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<h3>Introdução</h3>
O presente texto é o primeiro de dois artigos de opinião escritos para apresentar o posicionamento dos autores quanto à problemática e aos desafios envolvidos no caso do Projeto Inspire, correspondente ao desenvolvimento de um modelo de respirador artificial, bem como ao entendimento jurídico adequado para solucioná-los.
Este primeiro texto inicia-se com um breve histórico do caso, com destaque ao ambiente institucional no qual a iniciativa foi desenvolvida, e conclui-se com uma apresentação da problemática envolvida, caracterizando-a como sendo pertinente a um caso que se compõe de três elementos: de (i) inovação, (ii) tecnológica, e (iii) aberta.
No segundo, por sua vez, adentrar-se-á em considerações pertinentes aos principais riscos e incertezas identificados no caso, caracterizando-lhes, bem como apontando as medidas tomadas para mitigá-los, e o adequado entendimento dos instrumentos empregados para isto.
<h3>Breve histórico da iniciativa: apresentação do ambiente institucional</h3>
Dentre os atores que se mobilizaram para o combate à pandemia no Brasil, a Universidade de São Paulo (USP) destaca-se pelo grande <a href="https://prp.usp.br/usp-e-covid-19/%3E">volume</a> e <a href="https://jornal.usp.br/universidade/usp-esta-entre-universidades-que-mais-publicam-estudos-sobre-covid-19-no-mundo/">diversidade</a> de ações e pela capacidade que teve de articular-se para <a href="https://www.fusp.org.br/usp-vida">produzir soluções </a>eficazes no combate ao Covid-19. Dentre as iniciativas empreendidas no âmbito da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/usp">USP</a>, o <a href="https://www.poli.usp.br/inspire">Projeto Inspire</a> tem especial valia, não apenas pelo exemplo de agilidade responsiva[1], mas também pela experiência exemplar de como o senso de missão – inspirado pela iminência da crise sanitária no início de 2020 e a necessidade de múltiplos desenvolvimentos em curtos períodos ao longo de 2020 e 2021 – pode motivar a inovação.[2]
A iniciativa partiu de um conclame da diretora da <a href="https://www.poli.usp.br/">Escola Politécnica (Poli) da USP</a> aos professores em sua Congregação no dia 19 de março de 2020. Este estímulo levou o <a href="https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/86942/raul-gonzalez-lima/">professor Raul Gonzalez Lima </a>a procurar, "três minutos" após o término da Congregação, o <a href="http://lattes.cnpq.br/0271672292477578">professor Marcelo Knörich Zuffo</a>. "Nesse dia, eu acho que o Inspire tomou um vulto. Foi uma quinta-feira, nós trabalhamos na sexta-feira, nós trabalhamos no sábado. Sábado à noite nós já tínhamos o primeiro protótipo funcional", <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8E8untWzGRc">relatou o professor Zuffo</a>.
<a href="https://prp.usp.br/usp-e-covid-19/">O Inspire resulta, portanto, de articulação</a> entre o Departamento de Engenharia Mecânica, o <a href="http://www.leb.usp.br/">Laboratório de Engenharia Ambiental e Biomédica (LAB)</a>, o Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos e o <a href="http://www.lsi.usp.br/citi/">Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas</a> <a href="http://www.lsi.usp.br/citi/">(CITI)</a>, bem como outras entidades de pesquisa da USP e entidades parceiras. O projeto contou também com a experiência, a expertise e a infraestrutura de diversos centros de pesquisa e produção de dentro e de fora da USP, dentre os quais o <a href="https://www.marinha.mil.br/ctmsp/quem-somos">Centro Tecnológico da Marinha em São</a> <a href="https://www.marinha.mil.br/ctmsp/quem-somos">Paulo (CTMSP)</a>, com sede na USP.
<h3>Um caso de Inovação: tecnológica e aberta</h3>
Inovação tecnológica: definição
Apesar de contar com consideráveis capacidades adquiridas institucionalmente, em razão de longa experiência de desenvolvimento tecnológico por parte dos coordenadores do projeto, a inovação de que trata o Inspire está ligada tanto ao processo produtivo (tempo e custo de produção), quanto ao desenvolvimento da tecnologia em si – que permite o acompanhamento e o registro automatizado do funcionamento dos respiradores e, portanto, de características do organismo humano assessorado pela máquina.
Inspire caracteriza-se como um caso de inovação tecnológica, por sua vez caracterizada como a criação ou introdução de tecnologia inédita em mercado pré-existente[3]: no caso, o uso de tecnologias de Internet das Coisas aplicado a equipamentos de saúde – respiradores – tanto para a coleta de dados de pacientes, quanto para o ajuste de seu funcionamento.
Inovação aberta
O projeto foi desenvolvido no modelo de uma inovação aberta, cujo processo caracteriza-se por ao menos dois aspectos. O primeiro é o cooperativo, isto é, a atividade é organizada de forma coletiva e horizontal,[4] envolvendo a articulação de pessoas de diferentes organizações e empresas, ou mesmo sem vinculação institucional, para a colaboração no seu desenvolvimento. O segundo é o do lançamento a domínio público do resultado inovativo – ou seja, não há exclusividade para a implementação industrial e a exploração comercial do produto inovador.
Isto não significa a inexistência de limites ou regras para as exploração comercial ou implementação industrial da invenção. No caso do Projeto Inspire, não apenas <a href="https://github.com/Inspire-Poli-USP/Inspire-OpenLung/issues">houve</a> <a href="https://github.com/Inspire-Poli-USP/Inspire-OpenLung/issues">colaboração aberta na conceituação do projeto do modelo de respirador</a>, como o respectivo resultado ficou disponível para uso de qualquer empresa devidamente certificada pela Anvisa e com a atuação adequada às exigências de segurança estabelecidas por meio de contrato de licença.
