Felipe Mendonça Terra

A pauta do Supremo Tribunal Federal do dia 24/08 conta com diversas ações diretas de inconstitucionalidade discutindo a validade de mudanças na propaganda eleitoral e nos debates eleitorais da última minirreforma eleitoral, a Lei nº 13.165/2015, que introduziu alterações na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97). Em síntese, as ações tratam de duas principais matérias:
(i) a redução do tempo de propaganda eleitoral na rádio e na televisão que é distribuído igualmente entre os partidos – a reforma prevê apenas que 10% do tempo será distribuído de forma igualitária, ao contrário do 1/3 do tempo anteriormente, ao passo que os outros 90% são distribuídos proporcionalmente à representação dos partidos na Câmara dos Deputados (ADI 5423, ajuizada pelos PTN, PHS, PTC e PRP; ADI 5487, ajuizada pelos PSOL e PV; e ADI 5491, ajuizada pelo Solidariedade); e
(ii) a redução dos candidatos obrigatórios para participar dos debates eleitorais na rádio e televisão: anteriormente todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados poderiam participar dos debates, e agora apenas partidos com mais de nove deputados no plano federal devem ser obrigatoriamente convidados (ADI 5487, ajuizada pelos PSOL e PV; e ADI 5488, ajuizada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, que pretende interpretação conforme a Constituição para deixar claro que os candidatos podem deliberar limitar o número de debatedores).
A intenção da reforma e da nova disciplina sobre a matéria parece ser a necessidade de adequar a legislação a um sistema cada vez mais fragmentado politicamente: com as últimas adições, temos, atualmente, 35 partidos políticos registrados no Brasil, além de tantos outros em processo de criação. Regulamentar o acesso e a forma de realização da propaganda eleitoral a tantos atores políticos é uma tarefa complexa; a multiplicação e fragmentação partidária é uma vicissitude que parece inviabilizar, cada vez mais, a atividade política brasileira. Este é um problema que, inevitavelmente, teremos de lidar a curto ou médio prazo numa reforma política para valer. Nessa última reforma eleitoral, no entanto, as maiorias no Congresso Nacional encontraram a pior forma possível de lidar com esses dilemas: retirando as vozes das minorias políticas.
Quanto à propaganda eleitoral na rádio e televisão, a reforma acaba por consolidar a tendência de ser privilegiada a distribuição proporcional do tempo de propaganda: quanto mais parlamentares os partidos tiverem no momento da propaganda eleitoral, maior será o tempo da propaganda – regra que vale tanto para a propaganda em rede (o chamado “horário eleitoral obrigatório”) como para a propaganda em inserções (anúncios de curta duração exibidos durante a programação ordinária das emissoras de rádio e TV). Essa forma de propaganda é garantida pelo art. 17, § 3º, da Constituição Federal[1] – que, contudo, não detalha como deve dar-se a distribuição de tempo entre os partidos. De fato, é certo que, na ADI 4.430, o STF reconheceu que a distribuição do tempo de propaganda nas emissoras de rádio e televisão pode ser proporcional à representação parlamentar, afirmando que "não há igualdade material entre agremiações partidárias que contam com representantes na Câmara Federal e legendas que, submetidas ao voto popular, não lograram eleger representantes para a Casa do Povo"[2]. Ademais, no direito comparado, é muito comum que outros países que seguem sistemas similares ao nosso – proibindo a propaganda política paga nas emissoras de rádio de televisão, com possibilidade de realização de propaganda em período determinado pelo Poder Público – também distribuam esse tempo de forma proporcional à representação, e não igualitária[3].
As mudanças da Lei nº 13.165/2015, contudo, não se limitam a estabelecer uma distribuição de tempo de propaganda majoritariamente proporcional, mas, praticamente, reduzem a zero o período de propaganda igualitária: para esta última, confere-se apenas 10% do tempo total de propaganda, distribuído entre 35 partidos (!), caso não sejam consideradas as coligações. Trata-se de um cenário bem diverso do analisado pelo STF na ADI 4.430, quando a distribuição igualitária era de 1/3 do tempo total. Nesse cenário, alguns votos naquele julgamento, mesmo ao integrarem a maioria, lembraram que a distribuição entre a divisão de tempo igualitária e proporcional à representação parlamentar deveria dar-se com razoabilidade e proporcionalidade[4].
O mesmo pode ser dito quanto aos debates eleitorais nas emissoras de rádio e televisão: se antes todo candidato de partido com ao menos um representante parlamentar poderia participar, a nova legislação exige, no plano federal, que o partido do candidato tenha eleito ao menos 9 deputados nas últimas eleições. A regra já tem gerado polêmica desde o início das disputas eleitorais municipais em 2016, com casos em que candidatos com razoável margem de intenções de votos nas pesquisas ficam, a princípio – salvo deliberação dos demais candidatos em sentido contrário –, excluídos dos debates[5].
