, criando, modificando ou extinguindo a obrigação”[1].<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Entendemos que o fundamento de validade para uma lei reguladora da arbitragem tributária deve ser buscado no artigo 24, XI da CF, segundo o qual “compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual”.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Não se trata de preciosismo, mas sim de premissa com efeitos práticos importantes. Isso porque os dispositivos constitucionais citados preveem diferentes tipos de competência, para legislar sobre direito processual ou sobre procedimentos em matéria processual. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
No primeiro caso, a competência é privativa da União. No segundo, é concorrente entre a União, os estados e o Distrito Federal. Ademais, os §§1º a 4º do artigo 24 regulam a forma de exercício dessa competência concorrente, cuidando de fazer prevalecer as normais gerais da União que porventura disponham sobre a matéria. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Assim, assumindo- que, tal como pretendido pelo PL 2486/2022, se o fundamento constitucional para legislar sobre arbitragem tributária fosse o artigo 22, I, os estados e o Distrito Federal não poderiam criar regras próprias sobre o tema, e estariam limitados a seguir exclusivamente as normas ditadas isoladamente pela União, o que não nos parece razoável.
A nosso ver seria mais adequado que o PL 2486/2022, ao ser convertido em lei, o fosse com fundamento no artigo 24, XI da Constituição Federal em lugar do citado artigo 22, I, a fim de deixar espaço para o exercício da competência suplementar dos estados, observadas as normas gerais da União por ela estabelecidas.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Nos próximos dois artigos que compõem esta série, trataremos das principais características e pontos de atenção identificados no PL 2486/2022.

solução de conflito

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JOTA

As alterações sugeridas no CTN e o fundamento constitucional do PL 2486/2022

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado &#8211; Parte 1

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado - Parte 1

As alterações sugeridas no CTN para a arbitragem tributária e o fundamento constitucional do PL 2486/2022