Aristóteles de Queiroz Camara

Rodrigo Veiga Freire e Freire

O primeiro artigo do Projeto Macrovisão do Crédito Tributário, publicado neste espaço por Breno Vasconcelos e Daniel Santiago (<a href="http://jota.uol.com.br/diagnostico-processo-administrativo-fiscal-federal">Diagnóstico do processo administrativo fiscal federal</a>), expôs o escopo da pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/SP. A partir da compreensão ampla dos fenômenos que cercam o crédito tributário abrangendo (i) a discussão sobre os limites do planejamento fiscal frente à norma antielisiva; (ii) sua constituição através do procedimento administrativo fiscal; e (iii) a cobrança judicial por meio da execução fiscal, a pesquisa buscará identificar os problemas da experiência brasileira e propor soluções para o aperfeiçoamento de nossa legislação. Este artigo trata da linha de pesquisa referente ao processo executivo fiscal.
A primeira fase da pesquisa cuidou do levantamento de dados para a identificação dos problemas que cercam a cobrança judicial da Dívida Ativa da União. Para tanto, foram realizadas entrevistas com profissionais afeitos ao tema: juízes federais, procuradores da Fazenda Nacional, advogados particulares e contribuintes. As entrevistas foram realizadas por meio de questionários específico para cada uma das categorias e seus resultados puderam informar a existência de problemas comuns a todas elas. O modelo dos questionários pode ser acessado <a href="https://www.dropbox.com/s/gvrhtaygpbicxxm/Questionario%2520LEF.docx?dl=0">aqui</a>. 
Além das entrevistas, também levantamos dados estatísticos perante da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) relativos à Dívida Ativa da União nos últimos cinco anos nas seis capitais escolhidas para a realização da pesquisa: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte[1]. Os dados colhidos permitem uma profunda análise da evolução da dívida no período abrangido, inclusive com informações sobre sua composição, valores envolvidos nas execuções fiscais, percentual de créditos garantidos pelos contribuintes e a performance[2] da cobrança. A análise dos dados fornecidos pela PGFN pode ser conferida <a href="https://www.dropbox.com/s/95opsocw5b75snb/Aula.22.08.2016.exf.pptx?dl=0">aqui</a>
1 Análise das entrevistas
As entrevistas realizadas relataram as seguintes conclusões comuns a todas as categorias de entrevistados:
1.1 Baixa performance
A inscrição em dívida ativa do crédito tributário não implica seu pagamento pelo devedor, sendo tal evento apontado como “pouco recorrente” para 67% dos entrevistados em relação a lançamentos decorrentes de Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) e 100% na hipótese de débitos constituídos através de declaração do devedor. A distinção entre as duas formas de constituição do crédito tributário informa que os débitos nos quais houve discussão administrativa possuem maiores chances de serem adimplidos do que aqueles que foram declarados pelo próprio contribuinte.
Uma vez proposta a execução fiscal, é evidente a ineficiência do processo como meio de arrecadação da Dívida Ativa. São expressivas a recorrências de eventos como ausência de localização do executado e ausência de resposta à citação regularmente realizada. Também é de se destacar que 100% dos entrevistados afirmaram ser “pouco recorrente” o pagamento do débito pelo executado como decorrência de sua citação no processo.
 O bloqueio on line, medida judicial prevista desde 2005 pelo art. 185-A do Código Tributário Nacional (CTN) que permite ao magistrado tornar indisponível bens e direitos dos executados através de meio eletrônico, não se mostra uma medida eficaz para a maior parte dos entrevistados. A dificuldades da localização de bens dos devedores, por sua vez, foi apontada por 100% dos entrevistados como uma das causas para a frustação das execuções.
1.2 Complexidade excessiva
As respostas unânimes dos entrevistados permitem concluir que a excessiva complexidade do Sistema Tributário e a grande quantidade de normas são causas para o descumprimento de obrigações fiscais.
1.3 Ausência de transparência
As entrevistas apontaram que o acesso às informações da Receita Federal e PGFN não são suficientes para o amplo conhecimento da matéria discutida na execução fiscal. As dificuldades do acesso às informações trazem prejuízos à certeza e confiabilidade do procedimento.
2 Análise dos dados fornecidos pela PGFN
Os dados quantitativos fornecidos pela PGFN corroboram as opiniões expressadas as entrevistas, além de permitirem outras conclusões. O total de estoque de dívida com exigibilidade ativa nas seis capitais é de R$ 449 bilhões de reais, dos quais 85,4% encontram-se concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro. Por sua vez, apenas R$ 28 bilhões, ou 6,3% do estoque total, foram garantidos pelos executados.
