Juliano Zorzi

Marcelo Ferreira de Souza

Estella Grazioli Garofalo Viola

Nas últimas décadas, o centro de São Paulo experimentou o abandono e a invasão de um número significativo de imóveis. Várias empresas transferiram suas sedes para novos centros comerciais e os antigos moradores da região acompanharam a mudança. Com isso, comércios e serviços locais foram abandonados, os índices de violência e criminalidade aumentaram e os imóveis residenciais se tornaram menos atraentes. Hoje, a região central apresenta centenas de imóveis degradados, vazios ou ocupados de forma irregular.
Diversas estratégias vêm sendo pensadas para reverter a situação e trazer de volta o público e empresas à região, por meio de programas de incentivo e políticas de desenvolvimento urbano. Uma delas é a própria revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), que tem dentre seus objetivos fomentar a distribuição eficiente da urbanização da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Neste sentido, deve-se considerar como muitos imóveis da região central poderiam ser melhor aproveitados para atrair novamente os setores residencial e comercial, retomando a sua função social e, por conseguinte, aumentando a qualidade de vida dos cidadãos, que poderão se beneficiar da infraestrutura e dos serviços públicos já existentes no local, em comparação com regiões mais periféricas da cidade que contam com menor disponibilidade de serviços e comodidades.
A revisão do PDE deveria ter sido concluída até o final de 2021 — nos termos da Lei Municipal nº 16.050 de 2014 que o instituiu — mas, por conta da pandemia do Covid-19, a conclusão foi prorrogada por diversas vezes para possibilitar a participação popular através de audiências públicas, que estão sendo realizadas ao longo deste primeiro semestre de 2022. A revisão está prevista para ser concluída no segundo semestre deste ano.
Mesmo com a sua atualização postergada, a Prefeitura de São Paulo se adiantou e conseguiu compensar parte deste atraso com a publicação da Lei Municipal nº 17.577/2021, em 21 de julho de 2021, mais popularmente conhecida como “Lei do Retrofit”, legislação esta capaz de aplicar efetivamente a pretensão do PDE, através do Programa Requalifica Centro, que estabelece incentivos e o regime específico para a requalificação de edificações situadas na Área Central da cidade de São Paulo.
A Lei do Retrofit foi um tremendo avanço no cumprimento dos objetivos do Plano Diretor, ao menos para a região do centro de São Paulo, reconhecendo seu enorme potencial e aproveitando sua alta concentração de serviços públicos e acessibilidade ao transporte, assim como outros vários privilégios da localização, dentre eles a geração de  empregos no entorno da região. Desse modo, a Lei do Retrofit em São Paulo busca incentivar investimentos no centro da cidade, reduzindo a quantidade de edifícios inutilizados, sem função e praticamente inabitados, utilizando desses incentivos como uma forma de estratégia e tática para trazer de volta o cidadão à região, tanto dentro do conceito de moradia quanto de oportunidade de trabalho, elevando o número de empresas no local.
Por isso, a Lei do Retrofit incentiva a retomada do centro de São Paulo mediante a facilitação e a aprovação de projetos de reforma e alteração da designação de edifícios, além de diversos benefícios. Dentre eles, destacamos: 1) a remissão (perdão) de débitos e a sua respectiva isenção em até 3 anos após a conclusão das obras – imóveis em torno da “Cracolândia” recebem isenção de até 10 anos nesse mesmo sentido; 2) a isenção de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/itbi">ITBI</a>) para imóveis que serão objeto de requalificação, mediante a apresentação do alvará de aprovação e execução das obras de requalificação; 3)  redução da alíquota do Imposto Sobre Serviços (ISS) para 2% em serviços relativos à execução da requalificação, incluindo serviços de engenharia, arquitetura, urbanismo, construção e manutenção; e, 4) isenção de taxas e emolumentos no licenciamento, juntamente com a dispensa de contrapartida financeira em caso de mudança de uso da edificação.
Já é possível observar os resultados do Programa Requalifica Centro em alguns empreendimentos concluídos ou em andamento. Dentre outros que poderiam ser citados, merece atenção o projeto da Planta.Inc, com a assinatura do paisagista Guil Blanche, em prédio vendido pela Santa Casa, localizado na avenida Amaral Gurgel. Após a reforma, o prédio foi totalmente ocupado por negócios de economia criativa, com destaque para o rooftop ocupado pelo restaurante Cora, com vista para o Minhocão.
Outros municípios também lançaram programas similares para a revitalização de centros urbanos, incluindo o Reviver Centro no Rio de Janeiro. A cidade recebeu dois relevantes projetos que incluem a alteração da destinação para uso residencial: o caso das antigas gráficas do “Jornal O Globo” e o “Hotel São Francisco”, que juntos totalizam 456 novas unidades residenciais. O plano carioca possui, inclusive, um site informativo com os lotes disponíveis e um mapa de monitoramento em 3D.
A ideia foi comprada também por diversos fundos de investimentos imobiliários, sendo que uma classe específica de ativos foi criada para o financiamento de projetos de reincorporação com o uso do retrofit.
Uma dificuldade apresentada para a consecução dos objetivos dos programas municipais era a aprovação da requalificação de um edifício (explicativamente, a alteração da destinação de comercial para residencial ou de uso misto) detido por diversos condôminos, até recentemente sujeita à aprovação por unanimidade de votos dos condôminos. Sob a justificativa de melhor aproveitamento da função social dos imóveis de acordo com as características locais atuais, foi apresentado o PL 4000/2021, recém sancionado pela Presidência da República no último dia 13 (Lei 14.405/2022), que moderniza o capítulo do Condomínio Edilício do Código Civil e reduz para 2/3 dos condôminos o quórum mínimo para a mudança da destinação de edifício ou de unidade imobiliária.
A Lei 14.405/2022 tende a impulsionar o desenvolvimento de novos projetos de retrofit no âmbito dos programas de revitalização de centros urbanos, possibilitando a viabilização de projetos de requalificação de edifícios antigos em condomínio, situação na qual é amplamente reconhecida a dificuldade de obtenção da unanimidade de votos.

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JOTA

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