Ambas as mudanças possuem a mesma tônica: esvaziar ou excluir por completo a participação dos partidos com menor representação parlamentar das duas principais formas de acesso aos eleitores: a propaganda na rádio e televisão e os debates eleitorais. Não se trata de restrições banais; muito embora os candidatos excluídos desses meios possam continuar a fazer propaganda de outras formas (por exemplo, na internet, desde que não seja paga, ou por meio de comícios, panfletos, etc), sabe-se que, nas democracias contemporâneas, são as propagandas na rádio e televisão e os debates que efetivamente, mobilizam o eleitorado e fazem chegar aos eleitores – bem ou mal – as propostas centrais das campanhas[6]. Valores importantes à sociedade democrática, como o pluralismo e a igualdade de oportunidades nas disputas políticas, justificam que os eleitores possam ter acesso ao maior número possível de propostas e opiniões diferentes para que possam fazer uma escolha suficientemente informada no dia das eleições. Na prática, no entanto, a atual legislação limita isso apenas aos candidatos que já estão no poder, reduzindo as chances de partidos novos ou menores apresentarem suas propostas em patamar minimamente razoável.
Alguns, é certo, questionarão a possibilidade de o STF ingressar nessa matéria para invalidar uma matéria de competência do Congresso Nacional – reforma eleitoral – que não contraria, a princípio, normas expressas da Constituição Federal. Essa, no entanto, é uma típica hipótese em que as raposas são colocadas para cuidar do galinheiro: a restrições às minorias políticas e o privilégio aos partidos detentores do poder atualmente atua em benefício quase que exclusivo das maiorias parlamentares do momento que editaram essas normas, dificultando mudanças e renovações no poder. Infelizmente, essa parece uma tendência no processo político brasileiro, mais preocupado com a perpetuação de certos atores no poder do que com a realização de reformas estruturais significativas. Nessas hipóteses, a jurisprudência constitucional mundial tem admitido uma maior intervenção das cortes constitucionais para invalidar a edição de leis autointeressadas[7] - e o próprio STF, em casos como o da cláusula de barreira, parece seguir essa tendência[8].
As restrições aqui tratadas independem de corrente ideológica: as mesmas regras acima enunciadas afetam partidos menores de esquerda como também partidos pequenos de direita. Não está aqui em jogo nenhum projeto específico de poder nem a defesa de uma ou de outra concepção político-partidária ou de Estado; trata-se apenas do reconhecimento de que diversos valores de matiz constitucional – pluralismo político, igualdade de oportunidades e liberdade de manifestação e de oposição – impedem que as maiorias eventuais excluam ou reduzam substancialmente a possibilidade de participação política das minorias, atuando em benefício próprio para seu projeto de manutenção no poder. Que o STF, nesses julgamentos, reconheça nas restrições da Lei nº 13.165/2015 uma tentativa de ceifar valores importantes à democracia brasileira, fazendo valer o império da Constituição.
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[1] CF/88, art. 17: “§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
[2] STF, DJ 19 set. 2012, ADI 4430/DF, Rel. Min. Dias Toffoli.
[3] Para um amplo levantamento, v. KAID, Lynda Lee; HOULTZ-BACHA, Christina. Television advertising and democratic systems around the world. In: KAID, Lynda Lee; HOULTZ-BACHA, Christina. The SAGE Handbook of political advertising. Thousand Oaks: Sage Publications, 2006.
[4] Nesse sentido, os votos do Ministro Ayres Britto e Ricardo Lewandowski. Afirmou este último: “A propósito dessa distribuição, ressalto do parecer elaborado peloMinistério Público que, ‘os percentuais adotados (2/3 para os partidos com representação na Câmara dos Deputados e 1/3 igualitariamente para os que não têm) inserem-se dentro do poder de conformação do legislador ordinário, especialmente porque não revelam, em si, desproporcionalidade’ (fl. 12)”.
[5] É o caso que repercutiu na imprensa da candidata à Prefeitura de São Paulo Luiza Erundina, do PSOL.
[6] No cenário norte-americano, v. HART, Roderick P. Campaign talk: why elections are good for us. Princeton: Princeton University Press, 2000.
[7] V. PILDES, Richard H. The constitutionalization of democratic politics – The Supreme Court, 2003 Term. Harvard Law Review, vol. 118, 2004,
[8] STF, DJ 29 jun. 2007, ADI 1351/DF, Rel. Min. Marco Aurélio: “No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade - por mais louvável que se mostre, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de fazer representar nas decisões que influem nos destinados da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria".

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JOTA

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