Além disso, há uma grande concentração de valores em relativamente poucos processos: do estoque de 733.709 execuções em curso nas seis capitais, R$ 342,8 bilhões em dívidas encontram-se distribuídos em apenas 8.423 execuções fiscais, o que equivale a 1,15% do total de processos. A grande maioria das execuções, portanto, cuida de créditos de baixo valor, ao passo em que poucos processos concentram a maior parte da dívida executada. 
Entre 2011 e 2015, a PGFN ingressou com novas execuções totalizando R$ 163 bilhões em cobranças, dos quais foram recuperados apenas R$ 3,7 bilhões, ou 2,31% do total ajuizado no período. Isso demonstra que o extraordinário valor global da Dívida Ativa não se deve exclusivamente ao acúmulo de processos antigos e que o simples ajuizamento de execuções longe está de representar um incremento da arrecadação.
3. Diagnóstico do processo de execução fiscal
A partir dos dados colhidos em nossa pesquisa, apresentados e discutidos nos eventos realizados pelo NEF e na disciplina em curso na FGV/SP, foi possível traçar o seguinte diagnóstico dos problemas enfrentados na cobrança judicial da Dívida Ativa da União[3]:
3.1 Ajuizamento indiscriminado da dívida ativa sem estimativa da probabilidade de recuperação do crédito
Não há previsão legal para que a PGFN estime as probabilidades de recuperação do crédito tributário e somente ajuíze aqueles que possuam efetivas chances de êxito em sua cobrança. A análise da viabilidade da recuperação do crédito deve levar em consideração a efetiva existência de recursos econômicos do executado para pagamento da dívida, evitando-se a propositura de execuções que restarão frustradas em virtude da ausência de localização de bens do devedor.
A conclusão aqui relatada assenta-se fundamentalmente em dois pressupostos: 
i) o simples ajuizamento de execuções não é um estímulo efetivo ao pagamento da Dívida Ativa da União. Como demonstra a análise dos números das seis capitais pesquisadas, a quantidade de processos e o estoque da dívida vêm aumentando nos últimos cinco anos, ao mesmo tempo em que a taxa de recuperação é significativamente baixa (2,31% do montante ajuizado).
ii) a propositura de uma execução fiscal, como em qualquer outro processo, significa custos a serem suportados pelo Poder Judiciário, bem como a alocação de recursos da PGFN para sua gestão. Um estudo realizado pelo IPEA ainda em 2011 estimou que o custo de uma execução fiscal apenas para a Justiça Federal é de R$ 5.606,67, o que, atualizado pelo IGP-M (FGV), totalizaria R$ 7.813,37.[4]
Atualmente, por força da Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, deixam de ser ajuizados apenas os débitos cujos valores consolidados sejam iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mas tal previsão não dispensa a propositura de execuções de valores superiores e nem exige a prévia estimativa das chances de êxito da cobrança.
Mais recentemente, a PGFN editou a Portaria nº 396, de 30 de abril de 2016, instituindo o Regime Diferenciado de Cobrança de Crédito (RDCC) que, dentre outras providências, possibilitou a suspensão em massa das execuções fiscais de valor igual ou inferior a R$ 1.000.000,00 que não estejam garantidas[5]. Essa medida administrativa pode trazer uma maior eficiência para o órgão para o tratamento das execuções já em curso no Judiciário, mas, tal como a Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, não impede o ajuizamento de execuções que, posteriormente, serão arquivadas.
3.2. Dificuldades na localização de bens do devedor 
A ausência de localização de bens do devedor é uma das causas mais relevantes para a baixa performance da cobrança da dívida ativa. A Lei nº 6.830/1980 (LEF) prevê que, após a propositura da execução e a negativa do executado em nomear bens em garantia, será diligenciada a localização de seu patrimônio através de requerimentos da PGFN ao juiz do feito. 
 Embora não haja vedação legal para que ao menos parte desse trabalho seja realizado antecipadamente pela procuradoria, como também a despeito da existência do arrolamento administrativo de bens, a experiência recorrente é que a localização de bens do devedor ocorra apenas durante o trâmite da execução fiscal, contribuindo para a elevação do estoque de processos que posteriormente serão arquivados com fundamento no art. 40 da LEF. 
O RDCC trouxe importantes inovações para o acompanhamento do patrimônio do devedor pela PGFN, mas entendemos que a legislação pode ser aprimorada para conceder maior performance ao órgão nessa tarefa.
3.3 Inexistência de ritos processuais distintos
A LEF prevê o mesmo rito processual para todos os tipos de créditos, independentemente de sua natureza (tributária ou não), forma de constituição (lançamento de ofício ou declaração do próprio contribuinte) e valor. Para todos eles, os direitos e deveres das partes do processo serão os mesmos, sobretudo em relação aos efeitos dos recursos e amplitude dos atos de expropriação do patrimônio do devedor.
