Carlos Scharfstein

Nos últimos anos, o debate em torno do crescimento do mercado de crédito privado no Brasil, e de sua importância no desenvolvimento econômico do país, ganhou a ordem do dia. Muitas vozes vêm defendendo que, para que isso ocorra, as taxas de juros finais cobradas dos tomadores de crédito precisam ser reduzidas. Aa pandemia da Covid-19 deixou esse cenário ainda mais sensível, dado que mais negócios (principalmente os menores) passaram a depender da oferta de crédito barato para sobreviver.
Há diversos elementos que compõem o custo do crédito. Um deles é o spread, a diferença positiva entre o custo de captação dos bancos e os juros por eles cobrados em empréstimos concedidos. O spread, por sua vez, também é subdividido em múltiplos fatores: uma parte é destinada à recuperação de perdas incorridas pelos bancos com provisões para empréstimos não pagos; outra é consumida por despesas administrativas, e assim vai. Há, por fim, um pedaço do spread representado por tributos devidos pelas instituições financeiras, estimado em 22,8% de seu valor (FEBRABAN, 2017).
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Como a carga tributária tem um peso de mais de 1/5 no spread, é de se esperar que aumentos ou reduções de impostos o impactem e, consequentemente, afetem o preço do crédito cobrado do tomador final. Conforme se verá adiante, se o Projeto de Lei 3887/2020, recentemente divulgado pelo Governo Federal como sendo a primeira parte da tão aguardada Reforma Tributária, i, for aprovado em sua forma atual, um de seus potenciais efeitos será o agravamento do peso dos impostos sobre o spread, o que poderia aumentar ainda mais o preço do crédito ao tomador final.
A apresentação do Projeto de Lei foi recebida por diversos setores da sociedade com alguma decepção, por diversas razões. Primeiro, o projeto trata apenas de dois tributos (PIS e Cofins), juntando-os em um só (a Contribuição sobre Bens e Serviços, ou CBS). Com isso, frustrou-se o consenso de mercado de que, para realmente merecer o nome de reforma, seria necessário incluir o IPI e, idealmente, também o ICMS e o ISS.
Em segundo lugar, a proposta prevê que a CBS seria cobrada numa alíquota nominal mais elevada do que a atualmente aplicável ao PIS e à Cofins (12% contra 9,25%, no caso das empresas de maior porte, sujeitas à sistemática não-cumulativa), o que parece contrariar a promessa do Governo de que não haveria aumento de carga tributária.
Nas semanas seguintes à divulgação do Projeto de Lei, o Governo respondeu algumas críticas da sociedade esclarecendo que esse seria apenas o primeiro passo da Reforma Tributária, e que, em breve, virão outras iniciativas, abordando os demais tributos federais. Sobre o aumento de alíquota, o Governo tem enfatizado que, em razão de alterações nas regras de apuração da CBS, sua base de cálculo seria menor que a do PIS e da Cofins, e a quantidade de créditos aproveitáveis maior, o que compensaria (ao menos parcialmente) a porcentagem mais alta.
Um exemplo notório de diferença na base de cálculo da CBS é a possibilidade de se subtrair da receita bruta (sobre a qual incidiria a alíquota de 12%) o valor da própria CBS, bem como dos demais tributos incidentes sobre receitas, ICMS e ISS. Com isso, a apuração da CBS passaria a ser “por fora” – diferente do PIS e da Cofins, que, salvo pela existência de decisão judicial autorizando a exclusão, incidem sobre base de cálculo que inclui o seu próprio valor (bem como do ICMS e do ISS).
Já com relação aos créditos, a legislação do PIS e da Cofins determina que, entre outras hipóteses muito específicas, apenas despesas com “insumos” podem gerar créditos a serem abatidos do valor devido. Para serem insumos, as despesas precisam estar diretamente relacionadas à atividade fim do contribuinte. O projeto de lei da CBS não faz essa exigência, o que leva a crer que um maior número de despesas ensejaria a apuração de créditos.
<blockquote class="jota-article__eye">A discussão sobre a alíquota da CBS ser ou não adequada frente a regras aparentemente mais permissivas ainda vai longe. Contudo, há alguns pontos do projeto de lei especificamente aplicáveis às instituições financeiras que merecem ser vistos com atenção.</blockquote>
Diferentemente das demais pessoas jurídicas de maior porte (que, em regra, estão sujeitas ao regime não-cumulativo do PIS e da Cofins), as instituições financeiras não podem descontar créditos ao apurarem o PIS e a Cofins. Portanto, esses tributos acabam incidindo sobre a totalidade da receita de intermediação financeira (sendo permitidas apenas deduções relativas a despesas de captação).
Justamente por não poderem aproveitar créditos, a base de cálculo do PIS e da Cofins dos bancos tende a ser mais alta. Para compensar esse fato, a alíquota aplicável aos bancos é mais baixa. Enquanto as grandes empresas estão sujeitas a uma alíquota combinada de 9,25%, os bancos pagam 4,65%.
As regras da CBS reproduzem esse mesmo regime existente, com limitação da possibilidade de creditamentos, mas elevam a alíquota dos atuais 4,65% para 5,8%. Em razão disso, a maior permissividade na apuração de créditos prevista pelo projeto de lei não teria qualquer consequência pratica sobre esse grupo de contribuintes.
Na verdade, para os bancos, a única novidade efetivamente criada pelas novas regras seria a possibilidade de calcular a CBS “por fora”, excluindo de sua base o valor dela própria e também do ISS (a exclusão do ICMS seria irrelevante pois bancos não são contribuintes deste imposto). Mas esse benefício do cálculo “por fora” dificilmente neutralizaria o aumento de alíquota de 1,15 ponto percentual (de 4,65% para 5,8%). Ou seja, para os bancos, o projeto de lei da CBS efetivamente representaria aumento de carga tributária.
Diante disso, é possível que, se aprovado em sua forma atual, o Projeto de Lei 3887/2020 resulte em aumento de carga tributária das instituições financeiras – e de forma desproporcionalmente alta se comparada aos demais setores da economia. E como os impostos têm um peso relevante na composição do spread (mais de um quinto, conforme visto acima), a criação do CBS nos termos ora propostos poderá ter um efeito secundário bastante adverso, o de dificultar a redução do custo do crédito no Brasil justamente em um momento em que sua necessidade está sendo tão sentida pela sociedade.
&nbsp;
<hr />
<a href="https://bit.ly/32Xhkxz" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Se você gosta do JOTA INFO, conheça agora o JOTA PRO. São informações que podem valer milhões de reais para a sua empresa, a um clique de distância. Experimente o JOTA PRO Tributos</a>: <a href="https://bit.ly/32Xhkxz">https://bit.ly/32Xhkxz</a>
https://www.youtube.com/watch?v=TsrYNCIbLGs&amp;feature=emb_title

Tributação

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Projeto que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços pode aumentar o spread bancário

Proposta na contramão

Projeto que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços pode aumentar o spread bancário