A opção por um modelo de inovação aberta justifica-se não apenas pela natureza do empreendimento, realizado por iniciativa e no âmbito da USP, a partir de um viés ético – de devolução à sociedade do investimento por ela feito em meio a uma crise sanitária grave[5] –, mas também pela necessidade de mobilizar o maior número de especialistas dispostos a contribuir para superar entraves técnicos necessários à obtenção do resultado desejado: um modelo de respirador de baixo custo, com alta celeridade produtiva e de alta capacidade tecnológica, passível de ser produzido em massa, de forma descentralizada, para atender o maior número de pessoas, nos mais diversos locais.
O processo inovativo schumpeteriano caracteriza-se, inclusive, por essa busca de transbordamentos, sendo que uma nova tecnologia, novo método organizacional ou novo serviço tendem a provocar estímulos ao ambiente produtivo encadeando novos desenvolvimentos e ciclos de criação.
<h3>Conclusões</h3>
Observa-se que a iniciativa parte de ambiente institucional altamente qualificado, com capacidades acumuladas de décadas de pesquisa em diversas áreas mobilizadas para o desenvolvimento do Projeto Inspire.
Além disto, tem-se a articulação de diversas instituições para o cumprimento das diversas funções necessárias ao bom desenrolar das atividades do projeto - as capacidades pertinentes aos sistemas eletrônicos do projeto, as referentes ao monitoramento de pulmões, as referentes à sua viabilização produtiva, cumprindo-se os requisitos de alta sofisticação tecnológica, alta escalabilidade e baixo custo, dada a intenção de amparar o sistema de saúde.
Por fim, tem-se a caracterização do caso como sendo o de uma inovação do tipo tecnológica e desenvolvida em regime aberto. Os riscos e incertezas referem-se a estas três categorias, sendo ora decorrentes da natureza da atividade inovativa, ora de sua caracterização como tecnológica, ora do fato de ter sido desenvolvida em regime aberto.
A articulação dos riscos decorrentes destes três vetores que resumem a caracterização do caso concreto é o objeto do tratamento jurídico que foi dado ao longo do desenrolar do Projeto Inspire, sobre o qual o entendimento adequado é apresentado no segundo artigo desta série.
Ana Elisa Liberatore Bechara - Professora titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Entrevistada. Auxiliou, com orientações jurídicas pertinentes aos riscos de responsabilização penal, os responsáveis pela iniciativa que culminou nos respiradores Inspire
Marcelo Knörich Zuffo - Professor titular do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). É um dos projetistas do respirador Inspire. Atualmente é o Coordenador Geral do InovaUSP
Raúl Gonzáles Lima - Professor titular do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). É um dos projetistas do respirador Inspire
Maria Carolina Foss - Pós-doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professora de direito na graduação do Insper. Coordenadora e pesquisadora do Núcleo Jurídico do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP
Lucca Lopes Monteiro da Fonseca - Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Advogado
Tomás Domschke Tomic - Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do Núcleo Jurídico do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados da USP
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[1] MAZZUCATO, M; KATTEL, R; QUAGGIOTTO, G.; e BEGOVIC, M. Covid-19 and the Need for Dynamic State Capabilities: An International Comparison, UCL, IIPP, New York, NY, 2021.
[2] MAZZUCATO, M. Mission-oriented innovation policies: Challenges and opportunities. Industrial and Corporate Change, 27, n. 5, p. 803–815, 1 out. 2018.
[3] A inovação tecnológica é caracterizada pelo desenvolvimento, não meramente de melhorias em tecnologias preexistentes, mas do uso de tecnologias que representam novidades tecnológicas para o mercado de saúde - mais especificamente, no mercado de respiradores e equipamentos de auxílio e acompanhamento médico - encerradas no produto Inspire (respirador). Para a classificação dos fenômenos inovativos em quatro tipos (incremental, tecnológica, de mercado e radical), consultar palestra proferida pela Professora Andrea LAPLANE, em 2021 para o Grupo direito e Políticas Públicas, disponível no link
[4] &lt;<a href="https://www.youtube.com/watch?v=euTS5MPrpj0">https://www.youtube.com/watch?v=euTS5MPrpj0</a>&gt;, entre os instantes 15:08 e 16:52. Consultar também AWERSWALD           &amp;            BRANSCOMB            (2003).                       Material           complementar:
[5] &lt;<a href="https://www.oecd.org/sti/inno/16454388.pdf">https://www.oecd.org/sti/inno/16454388.pdf</a>&gt;. Para o testemunho sobre as características materiais do trabalho desenvolvido que nos levam a classificar a inovação como sendo do tipo tecnológica (inovação tecnológica stricto sensu), consultar relato em: &lt;<a href="https://www.youtube.com/watch?v=8E8untWzGRc">https://www.youtube.com/watch?v=8E8untWzGRc</a>&gt;, entre os instantes 4:22 e 5:21.
[6] LESSA, M. Contratos para inovação. In BARBOSA, D., Direito da Inovação, 2a ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro, RJ, 2011, pp. 27-28: "Como visto anteriormente, a firma tradicional resolvia a inconveniência do hold- up adquirindo o controle vertical, e consequentemente absorvendo, na sua estrutura, o insumo ou processo de Vimos também que essa lógica ruiu diante das transformações no sistema de produção, que passou a se organizar de forma horizontal, obstáculo prático a superar, na contratação pelo Estado, é a regra geral de que o risco é sempre assumido pelo contratado".
[7] MAZZUCATO, M. Capitalism won't save us from Covid, no matter what Boris Johnson might think. Coronavirus. The Guardian, 2021.

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JOTA

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