Janaína Penalva

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<p>Um <em>sim</em> que nunca se realiza tem mais força proibitiva que um <em>não</em> com exceções. Se o Congresso Nacional quer proibir de vez que mulheres abortem, talvez seja o caso de legalizar o aborto e criar uma rede complexa de regras que garantam que ele jamais ocorra concretamente. Um <em>sim</em> – mulheres podem interromper voluntariamente a gestação ‐ que nunca tem permissão de se realizar é mais forte que um <em>não</em> – o aborto é crime ‐ que pode se realizar excepcionalmente.</p>
<p>O Congresso Nacional sabe que as mulheres precisam abortar, então querem um sistema normativo que as impossibilite de fazê‐lo. O sistema da proibição com exceções (aborto como crime com poucas exceções) é duro, as mulheres morrem diariamente, mas há uma chance, pequena, de que algumas consigam abortar legalmente. Reforçar o teor proibitivo desse sistema e eliminar todas as exceções parece ser a pauta do Congresso expressa no Projeto de Lei 5069/2013.</p>
<p>A diferença é sutil, mas há uma distinção entre “em princípio <em>sim</em>, mas na prática nunca” e “em princípio <em>não</em>, mas quando situações excepcionais o exigirem, sim.” A diferença está na norma e suas circunstâncias. A criminalização do aborto é útil para matar as mulheres, mas não é suficiente para eliminar o aborto. Se o Congresso quer acabar com a ocorrência do aborto usando a lei, o melhor caminho é explodir a tensão entre faticidade e validade e legalizá‐lo juntamente com um conjunto de regras que o impossibilite na prática. Se fizer isso, talvez consiga reforçar o teor proibitivo da norma e escamotear a inconstitucionalidade de suas propostas.</p>
<p>O atual sistema de <em>não</em> com exceções da lei (não pode abortar, mas o risco de morte, estupro e diagnóstico de feto com anencefalia são exceções) é o que o conservadorismo do atual Congresso Nacional não perdoa. O estupro como excludente de ilicitude é‐lhes insuportável porque protege as piores mulheres, aquelas que já foram violadas. Além disso, é uma exceção ao sistema do <em>não</em> com potencial de realização frequente, já que 47.646 estupros foram registrados no Brasil em 2014, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mas não é preciso se preocupar com isso, esse sistema é meramente formal.</p>
<p>Se há algo de positivo na discussão do PL 5069/2013 é que ele nos deu a oportunidade de denunciar que, mesmo no atual sistema, os serviços de aborto legal são inefetivos, que as exigências de boletim de ocorrência, laudo do IML, decisão judicial, etc, já ocorrem em muitos serviços, em paralelo a um conjunto de outros assédios que as mulheres vivem ao tentar realizar um aborto legalmente no Brasil. Ou seja, mulheres que engravidam em decorrência de um estupro dificilmente conseguem fazer um aborto legal. As exceções do sistema do <em>não</em>, ou seja, os casos em que é permitido abortar não se materializam. Mas a efetividade das leis não importa para o Congresso Nacional, mesmo falho, esse sistema é insuficiente para satisfazer o desejo de proibir dos congressistas.</p>
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<p>Nossos deputados federais sabem que nem o risco de morte afugenta as mulheres de tentarem viver em liberdade, por isso incluíram, no PL 5069/2013, os médicos como futuros criminosos e propuseram que os serviços de aborto legal transformem‐se em território sob o comando da delegacia. O sucesso da parceria entre a clínica e a cadeia é um velho conhecido.</p>
<p>Interromper voluntariamente uma gestação foge a ambas as normas, não é doença e nem é crime, mas é fato da vida, expresso em uma necessidade de saúde, uma necessidade que só ocorre na vida das mulheres e que é muito forte no caso de vítimas de violência sexual. Se os deputados federais querem a proibição perfeita para o aborto, minha dica é que eles invertam o sistema, legalizem o aborto e se beneficiem da odiosa inefetividade que todas as leis que garantem direitos às mulheres parecem carregar em si. Mas se optarem por permanecer no sistema do <em>não</em>, saibam que as mulheres não vão perder as poucas chances de liberdade reprodutiva que já conquistaram.</p>
<hr />
<p><em>A descrição sobre os paradoxos entre normas que permitem em princípio e normas que proíbem em princípio está em ZIZEK, Slavoj. O sofrimento de Deus: inversões do Apocalipse. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p.57</em></p>
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Congresso_Nacional-2

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JOTA

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