Deve ser também considerado que aproximadamente apenas metade do estoque de execuções fiscais na Justiça Federal é patrocinado pela PGFN, segundo o estudo realizado pelo IPEA. Do total de processos em curso, é significativa a proporção de processos patrocinados por outras entidades, como conselhos de fiscalização de profissões liberais, responsáveis por 36,4% do estoque. Conferir o mesmo rito processual para créditos de natureza distinta impede que seja concedida à cobrança do crédito tributário um rito processual em consonância com as garantias e preferências previstas pelo ordenamento jurídico.
3.4 Incentivo à litigiosidade
A excessiva complexidade do Sistema Tributário e a instabilidade da aplicação da legislação tributária foram relatadas nas entrevistas como uma das causas do descumprimento das obrigações fiscais e como incentivo à litigiosidade na relação entre contribuinte e fisco. Esses fatores, junto a outros específicos da fase administrativa de apuração do crédito, foram também observados na linha de pesquisa relativa ao Processo Administrativo Fiscal como problemas a serem enfrentados no aperfeiçoamento da legislação. 
Por outro lado, a despeito de o CTN prever a transação como uma das formas de extinção do crédito tributário (art. 156, III e 171), não observamos a utilização de meios alternativos de solução de litígio na relação entre fisco e contribuintes. Aliando-se esse quadro de desconfiança mútua à baixa performance da cobrança do crédito tributário, temos um incentivo à litigiosidade que pode ser visto de duas formas:
i) os contribuintes que discordam da legalidade da norma tributária ou de sua interpretação pelo fisco são estimulados a buscar o Judiciário para a resolução do litígio, o que também se dá por meio de defesa em execuções fiscais;
ii) a baixa performance da cobrança judicial estimula os contribuintes a não adimplirem suas obrigações pontualmente para valerem-se da execução fiscal como forma de postergação do cumprimento de suas dívidas. Trata-se, portanto, da utilização do litígio como planejamento para a inadimplência tributária.
4. Próximas etapas da pesquisa
Nossa pesquisa agora está se atendo ao aprofundamento de cada um desses temas, bem como na comparação com a experiência observada em outros países e no mapeamento dos projetos legislativos em curso no Congresso Nacional. As conclusões dessas etapas serão em breve divulgadas aqui neste espaço. Também pretendemos contar com a mais ampla participação possível da Sociedade na discussão e, para tanto, elaboramos um questionário digital que pode ser acessado pelo <a href="https://pt.surveymonkey.com/r/TK83V65">link anexo</a> ou por meio do artigo <a href="http://jota.uol.com.br/reforma-da-lei-de-execucao-fiscal-deve-ser-debatida-com-sociedade">A Reforma da Lei de Execução Fiscal deve ser debatida com a Sociedade</a>. 
Dessas reflexões, surgirá a proposta de aperfeiçoamento da legislação relativa ao processo de execução fiscal, que buscará aliar os interesses da administração no aprimoramento da arrecadação e o direito dos particulares em ser parte de um processo simples, previsível, transparente e que imponha o menor sacrifício possível à sua atividade econômica. 
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Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores. 
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[1] Utilizamos como critério de escolha a cidade com o maior PIB em cada uma das cinco regiões em que se dividem a Justiça Federal e a PGFN, às quais se acresceu Belo Horizonte em virtude de sua relevância econômica. 
[2]  O conceito de performance aqui referido é o proposto por Luciano Gomes Filippo como sendo a conjugação de eficiência (maior quantidade de resultado com a menor utilização de meios) e eficácia (capacidade de alcançar os objetivos pretendidos): “podemos afirmar que a Administração fiscal performante – entendida como aquela que consegue ser ao mesmo tempo eficiente e eficaz – é aquela que consegue arrecadar os recursos necessários para o Estado realizar suas funções, com o mínimo de gastos (recursos e esforços) possível, causando o menor incômodo possível para os contribuintes – tanto no que diz respeito à intervenção em seu patrimônio, quanto ao esforço gerando pelo cumprimento das obrigações – e na qual os interesses e a satisfação dos contribuintes sejam preservados ao máximo.” (A Performance no Direito Tributário, São Paulo: Almedina, 2016, pg. 152). 
[3]  Note-se que o objeto da pesquisa é a identificação de problemas que possam ser solucionados através de alterações legislativas, o que deixa de fora outras medidas que podem ser alcançadas por meio de organização administrativa da PGFN. 
[4] A íntegra do estudo pode ser acessada por meio do seguinte link: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf 
[5] A portaria está disponível em http://www.pgfn.fazenda.gov.br/arquivos-de-noticias/Portaria%20PGFN%20no%20396%20de%2020%20de%20abril%20de%202016.pdf

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JOTA

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Projeto Macrovisão do Crédito Tributário: Diagnóstico da cobrança judicial da Dívida Ativa da União

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